"A seguir a isto, vou a correr convosco para New Order. E os Blur são completamente divinais". A recomendação é de Halsey que, a fechar o seu próprio espetáculo, já estava a pensar nos seguintes. E com razão: Blur são demasiado gigantes para perder. Em quase duas horas foi montado mais um épico concerto no currículo de Damon Albarn no Porto, um regresso ao sítio onde foram felizes em 2013, e o culminar de um festival que soube terminar com chave de ouro, apesar do medo que deixou o azar dos New Order.
Albarn é, contudo, um monstro de palco que tudo soluciona. Seja com os Gorillaz, como no ano passado, seja com o histórico grupo que marcou o britpop nos anos 90, o britânico é completamente indomável, e ainda bem. Damon Albarn sabe a presença que tem e diverte-se com isso, é um maestro louco e exímio que se surpreende a si próprio e que retira o melhor de um público desejoso por clássicos e por este novo ar dos Blur.
E esse novo ar não tardou a chegar, já que o tema de abertura escolhido foi 'St. Charles Square' (fará parte do novo álbum 'The Ballad of Darren', a sair em julho deste ano). Seguiram-se 'There's No Other Way' e 'Pupscene', com Damon a ser Damon e a atirar-se de cabeça para o caos da primeira fila.
Dos sons dos anos 90 aos sons por lançar, os Blur fecharam o Primavera com 90 minutos de enorme intensidade que passaram a voar© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
'Country House' gerou o primeiro coro bem timbrado, e o vocalista não escondeu o seu entusiasmo e fascínio pela bela disciplina vocal do coro à sua disposição. Logo a seguir veio 'Parklife', um tema que não precisa de ensaios ou de horas à volta do leitor de CD's (afinal, esta música ainda é do tempo desses longínquos aparelhos): basta ouvir, abraçar o caos e gritar. Gritou-se muito, atirou-se copos, viveu-se, na sua essência, o rock britânico do final do século passado que ainda hoje nos leva a um bom estado de loucura.
Pouco depois, chegou a vez de 'Girls & Boys', para muitos a música mais conhecida e acarinhada dos Blur. Foi uma explosão de luz rosa, de braços no ar, de canto incessante e despreocupado, um momento para riscar da 'checklist' e para ficar para sempre ligado ao festival e a quem o viu. Mas não há tempo para respirar, não com os Blur, que dispararam êxito após êxito, passando então para 'Song 2', e deixando bem claro que o concerto ia acabar de madrugada e ninguém sairia com energia no tanque de reserva.
O espetáculo terminou já depois da hora marcada, depois de 'Tender' (que o vocalista comparou a fado, suspirando qual Camané), 'The Universal' e 'The Narcissist' (também este do próximo álbum), caindo assim o pano num Primavera Sound que, agora, será sempre incompleto quando não tiver Damon Albarn por perto.
New Order fizeram os possíveis para não morrer na praia
Sobre os New Order, a avaliação torna-se mais complexa e agridoce, e tentamo-nos conformar com o que foi e o que podia ter sido. Se, por um lado, os britânicos começaram por proporcionar um espetáculo digno do seu reputado nome, com um plano claro de enveredar pelo passado e pelos grandes clássicos, a queda foi abissal quando os problemas técnicos - que ninguém gosta de ver, e que todos tentam compreender - tornaram uma noite que se avizinhava memorável numa frustrante desilusão.
O grupo começou logo a mostrar ao que vinha, arrancando com ‘Regret’, puxada desde os anos 90, passando de seguida à icónica 'Age of Consent' e 'Restless'. O palco Vodafone, outrora o palco principal do Festival, teve de longe a sua maior enchente, um ‘throwback’ aos grandes concertos que por ali passaram, e restavam poucos espaços livres, com todo o centímetro do relvado repleto de luz e festa.
Mesmo com algumas dificuldades vocais, Bernard Sumner levou os milhares de fãs, dos mais novos aos mais graúdos, pelos maiores êxitos da banda© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
'True Faith' foi, infelizmente, o início de uma maldição com uma falha grave do sistema de som. Bernard Sumner (cuja voz também não estava a 100%) bem tentou manter o público calmo no início, explicou que o sistema estava com problemas, mas mesmo depois do som voltar com uma interpretação meio a medo de 'Blue Monday', já os estragos estavam feitos. Muitos ficaram desencorajados pela demora em solucionar o problema técnico e começaram a sair para Blur, e aos que ficaram o inoportuno intervalo acabou por abater a vontade de dança.
Mais tarde, em comunicado, a organização esclareceu que houve um “problema num dos quadros elétricos, muito provavelmente causado pelos primeiros dois dias de mau tempo”, lamentando o inconveniente para o público.
A banda eventualmente acabou o concerto com boa nota, não esquecendo as suas origens no berço que foi Joy Division, com ‘Love Will Tear Us Apart’. No final, restou uma onda de aplausos que exprimia respeito, agradecimento, mas também desilusão e lamento. Do lado dos New Order, resumiu Sumner: “Obrigado, Porto, por terem sido pacientes”.
Ver Halsey ou Yves Tumor? Um dilema que obrigou a uma proveitosa ginástica
Às 22h00 houve uma decisão difícil a fazer. De um lado, um dos nomes grandes do cartaz deste ano, Halsey, a estrela crescente da pop que tem alcançado números estratosféricos fora dos palcos; do outro Yves Tumor, no seu último concerto da tour, prometendo uma hora de rock intenso. Fomos à primeira parte do segundo, no palco Super Bock, e os que encheram o espaço mais intimista do recinto tiveram exatamente aqui que estava prometido.
Yves Tumor, nome artístico do monstro de palco que é Sean Bowie, teve de superar alguns problemas de som, que apontou bem alto à equipa técnica. Mas desfeito o ligeiro embaraço, o seu experimentalismo e rock imersivo rapidamente encheram e rebentaram com as costuras do palco Super Bock.
Yves Tumor encerrou no Porto a sua tour de apresentação do disco '© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
'Jackie', 'Gospel for a New Century' ou 'Lovely Sewer' foram alguns dos temas que marcaram uma performance imensa e na qual a banda, em fim de tour, tentou deixar tudo em palco.
Passando para o palco Porto, apanhamos Halsey a falar sobre a sua vida sexual, apontando que a mãe está na lateral a ver, antes de anunciar a sua música favorita, ‘Bad At Love', que proclamou como um hino à sua bissexualidade.
Halsey decidiu deixar os rótulos todos à porta, e trouxe consigo uma mescla de estilos e sonoridades, desde o pop que a catapultou até ao estrelato, até ao rock puro e duro e aos temas mais eletrónicas, alguns deles influenciados pela produção de Trent Reznor e Atticus Ross (Nine Inch Nails). A jovem norte-americana é contagiante, e é praticamente impossível virar os olhos à sua intensidade e ao seu carisma.
A cantora abordou ainda a ansiedade e a pressão social fora dos palcos, antes da dança de ‘Gasoline’ e da poderosa progressão para ‘Experiment On Me’, revelando que tem “um novo tipo de mantra” a partilhar: “O que sentirem hoje, o que se passar lá fora, deitem tudo cá para fora e deixem à porta. Peguem nessa merda, ponham no chão e espezinhem-no. Vou fazer os possíveis para ajudar a tirar isso do peito e deixar no chão debaixo de vocês”, disse.
Sparks recusam-se a envelhecer e têm energia para dar e vender
Os norte-americanos Sparks, lendas vivas do pop rock, do synth, do glam, de tudo e mais alguma coisa dos últimos 50 anos, chegaram ao Porto acabadinhos de lançar 'The Girl Is Crying In Her Latte', um álbum que em Portugal mudou temporariamente de nome, graças à confessa admiração de Russell Mael pela cultura de café portuguesa. "Agora chama-se 'The Girl Is Crying In Her Pingo'", anunciou, num português bem americanizado.
Seguiram-se então temas do passado e presente do grupo que é intemporal e incansável, bem assente nas mãos jovens do septuagenário Russell Mael, como 'Nothing is Good as They Say It Is' - do trabalho lançado no final de maio, o 25.º (sim, 25.º) álbum da banda -, 'Balls' e 'The Toughest Girl In Town'.
A antiguinha 'Shopping Mall of Love' (1986) foi uma das preferidas do público cada vez maior, à medida que a noite começava a chegar, com o outro irmão no duo, Ron Mael, a demonstrar toda a sua… 'entusiástica' presença. Sparks acabaram por ser uma injusta surpresa: apesar do estatuto, os nomes a letras grandes do cartaz ofuscaram as atenções sobre si, mas o sucesso e o sonoro reconhecimento de quem arriscou ficar para viagem fizeram da vitória um pouco mais saborosa.
Antes, enquanto o palco Porto começava-se a compor de fãs, de Halsey e Blur, os Yard Act subiram para tentar aproveitar a grande montra, mas atrasos no teste de som limitaram rapidamente a sua oportunidade.
O atraso acabou por dar mais cinco minutos de espera ao público de flowerovlove, que a jovem de 18 anos compensou rapidamente com a sua presença tranquila e firme. flowerovlove descreve a sua música como nostálgica, e a descrição dada pela própria numa entrevista à Metal Magazine cabe na perfeição para o seu leve dream pop. Ao mesmo tempo, o palco Vodafone compôs-se bem para ouvir sentado ou deitado à apaixonante voz de Israel Fernández e à guitarra de Diego del Morao. Foi flamenco puro, intenso, e uma experiência genuinamente única para um festival moderno.
Aos 18 anos, flowerovlove é diamante por lapidar, cujas letras abordam o seu crescimento como pessoa e a sua existência como jovem mulher© Hélio Carvalho/Notícias ao Minuto
O palco Plenitude mostrou-se ao longo deste festival ser perfeito para indie e punk rock, com as bandas a saírem-se bem com a costa do Porto no pano de fundo. O exemplo perfeito disso foram os canadianos Pup, que não só criaram a primeira onda de saltos de ‘headbanging’ da noite, como também não se esqueceram de defender os direitos das pessoas trans, levando uma bandeira consigo para palco.
O dia arrancou, para não variar, com uma boa rockalhada. O último dia do Primavera Sound foi aquele que viu mais portugueses em palco, com os Unsafe Space Garden a arrancarem o dia no palco Vodafone, Wolf Manhattan a receberem os festivaleiros logo à entrada e novo projeto de Rita Sampaio, Isa Leen, a encher carinhosamente o espaço mais íntimo do palco Super Bock.
Nota ainda para o concerto infelizmente esquecível de Julia Holter e a solução pouco recomendável de Karate; ambos caíram na complicada posição de tocar durante uma altura em que muitos se abasteciam para os cabeças-de-cartaz, e nunca chegaram realmente a meter a segunda.
O Primavera Sound Porto estará de volta no próximo ano, no Parque da Cidade do Porto, com a organização a confirmar que a 11.ª edição ficou marcada para os dias 7, 8 e 9 de junho, voltando à dose de três dias e prometendo melhorar um recinto aumentado que gerou algumas críticas.
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