Colonialismo na língua portuguesa ainda é "muito romantizado"

A investigadora e escritora Grada Kilomba, que participou hoje no Festival Internacional de Literatura de Berlim (ilb), sublinhou que o colonialismo na língua portuguesa ainda é "muito romantizado", sendo um período da história "glorificado constantemente".

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Lusa
14/09/2019 20:22 ‧ 14/09/2019 por Lusa

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"Falamos de colonialismo, mas ainda não nos apercebemos, pelo menos na língua portuguesa, do que é que esta palavra quer dizer de facto. O colonialismo ainda é muito romantizado. Olhamos para a história colonial quase como um intercâmbio intercultural", destacou.

No painel 'Decolonizing Genealogies' (Descolonizando Genealogias), a artista, que apresentou a sua primeira obra (Plantation Memories. Episodes of Everyday Racism) precisamente durante o ilb, fez uma introdução na qual explicou o significado da palavra "descolonização".

"Tem a ver com reestruturar, reinventar, com desmantelar aquilo que nós conhecemos, as estruturas, o vocabulário, a linguagem e entrar num espaço, quase como um laboratório, em que nós nos atrevemos a experimentar novas estruturas e novas palavras. (...) Criar algo que muitas vezes a audiência não conhece e fica confusa, não sabe onde colocar. Isso acontece quando estamos num ato de descolonização", exemplificou.

"Descolonizar é precisamente um processo de inquietação", continuou, por seu lado, o escritor angolano Eduardo Agualusa.

"Isso aconteceu em Angola, o processo de independência foi sobretudo uma destabilização interna, em que essas famílias urbanas tiveram de repensar o seu lugar no país. (...) Foi até um confronto cultural entre línguas, onde, no final, a língua portuguesa triunfou. Isso explica porque é que a língua cresceu tanto", referiu o autor.

"Há um processo na língua portuguesa pelo qual ainda não passamos, mas que na Alemanha já aconteceu (...) Negação, culpa, vergonha, reconhecimento e a reparação. É um processo de consciencialização da história. Dentro deste mundo lusófono ainda nos movimentamos na glorificação e na negação da história. Olhamos para a nossa história com orgulho (...) Embora a Alemanha tenha uma história horrenda, lida com a sua história entre a culpa e a vergonha", frisou Grada Kilomba, alertando para a necessidade de "desmontar" a palavra "colonialismo".

Por outro lado, o escritor Luiz Ruffato ressaltou que o Brasil tem "uma série de questões que não foram resolvidas" porque falta uma "reflexão sobre o passado" histórico do país.

"O Brasil não lida com o seu passado, mesmo quando os partidos de esquerda estiveram no poder. Essa questão de enfrentamento com o seu passado violentíssimo, de genocídio, de escravatura (...) Temos uma tendência muito grande de apagamento. Até mesmo nas relações pessoais. Temos um medo imenso de olhar para trás e ver o que somos. Isso faz com que sejamos ainda um país e não uma nação", destacou o autor brasileiro, que antes de qualquer intervenção no ilb, mostra uma bandeira vermelha com a frase 'Lula Livre'.

O ex-Presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva está a cumprir uma pena de prisão por corrupção.

"O que mais me incomoda no Brasil e me deixa frustrado, como cidadão e pessoa com muito orgulho em ser brasileiro, é pensar que não conseguimos conversar uns com os outros, olhar nos olhos uns dos outros. E não o conseguimos fazer porque não sabemos enfrentar o passado", lamentou.

O painel 'Decolonizing Genealogies' decorreu no novo edifício James-Simon-Galerie que recebe parte das conferências da 19.ª edição do Festival Internacional de Literatura de Berlim que termina em 21 de setembro.

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