Cartoonista diz que crime é atentar contra a liberdade de expressão
O ilustrador Nuno Saraiva, autor de um cartoon publicado hoje no suplemento Inimigo Público, considerou, em reação ao anúncio de uma queixa pela PSP, criminoso atentar contra a liberdade de expressão e mostrou-se "preocupado" com o rumo do país.
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Cultura Nuno Saraiva
A Polícia de Segurança Pública (PSP) vai apresentar queixa contra o jornal Público pela publicação, no suplemento Inimigo Público, de um cartoon com uma figura vestida de uniforme, "aparentemente relacionado com uma ação com conotação política" junto à sede da SOS Racismo.
Em comunicado, a PSP considera que os factos "ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à instituição, consubstanciando a prática de crime" e que vai ainda hoje apresentar queixa ao Ministério Público.
"Criminoso é acharem que isto é um crime, que um criativo, um jornalista, um 'opinion maker', um cartoonista não pode ter direito à sua liberdade de expressão", afirmou Nuno Saraiva, em declarações à Lusa.
Realçando que nem sequer é adepto dos cartoons "mais escatológicos e altamente ofensivos", do género dos do jornal satírico francês Charlie Hebdo, o ilustrador português considera que este é até "um cartoon bastante pacífico".
Por isso mesmo, julga "absolutamente exagerado e sem sentido para uma queixa-crime".
Quanto a esta possibilidade, Nuno Saraiva deixa claro que não está minimamente preocupado consigo, mas sim com "o caminho que o país está a trilhar".
"Parece que estamos a dar uma reviravolta para mais de 40 anos atrás, isso é que me preocupa. E o silêncio institucional preocupa-me também", afirmou, considerando que nos últimos tempos sente que "está tudo muito pesado e esquisito", uma situação que, confessa, o "assusta".
No entanto, Nuno Saraiva deixa claro que não vai explicar o seu cartoon: "Um cartoon vale por si. Os desenhos ilustrados têm a faculdade de ter várias interpretações".
Segundo a PSP, o cartoon de Nuno Saraiva está aparentemente relacionado com uma ação, ocorrida no sábado, em frente à sede da organização SOS Racismo, em Lisboa, e associa "de forma explícita" a polícia "a um qualquer movimento político-ideológico".
Essa conotação, adianta a nota, afeta "publicamente a isenção e apartidarismo que caracterizam a instituição, resultantes não só de obrigação estatutária e da condição policial, mas também da convicção dos polícias".
A PSP "lamenta a leviandade com que o jornal e o cartoon em questão feriram a boa imagem da instituição e dos polícias que nela servem e protegem os nossos concidadãos" e lembra que a Estratégia 2020/2022 contempla a "isenção e rejeição de qualquer forma de extremismo e discriminação" como um valor e um pilar ético fundamental.
Nos últimos dias, três deputadas e sete ativistas foram alvo de ameaças por uma autoproclamada "Nova Ordem de Avis -- Resistência Nacional", que reivindicou também uma ação junto à associação SOS Racismo, levando o Governo a condenar estas ações como "uma ameaça à própria democracia" que deve indignar "todos os democratas".
Na quinta-feira, o Ministério Público instaurou um inquérito-crime ao assunto, um dia depois de o dirigente da SOS Racismo Mamadou Ba ter prestado declarações na Polícia Judiciária e ter confirmado a receção, juntamente com mais nove pessoas, de uma mensagem de correio eletrónico a estipular o prazo de 48 horas para abandonar o país.
O Presidente da República recomendou aos democratas "tolerância zero" e "sensatez" para combater o racismo, ao comentar as ameaças.
Vários partidos, bem como o presidente da Assembleia da República, repudiaram as ameaças feitas aos ativistas e à associação.
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