"Portugal é mais importante no livro do que se pensa. Porque tenho muitas fontes que vivem no Vaticano que são portugueses" disse Frédéric Martel em entrevista à agência Lusa, explicando, contudo, que não revela as suas identidades para sua proteção.
Lançado mundialmente a 21 de fevereiro, o livro foi escrito depois de quatro anos de investigação no Vaticano e em 30 países, incluindo Portugal, e da inquirição de 1.500 testemunhas, entre as quais 41 cardeais, 52 bispos e monsenhores, 45 núncios apostólicos e embaixadores estrangeiros e mais de duzentos padres e seminaristas.
Em Portugal, explica, teve muitos informadores e por isso deslocou-se a Lisboa e ao Porto duas vezes, assim como alguns que vivem no Vaticano, e agora, com a obra completa, assegura que foram fundamentais para a investigação.
"Quero agradecer embora não os possa citar, mas foram muito úteis", disse Frédéric Martel referindo-se às suas fontes portuguesas.
O sociólogo, escritor e jornalista afirma ainda ter ficado surpreendido com a forma serena dos padres "gay" portugueses, explicando que os clérigos (incluindo os homossexuais) são, na generalidade, muito homofóbicos, mas que esse não é caso dos portugueses.
"Não são obcecados com a questão. Vivem a sua vida. Na verdade, são também uma vítima de um sistema que não conseguem mudar embora procurem uma solução. Ajudaram-me", disse, adiantando que lhe forneceram dezenas de contactos.
Na publicação "No armário do Vaticano", Frédéric Martel diz que o Vaticano tem uma das comunidades homossexuais mais elevadas do mundo e que a lógica do segredo da Igreja quanto a esta questão é visível em todos os países que visitou.
"Vi a mesma lógica, a mesma sociologia em todo o lado: Brasil, Chile, Argentina, Alemanha, Espanha e Portugal. É todo um sistema do segredo", frisou, observando que o livro pretende apenas falar da verdade.
Assumindo-se como homossexual e explicando que por isso mesmo conseguiu perceber alguns códigos, Frédéric Martel defende que o problema não é a homossexualidade, mas sim a hipocrisia, a esquizofrenia, a vida dupla que o livro desvenda.
"Todo o sistema é perverso, todo o sistema é uma grande mentira e nós precisamos de falar a verdade", sustentou, explicando que não pretendeu escrever sobre escândalos nem o seu livro é um ataque à Igreja ou aos padres, pelo contrário.
Na verdade, prosseguiu, a pesquisa agora publicada pretende mostrar uma realidade que todos sabiam que existia, mas da qual não tinham a prova.
O bispo português Carlos Azevedo foi um dos contactos que teve durante a sua investigação.
Considerado o homem chave do papa Bento XVI em Portugal, Carlos Azevedo era o bispo auxiliar de Lisboa e vice-reitor da Universidade Católica, uma figura em ascensão que o papa pretendia nomear patriarca de Lisboa, o que nunca aconteceu, afirma, por causa da sua homossexualidade.
O papa emérito escolheu um "closeted" (alguém que esconde a homossexualidade), escreve Frédéric Martel, e que acabou por ver a sua carreira comprometida exatamente por rumores sobre a homossexualidade, tendo este sido abandonado por todos os seus amigos portugueses, repudiado pelo núncio e abandonado à sua sorte pelo cardeal José Policarpo, "porque apoiá-lo seria correr o risco de ser, por sua vez, apontado a dedo".
"Foi punido. Devia ter sido cardeal e patriarca de Lisboa e foi marginalizado e isso é injusto e se existe justiça no mundo ele deveria ser cardeal", declarou.
Sobre o papa Francisco, Frédéric Martel, considera que é um homem corajoso que está "no meio de uma guerrilha".
"Se compararmos com João Paulo II e Bento XVI, o papa Francisco é corajoso e está a ser atacado por cardeais que são homofóbicos. Está no meio de uma cabala e é importante explicar o que se passa e proteger este papa que está no meio de uma guerrilha com cardeais que o atacam e isso é tão injusto", defendeu.
O livro "No Armário do Vaticano", editado em Portugal pela Sextante editora, é já o número um de vendas em França e um 'best-seller' em Itália, Bélgica, Suíça, Holanda e Estados Unidos. Em 700 páginas descreve com detalhe um segredo que o autor considera ser um dos maiores dos últimos 50 anos.