Novos contos biográficos de Lucia Berlin. "O que conta é a história"

Um novo livro de Lucia Berlin, escritora norte-americana que nunca se afirmou literariamente em vida, trazendo contos inéditos de inspiração biográfica, foi recentemente editado em Portugal, sucedendo aos publicados em 2015 e que se tornaram um fenómeno mundial.

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Lusa
19/12/2018 14:08 ‧ 19/12/2018 por Lusa

Cultura

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'Anoitecer no Paraíso' é uma coletânea de contos que correm sobre o fio biográfico da autora - desde a infância à idade adulta, atravessando o continente americano -, organizada em colaboração com um dos seus quatro filhos, Mark Berlin, que morreu em 2005, apenas um ano depois da morte da mãe.

"A mãe escrevia histórias verdadeiras; não necessariamente autobiográficas, mas bastante perto disso. As histórias e memórias da nossa família têm sido lentamente moldadas, embelezadas e editadas ao ponto de eu já não ter a certeza do que aconteceu realmente o tempo todo. A Lucia dizia que isso não interessava: a história é que conta", descreve, no prefácio.

Estes 22 novos contos voltam a abordar os temas que celebrizaram a autora: as mulheres estão no centro das histórias, os cenários vão do Texas ao Chile, do México a Nova Iorque, revelando a itinerância da própria autora e as histórias estão carregadas da beleza e da dor da rotina e da vida.

"Ainda jovem mãe, a Lucia empurrava o nosso carrinho pelas ruas de Nova Iorque: para nos levar a museus ou a conhecer outros escritores, para ver uma tipografia em ação ou pintores a trabalhar, para ouvir jazz. E depois, de repente, estávamos em Acapulco, e a seguir em Albuquerque. Primeiras paragens numa vida de uma média de nove meses em qualquer morada. E no entanto, o lar era sempre ela", conta Mark Berlin.

Nascida em 1936, a autora morreu em 2004 sem nunca ter conhecido o sucesso, foi casada três vezes - com um escultor e dois músicos de jazz, o último dos quais, de quem herdou o apelido Berlin, era toxicodependente - e teve quatro filhos antes dos 30 anos.

A sua vida ficou ainda marcada pela pobreza, pelo álcool e pela maternidade solitária, já que os pais eram ausentes, o que a obrigou a exercer vários trabalhos para os sustentar, enquanto lutava com um problema de alcoolismo: foi professora do ensino secundário, mulher de limpeza, operadora telefónica e assistente de consultório.

"Muito tem sido dito sobre o seu alcoolismo, e a Lucia teve de lutar contra a vergonha que ele lhe trouxe, mas no fim acabou por viver quase vinte anos sóbria", recorda o filho, acrescentando depois: "de vez em quando, a minha mãe perguntava-se porque não vinha ninguém levar-lhe os filhos, quando as coisas estavam mesmo más para ela".

"Não sei, saímo-nos bem. Todos teríamos definhado nos subúrbios; éramos o Bando Berlin", acrescenta Mark, que apesar de todas estas atribulações lembra a "querida voz límpida, cornucópias de incenso, farripas de pôr-do-sol", da mãe, a ler para ele e para o irmão Jeff, como a sua primeira memória.

Na opinião de Mark Berlin, a Lucia "era uma rebelde e uma artesã notável, e como dançou, nos seus tempos".

Aliás, "a família inteira aprendeu a dançar em praias, em museus, em restaurantes e clubes, como se fossemos donos desses lugares, ao longo de reabilitações e cadeias e cerimónias de entrega de prémios, com drogados, chulos, príncipes e inocentes".

São estas as realidades que Lucia Berlin retrata nos seus contos, escritos num estilo direto e seco, que traduz muito da vida sombria da autora, mas simultaneamente poético, sobretudo nas descrições dos tempos de vida mais glamorosos -- como a adolescência no Chile -, da natureza ou da arte, bem expressas, por exemplo, no conto "Andado, um romance gótico".

Em contraposição, no conto que se lhe segue, 'Do pó ao pó', Lucia Berlin é a adolescente que assiste à morte de um motociclista amigo e revela como o facto não a afetou dramaticamente, descrevendo como observava a comoção dos outros e constatava que as pessoas não falam de assuntos "como o facto de os funerais serem divertidos".

A editora do livro em Portugal, a Alfaguara, afirma que Lucia Berlin escreve com "desarmante honestidade", "irresistível magnetismo", "subtil, mas inquietante melancolia" e "vislumbra beleza nos lugares mais sombrios e pressente escuridão quando tudo parece ser cristalino".

A Alfaguara foi também responsável pela publicação de 'Manual para mulheres de limpeza', em 2015 - obra que valeu à autora rasgados elogios da critica a nível mundial, que a comparou a escritores como Raymond Carver, Alice Munro ou Tchékhov, considerando-a "uma força literária única e avassaladora" e "um enorme talento".

Mark Berlim resume deste modo a vida da mãe: "O ponto é: se eu a contasse, mesmo da minha perspetiva (objetiva ou não), a história da Lucia seria proclamada como realismo mágico. Nunca ninguém acreditaria".

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