Pintor inspirou-se na pandemia para retratar Angola na Era Covid-19

A tela é abstrata, mas para quem vive em Angola em tempos de Covid-19, não passam despercebidos os números 26 e 31, que se tornaram os mais famosos casos de infeção em Luanda.

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Lusa
04/07/2020 06:31 ‧ 04/07/2020 por Lusa

Cultura

Covid-19

 

É a eles, entre outros signos, que o pintor angolano Albino da Conceição, foi buscar inspiração para transmitir a sua visão da pandemia através da arte.

"Senti a necessidade de registar e transmitir o meu ponto de vista, aquilo que senti. Fui afetado pela pandemia indiretamente porque o município que administro teve, até agora, o maior cerco sanitário do país", destacou o artista que é também administrador do Cazenga, um município de Luanda onde 1,5 milhões de pessoas habitam num território de 46 quilómetros quadrados

Foi aqui que assistiu a ser montada uma cerca de sanitária a um dos seus bairros - no distrito urbano do Hoji Ya Henda, onde reside o célebre "caso 31" -- deixando isoladas por 47 dias mais de 3.700 pessoas.

Lembra-se bem do fim do cerco. "Tocou-me com muita profundidade a alegria das crianças, daquelas pessoas todas. Senti a alegria que era viverem novamente em liberdade e diziam: "Viva a liberdade! E aquilo levou-me a pensar em transmitir aquela mensagem para tela", recordou à Lusa.

Foi assim que o "26" e o "31", dois números de infetados que já eram famosos por serem os primeiros casos associados a Angola a contágio por transmissão local da covid-19, ficaram também imortalizados na arte de Albino da Conceição.

O artista angolano saiu assim dos seus temas mais habituais, África e as paisagens angolanas, por uma obra mais abstrata.

"Tenho-me essencialmente dedicado a obras do real e depois faço a minha interpretação", contou à Lusa o pintor que escolhe habitualmente temas angolanos para dar a conhecer um país que tem "muitos recantos, pessoas, coisas boas" por descobrir.

Albino da Conceição pinta por que gosta, mas também "para transmitir algumas mensagem à sociedade", resume, apontando na tela um dos quadrados que simboliza o confinamento.

 Mas há outros sinais: num canto da pintura, um avião estilizado lembra que "o covid expandiu-se pelo mundo de avião e trouxe os casos para Angola".

Há ainda um desenho esférico, que simboliza o globo, mas também o vírus,  e uma linha negra que se espalha por todo o quadro "significando os casos e os respetivos contactos".

Atores importantes, médicos e enfermeiros, "o pessoal de saúde" estão representados através de linhas brancas que controlam a propagação da doença, "um trabalho feito com amor", descreve Albino da Conceição, mostrando a configuração de um coração

"O amor é o caminho que temos de fazer juntos para ultrapassar todos os obstáculos causados pela doença. Gostei de ter feito esta obra, no final acho que consegui reunir aquele mesmo sentimento que me veio quando vi aquelas crianças e aquele povo do meu município ficar satisfeito por estar novamente em liberdade", realça.

Neste retrato pandémico de Angola "e do mundo todo", o pintor foi buscar as cores das várias bandeiras internacionais, com predominância do amarelo, vermelho, azul e branco para expressar a universalidade do vírus surgido na China, que sem olhar a cores, nem a países, se espalhou pelo planeta contaminando, e matando, milhões de pessoas.

O também político, que tirou uma licenciatura em Desporto e ocupou diversos cargos governamentais ligados ao desporto, chegando a ser ministro da Juventude e Desporto, é um autodidata que gosta de desafios.

Não faz esboços nem desenhos e "ataca" a tela diretamente, pintando sempre a óleo e apenas com espátula.

"Com pincéis seria demasiado fácil", salienta Albino da Conceição.

"Gosto da textura que a espátula provoca e deixa nos quadros", diz.

Confessa que "desde miúdo" sempre gostou do desenho e da cor, mas ao longo dos anos dedicados à carreira política foi esquecendo as artes e só nos últimos anos regressou às tintas, incentivando pelos filhos, estudantes de Design e Arquitetura.

Fez a primeira exposição em 2015 e daí para a frente, "não houve mais tempo para parar".

Expôs também em 2017, na Galeria Nuno Sarmento, em Aveiro, e um ano mais tarde em São Salvador da Bahia, a convite de uma associação.

Quanto ao destino a dar à última obra: "depende do que a sociedade vai querer".

 

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