Anunciado para a Fábrica das Ideias da Gafanha da Nazaré, o espetáculo foi criado pelo músico e engenheiro eletrónico Paulo Bastos, que convenceu a Universidade de Aveiro a conceber "um programa específico para o primeiro mestrado em Música dedicado à performance do Cavaquinho Português" e, ao fim de dois anos de investigação, estará a ser avaliado em palco não apenas pela audiência típica de um concerto de entrada livre, mas também pelo júri da sua tese académica.
"Decidi dar o meu próprio contributo para a evolução do cavaquinho a nível académico e profissional, porque acredito no seu potencial como instrumento solista, em tudo o que isso implica de técnica artística e composicional", declarou Paulo Bastos à Lusa.
"Como sou engenheiro de Eletrónica e Telecomunicações, também criei um site para centralizar e divulgar toda a investigação que fui desenvolvendo, e, para este espetáculo final, concebi ainda um software que regista as reações do público ao longo do concerto e me permite adaptar a atuação em palco ao que a audiência pede no momento", revela.
No site cavaquinhoperformance.com estarão assim alojadas partituras com 70 anos, composições contemporâneas, vídeos de tradição etnográfica e entrevistas a virtuosos do cavaquinho urbano ou rural; no software Rocolo Audience Connection, ficarão registados os espectadores que queiram avaliar o concerto durante os seus 75 minutos de duração e disponibilizar ao músico informação pessoal sobre competências artísticas mais ou menos exigentes.
"Não há como evitar os telefones na plateia de um concerto, portanto mais vale aceitar isso e usá-lo a nosso favor, que foi o que eu fiz ao criar este software", admite Paulo Bastos. "O público chega à sala, entra no site, regista-se e, consoante a informação que deixar no formulário, posso convidar as crianças a baterem palmas numa determinada música, por exemplo, ou então pedir aos homens que façam estalidos com a boca ou dizer às mulheres que subam ao palco para dançar", explica.
No mesmo sentido, a plateia também poderá escolher entre registos mais alegres ou tristes, consoante as cores que decidir aplicar no desenho projetado no cenário, ao que o músico procurará corresponder "sobretudo no início e no fim do concerto", com recurso à sua capacidade de improviso e a uma "loop station" que garantirá maior diversidade de efeitos sonoros ao longo do espetáculo.
Quanto à escolha da designação "Raízes no Ar" para todo este projeto, também essa opção envolve investigação académica e alude a códigos de linguagem específicos: "É inspirada nos estudos da canadiana Suzanne Simard, que há 30 anos vem demonstrando que as árvores comunicam entre si pela raiz, a distâncias que podem ir até 100 metros, e de forma mais evidente quando há relações de parentalidade entre elas, se uma deu origem às sementes de onde nasceu a outra".
Ora, se a comunicação entre as árvores se faz pelo subsolo, a dos seres humanos cumpre-se através do cérebro e da cabeça, pelo que "Raízes no Ar" se adequa a uma manifestação artística "em que a linguagem utilizada é a música", idealizada na mente e cantada pela boca ou executada com as mãos, mas "sempre à superfície".
Paulo Bastos reconhece que interpretação musical, projeções multimédia, software informático, difusão telefónica e coreografia de audiências são demasiadas tarefas para um concerto só, com a agravante de se saber sujeito à avaliação do júri académico que classificará a sua tese de mestrado.
Ainda assim, mostra-se confiante e, após dois ensaios-gerais que o levaram a aumentar a capacidade do software para "evitar 'crashes' iniciais", motivados pela crescente participação do público, afirma: "A falhar alguma coisa, que seja a tecnologia. Essa ninguém estranha que nos deixe ficar mal".