"Se calhar, se eu não tivesse sido cantor não teríamos mais nada"

Aos 23 anos, Deejay Telio, nome artístico de Telio Vitor Paz Monteiro, é dono de uma carreira repleta de grandes 'hits'. 'Não Atendo', 'Esfrega Esfrega', 'Happy Day' ou 'After Party' foram alguns dos temas com os quais alcançou milhões de visualizações no YouTube e que o ajudaram 'saltar' de uma vida marcada pelas dificuldades para o palco do Coliseu dos Recreios.

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© Reprodução Facebook

Catarina Carvalho Ferreira
10/01/2020 13:30 ‧ 10/01/2020 por Catarina Carvalho Ferreira

Cultura

Deejay Telio

Nasceu em Angola e veio para Portugal ainda muito novo. Cresceu no Vale da Amoreira, no Barreiro. Foi no bairro social que criou as suas raízes e que encontrou a força e inspiração que deram asas ao desejo de ser artista. As dificuldades económicas impediram a família de acreditar no sonho, mas nunca o fizeram desistir.

Batizou o seu próprio estilo musical, a Karanganhada, e passou a dar cartas como cantor, produtor e compositor.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Deejay Telio apresenta-se aos fãs como o artista que conseguiu milhões de visualizações no YouTube, como o homem que nunca esqueceu os amigos do bairro social onde cresceu e como o filho que faz de tudo para ajudar a mãe a ter uma vida melhor.

Como é que começa o teu gosto pela música?

Cresci nisto, o meu pai era DJ. Mas o gosto mesmo pela música e pela produção começa em 2007.

E quando é que decidiste que era mesmo isto que querias fazer?

Foi em 2015, quando a música 'Que Safoda' saiu. Aí é que decidi mesmo que queria fazer disto vida.

Nasci em Angola, mas quando vim para Portugal cresci e sou do Vale da Amoreira, aqui no Barreiro Nas tuas músicas é mais importante a batida ou a letra?

Têm a mesma importância. Sou perfecionista, mas não sou detalhista. As minhas batidas têm de ter sempre espaço para a voz e a voz tem de ter sempre espaço para a batida. As duas têm de se destacar.

Como é que defines o estilo de música que cantas?

De um modo geral, as pessoas definem como Afrobeat, Afro House, mas eu não defino por aí. Defino como Karanganhada. Nasci em Angola, mas quando vim para Portugal cresci e sou do Vale da Amoreira, aqui no Barreiro. No bairro social nós temos o prazer de crescer com várias culturas diferentes: cabo-verdianas, angolanas, moçambicanas, são-tomenses, portuguesas. Karanganha nem é uma palavra angolana, é uma palavra do crioulo de Cabo Verde. Quer dizer curtição, festa… eu sempre gostei dessa palavra e foi assim que quis intitular o meu estilo musical.

A festa está, de facto, sempre muito presente nas tuas músicas. O Telio é mesmo adepto de festa ou aquilo que cantas não é exatamente aquilo que te define?

Já fui mais [risos]. É como tudo, quando é surpresa nós vivemos muito aquilo, mas depois cresces. Já não sou assim tão de festas como antigamente.

Tenho a preocupação de não meter nas minhas letras uma linguagem muito ofensiva. Digo tudo o que eu quero, mas com respeito  Qual a mensagem que gostavas de passar com as suas letras?

Quero passar que há um mundo lá fora diferente daquele que tu vives em casa. Quando sais para a rua, não leves os problemas que tens em casa. A má vibe, a negatividade, é contagiante e estás a contagiar pessoas que gostam de ti sem perceberes. Estou a dizer isto e, às vezes, também sou assim, mas esta é a mensagem que eu quero passar: Todos temos problemas, mas curte, vive.

Tendo em conta que o teu público é muito jovem, existe uma preocupação nas suas letras no que diz respeito à linguagem utilizada?

Sim, tenho essa preocupação. Tenho a preocupação de não meter nas minhas letras uma linguagem muito ofensiva, digamos assim, mas também não me limito a não dizer praticamente nada. Eu digo tudo o que eu quero, mas com respeito. Há que respeitar toda a gente. Eu faço a minha música a pensar em mim e um pouco em cada uma das pessoas que me vai ouvir.

Eu sou grato ao YouTube. Se hoje em dia temos um ganha pão sempre é por causa desta plataforma Há alguns anos era muito difícil vermos estilos de música como o que cantas passarem nas rádios portuguesas. A Kizomba e o Afrobeat começaram a crescer muito recentemente, o que achas que mudou para que isso acontecesse?

Foi a liberdade de expressão, falar sem medo. Foi também a persistência, estivemos muito tempo a bater na mesma tecla e é assim que as pessoas ouvem. Se fizermos apenas aquilo que aparentemente as pessoas querem ouvir não funciona. 

Na tua opinião, como é que se deu a afirmação destes estilos musicais?

Houve uma ajuda muito grande que foi o YouTube. Essa facilidade veio ajudar-nos muito, não só a Kizomba e o Afrobeat, também o Rap. Há rappers que devem estar gratos ao ao YouTube. Eu sou grato ao YouTube. Se hoje em dia temos um ganha pão sempre é por causa desta plataforma.

E nas rádios, já existe essa abertura para estilos como a Karanganhada?

Sim, claro. Se a rádio não passava não podíamos levar a mal, a rádio passa a música que o pessoal quer ouvir. Hoje em dia as rádios também se baseiam nos números do YouTube, basta ver o ranking das músicas mais tocadas. É o que eu digo sempre, o YouTube é a nossa salvação e se acabar nós estamos todos lixados [risos].

Quando falamos de outros artistas, intérpretes mais clássicos, existe preconceito em relação ao surgimento destes novos estilos?

Esse preconceito já foi. Já nenhum artista pensa dessa forma. 

Já trabalhaste com vários artistas e todos eles muito diferentes, Blaya, David Carreira... Identificas-te com todos os cantores com quem já trabalhaste?

Sim, consigo identificar-me. Se não conseguisse, não aceitaria trabalhar com eles. Sou aquela pessoa que se não sentir o projeto que está a mostrar, não dá um passo em frente. Acho que a honestidade nesse aspeto é muito importante, se não, estás a prejudicar-te a ti e também o sonho da outra pessoa por estares a fazer sem vontade. 

Qual é a grande parceria que ainda não fizeste e que gostavas de concretizar?

Há três parcerias que gostava de fazer e eu sou muito amigo desses artistas, estamos muitas vezes juntos e sempre na boa vibe. No dia em que for para sair, vai sair. São os Wet Bed Gang, Plutónio e Richie Campbell.

Não sou daqueles que têm peso na consciência de sair do bairro e nunca mais ligar a ninguém de lá O facto de teres nascido em Angola e de depois teres vindo para Portugal, são aspetos da tua história que estão refletidos nas tuas músicas?

É como digo sempre, se ainda vivesse em Angola poderia nem ser cantor, poderia nem ser produtor. Acho que tudo está relacionado, se eu mudasse um segundo do meu passado, um dia do meu passado, não estaria aqui hoje. Tudo o que aconteceu fez parte.

Já nos disseste que cresceu no bairro social, o Vale da Amoreira e os amigos que lá fizeste continuam a fazer parte da tua vida?

Se me afastasse do bairro social, até eu ficaria triste comigo. Isso não se faz. Os jogadores e cantores que saem do bairro social saem do nada, da dificuldade, e quando crescem esquecem-se de onde vieram, esquecem-se dos amigos que têm ali. No verão há sempre festa no bairro social, no meu bairro, e eu estou sempre lá.

É nessa convivência que fizeste questão de manter que procuras inspiração para as suas músicas?

Também, e ajuda mentalmente. Não sou daqueles que têm peso na consciência de sair do bairro e nunca mais ligar a ninguém de lá. Não sou assim. Nós saímos do bairro mas o bairro não saiu de nós, estamos sempre lá.

Não tenho nada contra e até gosto de ouvir músicas desse género, mas eu não gostava de as cantar. Para mim é vender a história Na época em que ainda vivias no bairro e não eras um cantor famoso, alguma vez te passou pela cabeça que ias ter músicas no YouTube, como as muitas que tens, com milhões de visualizações?

Não, não me passou isso pela cabeça. Passou-me pela cabeça que um dia iriam reconhecer-me, mas não dessa forma. Nunca tive noção de como poderia acontecer ou se ia mesmo acontecer. Nós subimos degrau a degrau, não subimos de elevador. De elevador, tu vais do zero para o terceiro andar e não sabes o que se passou no primeiro e no segundo andar, nós passámos por cada um dos degraus, por cada uma das barreiras, por cada uma das dificuldades. Só tenho mesmo a agradecer.

Numa das tuas músicas mais recentes, 'Um Lugar Melhor', falas precisamente sobre isso. É uma música dedicada à tua mãe e é a primeira música em que falas mais sobre aquela que foi a tua realidade.

É verdade, é a primeira musica em que me abri mais. Costumo dizer que não vendo a minha história, ou neste caso: não vendia [risos]. Sou daquelas pessoas que gostam de viver na sombra. Neste momento estou a falar contigo na sala, mas há pessoas que neste momento estariam a fazer snaps para mostrar a sala, a mostrar o que estão a fazer, pessoas que cantam sobre o que fizeram com o amigo X. Não tenho nada contra e até gosto de ouvir músicas desse género, mas eu não gostava de as cantar. Para mim é vender a história. Gosto mais de cantar só curtição e festa, sem ninguém saber da minha vida. Aquela música foi do nada. Estava a gravar no estúdio cá de casa, fiz um vídeo com o 'beat', meti no Instagram e as pessoas começaram a dizer-me para gravar a música. Dois dias depois saiu.

Quando cheguei àquela idade em que ainda estava na escola mas já podia trabalhar, fui avisado de que mais um aninho e tinha de ir trabalhar para ajudarEsta música tem um significado especial?

Sim, tem um significado muito grande. Acontece a muitos filhos, e eu não quero julgar ninguém, que conseguem uma vida melhor, compram as suas casas e quando vamos a ver os pais ainda estão no bairro social. Preferes estar a dar uma mesada à tua mãe e não és capaz de lhe dar uma casa boa num lugar melhor? É isso que eu me pergunto. Não vivas só para ti, vive para os teus também.

Foi por pensares nos teus que quiseste dar à tua mãe um lugar melhor, neste caso uma casa?

Sim, porque eu vim de Angola em 2002 e a minha mãe, coitada, com 50 e tal anos nunca teve possibilidade de ter uma casa própria. Se calhar, se eu não tivesse sido cantor não teríamos mais nada.

A tua mãe sempre acreditou que ias conseguir realizar o teu sonho e ser um artista de sucesso?

Não, mas isso tem uma explicação muito básica. Se sais de África com dificuldades e vens para Portugal em busca de uma vida melhor mas chegas cá e continuas a passar dificuldades e a viver de ajudas, tu só queres que os teus filhos estudem e arranjem um trabalho. Sonhos? Estás a perder tempo a sonhar sabendo que podes estar a trabalhar para ajudar em casa? Não há cá tempo para sonhos. Eu em casa depois das 22 horas tinha de tirar a música porque a minha mãe tinha de dormir para ir trabalhar e ela dizia-me: Telio, desliga isso e dorme porque amanhã vais para a escola. Quando cheguei àquela idade em que ainda estava na escola mas já podia trabalhar, fui avisado de que mais um aninho e tinha de ir trabalhar para ajudar. Não há tempo para sonhar quando a vida está muito difícil. É normal que eles não acreditem nos sonhos. 

E agora, a tua mãe já é uma das tuas maiores fãs?

Hoje é a minha maior fã, sim senhor. O que ela mais faz agora é acreditar em cada sonho que eu lhe venda. É a primeira a dar todo o tipo de conselhos, todo o tipo de apoio para seguir em frente. É diferente, porque ela viu que o principal sonho deu certo, realizou-se. Ela já não acredita nos sonhos dela, mas acredita nos meus. Só para verem a importância de uma mãe nesta nossa vida.

Depois de tanto sacrifício saltas diretamente para o Coliseu dos Recreios.

Graças a Deus, depois de quase cinco anos de luta, estamos aí no coliseu dia 5 de março.

Notícias ao Minuto[Deejay Telio no Coliseu de Lisboa]© DR

O que é que os fãs podem esperar para este concerto?

Vão haver muitas surpresas, a cada dia estamos a tentar ver coisas mais fantásticas para acontecerem. Estamos a fazer de tudo para que seja inesquecível.

Usando uma das tuas letras mais famosas, da música 'Ano Novo': agora que o ano velho (2019) terminou, o que esperas "viver" neste ano novo?

Para este novo ano tenho preparado um álbum que já está feito e acabadinho de sair do forno para ser lançado. Acho que 2020 vai ser um ano em grande. Estou com uma grande expectativa, todos nós estamos a sentir. Este é um ano de realizações, de muitos sonhos. Vai ser mesmo top. 

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