"Quando amanhã soem as trompas para o combate, os cobardes estarão ao seu resguardo, encolhidos nas suas naus e os valentes terei comigo", escreveu Fernão Magalhães (1480-1521) a bordo da nau Trinidad no dia 26 de abril de 1521, nas Filipinas, um dia antes de morrer, segundo o historiador espanhol José Manuel Nuñez de la Fuente.
No livro, 'Diário de Magalhães' o historiador indica que decidiu publicar os "papéis manuscritos" após um "meticuloso" trabalho de restauro sem revelar a fonte dos "documentos".
"Deste modo, amigo leitor, pode pensar livremente o que lhe aprouver, que se encontra perante o autêntico legado de Magalhães ou que simplesmente segura nas mãos uma engenhosa aventura literária sobre a maior gesta da História, mais ou menos acertada, surgida da imaginação transbordante de um devoto magalhânico inveterado" (página 95), escreve o historiador no livro 'Diário de Magalhães'.
O autor socorre-se do mesmo "mecanismo literário" que Miguel de Cervantes (1547-1616) utilizou para contar as "engenhosas" aventuras de D. Quixote de La Mancha utilizando os escritos do mourisco Cide Hamete Benengueli sobre o "cavaleiro da triste figura" encontrados em Toledo.
"Eu como autor resguardo-me, humildemente, sobre a palavra de honra de um 'segredo sagrado' para ter essa cumplicidade com o leitor e que seja o leitor a apurar o que é mais conveniente", disse à Lusa o historiador espanhol.
Nuñes de la Fuente recorda que a crónica central da primeira volta da autoria do italiano (Vicenza) António Pigaffeta mas "faltava o 'Santo Graal'" da missão que "não podia ser mais do que o diário do principal protagonista": Fernão Magalhães.
O historiador sublinha que "joga com a realidade" até porque Magalhães já era uma pessoa versada, que já tinha escrito um livro e tinha obrigação, como qualquer capitão de escrever, não apenas sobre a rota, mas sobretudo o diário de bordo que, refere, era uma tarefa obrigatória.
"Não há dúvidas, o diário existiu, mas o que aconteceu ao documento é a grande incógnita. Qualquer pessoa que ler este livro poderá contactar com um relato na primeira pessoa sobre o que lhe aconteceu e, sobretudo, o que ocorreu durante a viagem às Molucas até ao dia da sua morte na batalha que ele não previu e que iria ter consequências drásticas", acrescenta o historiador que investiga Fernão de Magalhães há mais de 30 anos.
"Depois da morte de Magalhães terão ocorrido muitas coisas a esse diário: pode ter ficado em poder de António Pigaffeta (1480-1534) ou do mais fiel tenente Gómez de Espinosa (1479-1530) ou poderá ter, inclusivamente, ficado nas mãos de Sebastián ElCano (1476-1525) que até o poderá ter destruído porque conhecemos os enfrentamentos que ocorreram na expedição. Também poderá ter ficado em mãos dos portugueses", equaciona o historiador.
O engenhoso 'diário' é apenas um dos aspetos da obra que vai ser publicada em português sendo que o livro de História inclui investigação sobre o destino da Armada após a morte de Magalhães, as listas detalhadas dos sobreviventes e o enquadramento político do final do século XV, princípio do século XVI, na Península Ibéria.
José Manuel Nuñes de la Fuente, antropólogo e historiador da Universidade de Sevilha, é o fundador e secretário-geral da Rede Mundial das Cidades Magalhânicas e coordenador da candidatura do bem transfronteiriço 'Rota de Magalhães-ElCano' a Património Mundial da Unesco.
O livro 'Diário de Fernão de Magalhães - O homem que tudo viu e andou' (Temas e Debates/Círculo de Leitores) inclui fotografias, reprodução de mapas e um glossário de terminologia náutica e vai ser apresentado pelo autor no Grémio Literário, Lisboa, na quinta-feira.
Este ano assinala-se o V centenário da viagem de circum-navegação capitaneada por Fernão Magalhães.