'Boom!' em estreia no CCB com encenação de Miguel Loureiro

A versão integral de 'The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore', uma das últimas peças de Tennessee Williams, sobe ao palco do Pequeno Auditório do CCB, em Lisboa, entre 8 e 10 de abril, numa encenação de Miguel Loureiro.

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Lusa
31/03/2022 20:37 ‧ 31/03/2022 por Lusa

Cultura

Teatro

A adaptação dramatúrgica deste espetáculo, intitulado 'BOOM!', contém as três versões da mesma história criadas por aquela que foi uma das figuras cimeiras do teatro norte-americano do século XX: o conto original, 'Man Bring This Up Road', escrito em 1953, a sua adaptação teatral, 'The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore', que se estreou na Broadway, em 1963, e a versão para a adaptação cinematográfica de Joseph Losey, intitulada 'Boom!', de 1968, revela o Centro Cultural de Belém (CCB), em comunicado.

Na época, nenhuma das versões conheceu sucesso, antes pelo contrário, tendo coincidido com períodos difíceis da vida de Tennessee Williams.

O conto 'Man Bring This Up Road' foi escrito em Itália, numa viagem que serviu sobretudo para o autor se afastar do pouco sucesso da estreia de 'Camino Real', e apenas publicado em 1965, na revista The London Magazine, explica Miguel Graça, responsável pela tradução e dramaturgia do espetáculo encenado por Miguel Loureiro.

Em 1961, durante um período que o levou à depressão e à dependência do álcool, Tennessee Williams começou a escrever a adaptação teatral do conto, intitulando-o 'The Milk Train Doesn't Stop Here Anymore', que se estreou na Broadway, dois anos depois, com fraca receção do público e da crítica.

Este fracasso levou o autor a reescrever a peça para uma nova produção, um ano depois, mas acabou por ser "um dos mais estrondosos falhanços da história da Broadway, uma vez que esteve em cena apenas cinco dias".

Mais tarde, fez uma nova versão para a adaptação cinematográfica, que intitulou 'Boom!', e que, apesar de contar com Elizabeth Taylor e Richard Burton nos principais papéis, voltou a revelar-se um falhanço entre críticos e espectadores.

Para a adaptação dramatúrgica que se estreia no CCB, "optou-se por 'Boom!' como título", uma vez que esta é a maior fonte de colagem, pois a "encenação segue em grande medida a 'estética Camp', no geral, e a de [Joseph] Losey em particular".

Esta opção resulta em "mudanças de género na apresentação das personagens e num vampirismo sexual que recordam 'Querelle', de Fassbinder [a partir do texto de Jean Genet], e o erotismo grotesco de John Waters", explica Miguel Graça.

Na história há uma velha senhora (Flora Goforth), rica, doente, a morrer, viciada no álcool e nos medicamentos, hipocondríaca, que dita as suas memórias a uma secretária, Blackie, do alto do seu monte, uma villa italiana a sul de Nápoles, na Divina Costiera.

Esta mulher é guardada por um capataz (Rudy) com cães ferozes que a protegem do Mundo, depois de um passado agitado, com quatro casamentos enterrados.

Surge entretanto um intruso, uma espécie de Anjo da Morte, o jovem belo Flanders, figura crística de redenção, poeta, criador de móveis, que tem como estranha profissão dar apoio a velhas senhoras ricas que se preparam para morrer.

Flora tem também uma amiga, a Bruxa de Capri, Marquesa Condetti, cúmplice, companheira e parceira na excentricidade, que profetiza a vinda do jovem.

Há ainda dois criados, Simonetta e Giulio, que içam e descem bandeiras da villa da velha senhora.

"Cenário e galeria bizarros de uma peça sobre a redenção, o erotismo, o misticismo, a doença e o fim dos caminhos", descreve a nota do CCB.

Segundo Miguel Graça, em termos autobiográficos, esta obra é uma elegia amorosa, uma resposta de Tennessee Williams à morte de Frank Merlo, com quem manteve uma relação durante 14 anos.

Apesar de não serem um casal que privilegiava a fidelidade, o que originou inúmeros desacatos e discussões relatados por Tennessee Williams nos seus cadernos, quando Frank Merlo adoeceu, o escritor acompanhou-o em casa, num longo e doloroso processo de derrota contra um cancro no pulmão que terminou em 1961.

"Da mesma maneira, a Senhora Goforth é, no fundo, uma reencarnação do sofrimento final de Frank Merlo, o que faz do texto uma mistura de recusa da morte com uma apologia da eutanásia".

Carregada de simbolismo, que Tennessee Williams tanto apreciava, esta "obra alegórica de difícil análise" é, ao mesmo tempo, "um elogio da morte e um elogio da vida, um confronto entre o Eros e o Tanatos onde o desejo sexual é derrotado pela esperança de ao menos morrermos acompanhados", refere Miguel Graça.

O espetáculo, que é coproduzido pelo Centro Cultural de Belém, Teatro Nacional São João e Culturproject, e financiado pela Direção-Geral das Artes, conta com as interpretações de Álvaro Correia, António Ignês, David Almeida, João Gaspar, João Sá Nogueira, Miguel Loureiro e Rita Calçada Bastos.

A par das sessões de teatro, vão desenvolver-se Oficinas Críticas, a cargo do dramaturgo e encenador Luís Mestre, que têm como objetivo "aguçar o espírito observador e a análise crítica do teatro hoje".

Luís Mestre partilhará o movimento de transformação do drama até à contemporaneidade, para depois dotar os participantes com ferramentas de análise crítica e teatral. Posteriormente, os participantes usarão os conceitos abordados.

Leia Também: Há peças de teatro para toda a família no Teatro Independente de Oeiras

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