Realojamentos do 2.º Torrão com falta de soluções dignas para famílias
A Amnistia Internacional -- Portugal considera que o realojamento de habitantes do 2.º Torrão, na Trafaria, concelho de Almada, tem sido abordado com pouca transparência junto dos moradores e com falta de soluções concretas e dignas para as famílias.
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Em comunicado, a organização faz o ponto da situação do processo de demolição de casas no bairro, que se iniciou em 30 de setembro e que a Câmara Municipal de Almada (CMA) deu por concluído em 07 de outubro, garantindo que foi assegurado o realojamento temporário de 51 famílias.
A operação foi decidida para prevenir situações de risco de derrocada das construções sobre uma linha de água que atravessa o bairro, com mais de 40 anos e onde existem centenas de construções clandestinas.
O município identificou 60 agregados nas construções sobre a vala, mas concluiu que nove famílias tinham uma segunda habitação na Área Metropolitana de Lisboa, pelo que não têm direito ao acompanhamento e à procura de nova habitação por parte do município.
Na opinião da Amnistia Internacional, a situação dos realojamentos "tem sido abordada com pouca transparência junto dos moradores, visível numa comunicação pouco clara por parte da Câmara Municipal de Almada e na falta de soluções concretas e dignas para as famílias".
A organização considera confusa a gestão do processo, afetando sobretudo mulheres, crianças e idosos.
Pelos diversos testemunhos de moradores, a Amnistia Internacional afirma ter detetado um padrão de atuação por parte da CMA que exclui famílias do processo de realojamento e se escuda em questões burocráticas, erros processuais, entre outras razões, que não justificam o facto de não atender à situação de emergência humanitária existente no local, depois de a própria autarquia ter publicamente e em diversas ocasiões afirmado que haveria soluções adequadas.
"Após o dia 30 de setembro, aquela que foi estabelecida como a data limite para muitas famílias saírem das casas que habitam no bairro do 2.º Torrão, há moradores que permanecem sem ver as suas preocupações e especificidades do seu agregado familiar serem devidamente analisadas e tidas em conta no processo de realojamento temporário conduzido pela CMA", refere.
De acordo com os testemunhos de moradores, acrescenta, registam-se descoordenação, falta de empatia inclusive no momento de demolição das casas, inexistência de uma comunicação efetiva e transparente pelo município (distrito de Setúbal) e "pouco cuidado" na análise aos agregados e à sua situação específica.
"Pedir às pessoas que saiam das casas onde vivem é um processo complexo e não pode ser encarado como se de uma mudança sem importância se tratasse. Esta mudança impactará toda a vida destas famílias e é por essa razão que é urgente abordá-la com respeito, dignidade, clareza e transparência, para que estas famílias não se enraízem mais na situação de pobreza que já enfrentam e os seus desafios do dia-a-dia aumentem", destaca o diretor executivo da Amnistia Internacional -- Portugal, Pedro Neto, citado na nota.
Em 30 de setembro, a organização já tinha apelado para que fosse realizada uma avaliação individual de cada família, capaz de determinar se existiam questões intrínsecas ao agregado que merecessem ser consideradas para o realojamento, nomeadamente o aumento do agregado ou a sua situação legal.
Agora, o pedido é reiterado, "para que as fragilidades destas famílias não sejam exploradas, mas que sejam olhadas com empatia, humanidade e respeito".
A Amnistia acrescenta que a falta de sensibilidade para com as famílias é percecionada no relato do caso de duas mulheres -- uma mãe com problemas de mobilidade e uma filha com um problema oncológico e incapacidade de 73% - que não estão abrangidas pelo realojamento, mas moram numa casa que a CMA indicou ser necessário demolir.
De acordo com os seus testemunhos, a autarquia assegurou a estas duas mulheres que seguiriam para uma instituição, mencionando que o estabelecimento teria algumas regras, que não foram explicadas.
As mulheres afirmam que nunca lhes foi fornecida a documentação sobre a solução encontrada. Ainda assim, empacotaram os seus pertencentes para que fossem levados para o armazém da Câmara e foram conduzidas para o estabelecimento que lhes tinha sido proposto, uma instituição de reinserção social.
As regras, contaram, incluíam acordar às 07:30, só sair do estabelecimento a partir das 13:00 e voltar no máximo às 20:00, não levar comida para dentro da instituição -- as refeições eram todas fornecidas no local - e não dormir com o telemóvel, que deveria ser entregue até às 22:50.
Quando questionaram sobre a possibilidade de manterem a sua rotina, da qual faziam parte consultas médicas, as moradoras foram informadas de que, para estas deslocações, eram requeridos os respetivos comprovativos de presença. Decidiram regressar ao bairro, acabando por permanecer na casa e dormindo no chão.
Atualmente sem fogão, máquina de lavar, cobertores ou roupas, entre outros, continuam à espera de uma solução pela qual garantem que nem a CMA, nem a Segurança Social se encarregam.
"Os testemunhos que analisámos são consistentes quanto à pouca compreensão e sensibilidade que a CMA tem dispensado às famílias visadas. A súbita rapidez que impõem às pessoas para desimpedirem as casas onde habitam tem criado situações evitáveis de medo e ansiedade para os moradores" refere a Amnistia.
A organização pede que a autarquia " não se escude estritamente na lei e burocracia para não dar atenção devida às famílias que ficam em situação de enorme vulnerabilidade humanitária".
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