Claudino Pereira assumiu o nome profissional de Dino d’Santiago, mas podia ter escolhido ser Dino do Algarve, do Porto, de Lisboa e até de ‘Mundu Nôbu’, que é como quem diz, de um mundo novo recheado de ritmos que vão do soul ao funk, passando pelo hip-hop e, mais recentemente, neste novo trabalho, pelos sons cabo-verdianos do funaná e do batuque.
É o próprio que assume que foram as viagens, todos os locais por onde passou, e Lisboa, onde vive atualmente, que moldaram este novo álbum, que será lançado esta sexta-feira, 19 de outubro.
O sorriso e a simplicidade pertencem a Dino d’Santiago. São os mais jovens que o músico, de 35 anos, quer inspirar com o ‘Mundu Nôvu’, porque acredita que são eles que vão construir a sociedade do futuro e mudar a forma como as mulheres, africanas e não só, vivem, muitas vezes assumindo "o papel de mãe, pai, avó e avô".
Ao Notícias ao Minuto, Dino d’Santiago falou do novo projeto, dos próximos concertos, de um novo trabalho, que já está a ser construído, e até da sua improvável amizade com Madonna, a quem tem mostrado os segredos mais bem guardados de Lisboa.
Como é que começou a sua carreira?
A minha carreira profissional, a nível musical, começou nos Expensive Soul, em 2003. Nessa altura, fui viver para o Porto e com eles permaneci durante 11 anos. Foi um arranque muito feliz porque o Virgul, que já na altura era meu amigo, apresentou-me a banda. Ouvi, escutei, senti muito, e na altura não havia nada que fosse tão fresco a nível de soul e de funk com que me identificasse tanto em Portugal. Até então, escutava mais trabalhos lá de fora. Devo muito ao Virgul ter tido a oportunidade de fazer parte deste projeto, porque foi a minha casa, ele pediu aos meus pais, levou-me para o Porto, apresentou-me pessoas que depois me deram abrigo. Os Expensive Soul foram a escola perfeita para uma pessoa que sai do Algarve [onde nasceu] com o sonho de vibrar dentro do universo da música soul e funk, que eram as minhas maiores influências na altura.
A Operação Triunfo foi uma escola incrível e muita gente começou a conhecer-me a partir daíMas, o público já o conhecia da Operação Triunfo. Como foi esta passagem por este programa de talentos?
A Operação Triunfo foi um ano antes de entrar para os Expensive Soul. Nessa altura, em 2002, participei nesse programa ainda como amador e isso foi determinante para começar a construir a minha carreira. Na altura, desenhava muito mais do que cantava, cantava mais nos coros de igreja, ou então nos refrões de temas de amigos meus, e conhecer a Maria João e a Paula Oliveira ajudou-me imenso. Elas diziam-nos ‘aproveitem tudo o que vos estamos a ensinar aqui dentro porque lá fora é muito diferente e vocês não vão ter a possibilidade de nos ter 24 horas para dar conselhos sem necessitarem de pagar’. Foi isso que fiz. A Operação Triunfo foi uma escola incrível e muita gente começou a conhecer-me a partir daí, cheguei a receber mensagens da Rússia, da Argentina, do Brasil, foi incrível mesmo.
E acha que essa ‘escola’ foi essencial para a música que faz hoje em dia?
Acho que não foi essencial para a música que faço hoje em dia, mas foi essencial para a abertura de mente que me deu porque, até à altura, só ouvia um género de música. Foi nessa altura que passei a conhecer melhor o fado, a conhecer melhor a música francesa, a própria música africana, a aprofundar mais e não ser só de Cabo Verde. A Operação Triunfo deu-me essa bagagem.
A editora soube que eu gostava de pintar e lançou-me o desafio de ser eu a ilustrar cada desenho do álbumE a pintura onde está neste momento?
Esteve parada durante muito tempo. Na altura da Operação Triunfo pintava muito, no ano a seguir também, mas depois parei porque recebia tantas fotografias de passe de colegas a quererem que eu os desenhasse que acabei por fazer uma pausa, porque senti que não conseguia chegar a todo o lado mas, felizmente, agora a editora soube que eu gostava de pintar e lançou-me o desafio de ser eu a ilustrar cada desenho do álbum. Por causa disso, voltei a ganhar aquele bichinho e os pedidos também voltaram, já tenho várias pessoas a pedirem-me: ‘Dino pinta-me isto, pinta-me aquilo’.
Capa do novo álbum de Dino d'Santiago © Dino d'Santiago
Então é um álbum todo seu, das ilustrações às letras...
A imagem, o conceito e a maioria das letras são meus, porque algumas foram construídas em parceria com o Kalaf [Epalanga] que é o produtor executivo do álbum, mas não considero o álbum todo meu. Este álbum não existiria neste formato se não tivesse a força do Kalaf e do Paul Seiji, aliás considero que este trabalho não existiria sem os três.
O funaná e o batuque são os dois géneros musicais que mais mexem com a minha essênciaJá vimos Dino d’Santiago navegar por tantos géneros musicais ao longo da sua carreira. Qual é o seu preferido? Consegue escolher um?
Hoje consigo dizer que o funaná e o batuque são os dois géneros musicais que mais mexem com a minha essência. Sinto que é com eles que mais vibro, muito também por serem os géneros para os quais estou mais habituado a escrever e sobre os quais mais aprofundei. Anteriormente tinha o soul e o reggae como grandes marcos da minha escola musical, unido ao hip-hop, mas sem dúvida que o batuque e o funaná são os ritmos que estão a mexer mais comigo neste momento.
E são esses os ritmos que nos traz este novo álbum, ‘Mundu Nôbu’?
Este disco nasceu de uma forma muito orgânica, a história dele nasce de uma forma acústica, com guitarra, percussão e voz e só depois, sob o olhar futurista do Kalaf. Quando lhe entreguei este embrião, ele juntou-se ao britânico Paul Seiji e, numa fase posterior, ao nova iorquino Rusty Santos, para lhe darem uma roupagem mais contemporânea, mas sem nunca alterar a génese do batuque e do funaná. Queria mesmo resgatar estes ritmos porque foram géneros muito censurados pela colonização durante centenas de anos e que, apenas nas décadas de 60/70 e mais afirmativamente em 80, se tornaram na música tradicional de Cabo Verde.
Contudo, foi com estes ritmos que cresci, porque os meus pais são da Ilha de Santiago e quis que essa fosse a minha bandeira. Quis pegar nesses ritmos e dar essa roupagem mais contemporânea para também tentar inspirar as novas gerações. O hip-hop é algo que em Cabo Verde se ouve muito, assim como em toda a Lusofonia, o que é bom porque faz com que as novas gerações escrevam na língua mãe, no entanto, há sempre uma influência norte-americana por trás e eu quis pegar nos ritmos que marcam a nossa cultura e dar essa roupagem nova para mostrar que é possível fazê-lo com ritmos cabo-verdianos.
Com este trabalho quero sentir que, sempre que pegar no microfone, transmito uma mensagem de elevaçãoE onde é que foi buscar inspiração?
Sem dúvida nas viagens. Com o meu álbum anterior [Eva] viajei bastante. Desde a Coreia do Sul, Nova Iorque, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe... e dessas viagens foram nascendo as histórias, as narrativas para as histórias onde a mulher tem um papel determinante. A mulher africana e não só, porque me apercebi com as viagens que não é só em África que as mulheres fizeram muitas vezes o papel de mãe, pai, avô, avó e tinham cinco, seis e sete filhos para criar, de pais diferentes. Era essa mulher que tinha de erguer esses novos filhos dessas nações perdidas e eu considero-me um desses filhos, apesar de ter nascido numa família muito bem estruturada.
Contudo, no seio da minha família mais alargada conheço vários desses casos e quis homenagear essas mulheres. Além disso, através deste álbum quis também fazer apelo ao futuro e, por isso, não é por acaso que a capa deste novo trabalho tem crianças. Elas são para mim o futuro do amanhã, devem ser o maior foco para transmitir lições e a quem as mensagens realmente devem chegar. Com este trabalho quero sentir que, sempre que pegar no microfone, transmito uma mensagem de elevação.
Sinto-me uma das pessoas que mais usufrui dessa Lisboa que temos, essa Lisboa eclética, essa Lisboa que tem sons únicos
Acha que estamos a assistir a um novo movimento musical em Lisboa? Sente-se um dos embaixadores desse movimento?
Talvez não me sinta embaixador mas sinto-me uma das pessoas que mais usufrui dessa Lisboa que temos, essa Lisboa eclética, essa Lisboa que tem sons únicos, pessoas únicas. Com a variedade de culturas que dela emergem, se estivermos atentos, conseguimos fazer algo único, fazendo com que o olhar de fora venha cá para dentro com um brilho que nós temos de ser os primeiros a ter.
Voltando ao ‘Mundu Nôbu’, qual é a sua música preferida deste trabalho?
Hoje de manhã por acaso acordei e tinha várias mensagens sobre as minhas músicas, porque estiveram disponíveis durante 24 horas [um dia antes do lançamento] e uns diziam-me a ‘Mundo Nobû’ é a minha favorita, outros que era a ‘Raboita Sta Catarina’ e outros ainda a ‘Sô Bô’. E aí eu comecei a pensar qual seria a minha preferida. Normalmente, quando termino um disco fico sempre saturado e não o quero ouvir durante algum tempo, contudo, com este disco foi diferente. Desde a criação ao nascimento, tudo neste álbum teve um processo muito diferente. Foi um processo de junção de ideias, de junção de feelings ... e estou a adorar. Mas se tiver de eleger uma música, até agora, um som que tem mexido muito comigo é o da música ‘Como Seria’. Tem mexido muito comigo e é um som que eu estou a sentir.
Por alguma razão em especial?
Não tem a ver com nenhuma razão especial. Contagia-me sem que eu pense e acho que é um som que vai tocar muito as pessoas.
A Madonna ajuda-me mas é mais a nível pessoal, não acredito que é por ela gostar das minhas músicas, que as pessoas vão gostar mais ou menosNão podia deixar de fazer esta pergunta. Qual é a música preferida da Madonna? A rainha do Pop teve alguma influência no seu trabalho?
É uma pessoa que acompanhou, felizmente, o processo de disco e deu conselhos sábios na hora certa, mas ela tem o mesmo grau de importância para mim que outras pessoas. Aliás, há várias outras pessoas que tiveram um grau muito superior de importância no processo desde disco, mas claro que é bom ter reconhecimento de uma pessoa que tem a escola dela e que olha e aprecia o meu trabalho. A Madonna ajuda-me mas é mais a nível pessoal, não acredito que é por ela gostar das minhas músicas, que as pessoas vão gostar mais ou menos, mas a nível pessoal claro que me fez bem. Ela deu-me feedback e eu sei que o meu mundo inspirou o mundo dela.
E ela já pediu ajuda ao Dino para um novo álbum?
Essa já é aquela parte mesmo que tem de ficar no sigilo [gargalhadas]. Mas acho que ela vai poder revelar isso. Vai ser mais bonito que seja ela a revelar.
Como é que começou esta amizade?
Foi através da música. Felizmente ouviu-me a cantar um tema de Cesária Évora e quis saber mais sobre mim. Portanto, acredito mesmo que foi a Cesária Évora que nos uniu e agradeço muito a Cabo Verde por esse encontro.
Fez alguma diferença, a nível profissional, conhecer Madonna? Abriu-lhe portas?
Sinto que muita gente ficou a conhecer-me desde que a conheci porque ela chega a muita gente mesmo. Além disso, ela homenageou-me no seu aniversário e tornou a minha banda sonora ‘Nova Lisboa’ a banda sonora da sua vida. Acho que mais ela não poderia fazer porque o tema chegou a tanta gente e eu recebi mensagens de tantas pessoas que nem queria acreditar. Senti essa repercussão nas minha plataformas digitais, quer no Spotify, quer no iTunes ou mesmo no Youtube. A ‘Nova Lisboa’ chegou a muita gente e sei que foi graças a esse carinho com que ela abraçou a minha música.
Depois do lançamento, chegam os concertos. Quando é que apresenta ‘Mundu Nôbu’ ao vivo?
Vou apresentá-lo no dia 27 de outubro, no Porto, no Enchufada na Zona, no Hard Club, e depois dia 23 de novembro, no Super Bock em Stock, em Lisboa, já num formato só meu. Estou mesmo ansioso [esboça um sorriso].
Quero mesmo que as pessoas namorem o ‘Mundo Nôbu’ o máximo que puderem para então depois poder iniciar outra viagemE já pensa num novo trabalho?
Conforme fui compondo este fui pensando no próximo. O ‘Como Seria’ foi o último tema que escrevi e, para mim, isso vai ditar o que virá a ser o próximo disco. Mas primeiro, o que eu quero mesmo é que as pessoas namorem o ‘Mundo Nôbu’ o máximo que puderem para então depois poder iniciar outra viagem.
Dentro dos seus ritmos?
Cabo Verde tem 30 ritmos, ou mais, diferentes. São 10 ilhas diferentes e eu quero mergulhar nesses ritmos e chegar também a Portugal. Aproveitar os ritmos que Portugal tem e dar esta nova roupagem e assumir isso como a minha missão na música. Pegar nos nossos ritmos, pegar nesta herança que temos de vários países que, apesar de falarem a mesma língua, têm ritmos completamente diferentes e poder transformar isso em música e na minha história.