"Cunhal se fosse vivo e visse o panorama político, ficaria triste"

'Camarada Cunhal' estreia na quinta-feira, dia 24 de abril, na véspera do 25 de Abril, e retrata a fuga de Álvaro Cunhal da Fortaleza de Peniche, uma das prisões mais temidas do regime salazarista.

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© Filipe Feio

Marina Gonçalves
22/04/2025 12:16 ‧ há 3 horas por Marina Gonçalves

Cultura

Romeu Vala

Inspirado no livro 'Álvaro Cunhal: Retrato Pessoal e Íntimo', de Adelino Cunha e que foi publicado em 2010, o filme 'Camarada Cunhal', de Sérgio Graciano, conta-nos um dos episódios mais marcantes da vida de Álvaro Cunhal. 

 

Corria o ano de 1960 quando o político do Partido Comunista Português (PCP) e outros militantes conseguiram fugir da Fortaleza de Peniche, que na época foi transformada pelo Estado Novo numa prisão de alta segurança. A fuga acontece com a ajuda de um agente da PIDE e é contada nesta longa-metragem de Sérgio Graciano, envolvendo também a violência vivida no regime salazarista e as estratégias que os detidos usavam para comunicarem dentro e fora do estabelecimento prisional. 

No papel do opositor do Estado Novo está o ator Romeu Vala, que conversou com o Notícias ao Minuto e partilhou alguns detalhes da preparação para interpretar o político - não deixando também de 'comentar', após questionado, o atual panorama político (incluindo do próprio PCP). 

Ao elenco juntam-se ainda nomes (entre outros) como os atores António Mortágua, Tiago Teotónio Pereira, Luís Lobão, Filipa Nascimento, Frederico Barata, Gonçalo Neto Arroja, Tobias Monteiro, Guilherme Moura e Helena Caldeira. 

Apesar de, partilha Romeu Vala, o filme dar a "conhecer bastante mais sobre a figura Álvaro Cunhal", está quase a chegar à RTP a série 'Homens de Honra' em que, promete, "ficaremos com uma noção mais concreta de toda a vida e de toda a luta" do político.

'Camarada Cunhal' teve a sua antestreia no dia 14 de abril, no cinema UCI El Corte Inglés, em Lisboa, e chega aos cinemas na quinta-feira, dia 24 de abril, na véspera da celebração da Revolução dos Cravos e no ano em que se assinalam os dez anos da morte de Álvaro Cunhal. 

Acredito que já tinhas conhecimento do peso da vida de Álvaro Cunhal - sobretudo na oposição ao Estado Novo. Mas como foi o trabalho de pesquisa para desenvolver a personagem?

Claro que a figura de Álvaro Cunhal era muito presente na minha memória. Tenho 36 anos, portanto, ainda me recordo bem dele vivo. Mas não só por isso, por todo o peso que ele tem para a história da nossa democracia. Relativamente à construção da personagem, uma das coisas que senti mais falta foi encontrar registos - quer fosse vídeo ou fotografias - da época em que representei Álvaro Cunhal, com a idade em que o interpretei. À data, o Estado Novo fazia questão de não divulgar qualquer tipo de informação ou o que quer que fosse relativamente a este tipo de pessoas. Abafavam tudo. Há imagens mais recentes dele, mas é já num período mais tardio da vida dele que não era necessariamente onde me queria basear.

Aquilo que fiz foi ler bastantes coisas como a própria biografia de Adelino Cunha ['Álvaro Cunhal: Retrato Pessoal e Íntimo'] no qual o filme é inspirado, ajudou-me a conhecer sobre o universo dele. Tentei pegar em alguns pontos, características mais óbvias da sua maneira de ser e de estar, da força, da garra, da sua luta ao longo da vida… E depois criando alguns pormenores meus, 'tiques', que fui acrescentando à personagem. Construí de dentro para fora. Não tinha muito para me basear, para 'copiar' Álvaro Cunhal, porque não havia registos disso.

Falta aos políticos de hoje em dia puxarem um bocadinho pela memória para se relembrarem destas figuras que fizeram tanto por um país, tanto por um povo

Agora já com um conhecimento mais aprofundado sobre Álvaro Cunhal, como é que ele 'veria/reagiria' ao estado atual do PCP, havendo quem especule que o partido possa deixar de existir (na Assembleia)? 

Acho que se fosse vivo hoje e visse todo o panorama político que estamos a viver em Portugal, iria ficar muito triste com aquilo que se está a passar no país. Relativamente, em específico, ao partido Comunista, não sei… A sua garra, força e a sua intensidade talvez pudesse vir a dar um abanão tanto no partido como no país, e fazer com que, se calhar, mais pessoas começassem a olhar para o PCP de outra forma.

Mas relativamente ao cenário político, independentemente de questões ideológicas e de como vemos a política - e cada um pensa da forma que quer -, uma coisa é inevitável, a seriedade dos políticos desta época, e em particular de Álvaro Cunhal, é uma coisa que está a anos-luz daquilo que hoje em dia vemos no programa político português. Falta aos políticos de hoje em dia puxarem um bocadinho pela memória para se relembrarem destas figuras que fizeram tanto por um país, tanto por um povo, privando-se de todos os seus interesses pessoais. E às vezes até da sua própria liberdade para lutar pela liberdade de um povo. Falta um pouco a estes políticos, hoje em dia, olharem para estas figuras que tanto fizeram pela nossa democracia.

Dá para o público mais jovem ficar a conhecer bastante mais sobre a figura Álvaro Cunhal, sobre toda a sua intervenção e a sua luta. Mas neste filme em específico, a ação está focada na fuga da prisão

Uma pessoa que conheça muito pouco de Álvaro Cunhal, se calhar aqui focando um bocadinho na camada mais jovem, com este filme ficam com uma ideia clara de quem foi e da importância que teve para a democracia?

Este filme centra-se muito no período entre 1956 e janeiro de 1960, que é o período em que é detido e vai para a prisão do Peniche. E é um filme que se centra muito na elaboração do plano de fuga - dele e mais nove camaradas. Dá para o público mais jovem ficar a conhecer bastante mais sobre a figura Álvaro Cunhal, sobre toda a sua intervenção e a sua luta. Mas neste filme em específico, a ação está focada na fuga da prisão. Tem esse lado estimulante (também) de tensão constante por causa do receio de serem apanhados, toda a elaboração do plano, os truques que usam dentro da prisão para conseguirem comunicar com o exterior… 

Irá haver uma série para a RTP em que será abrangida toda a vida de Álvaro Cunhal. Ficaremos com uma noção mais concreta de toda a vida e de toda a luta. Chama-se 'Homens de Honra'

Mas relativamente ao facto de ser focado na fuga, ainda assim, dá para ter uma noção da importância que teve? 

Dá. Sendo que depois, posteriormente, irá haver - no seguimento deste filme - uma série para a RTP em que será abrangida toda a vida de Álvaro Cunhal. E aí, sim, ficaremos com uma noção mais concreta de toda a vida e de toda a luta que o Álvaro Cunhal fez durante várias décadas. A série chama-se 'Homens de Honra'. Neste filme, em particular, o público mais jovem que pode não ter bem a consciência ou a noção de quem é Álvaro Cunhal, vai sair das salas, com certeza, com uma noção mais clara da força e da luta que ele fez pela nossa liberdade, pela nossa democracia.

Jamais a solução poderá ser recorrer a populismos e a radicalismos, porque a história já nos deu demasiadas lições para percebermos que isso corre sempre mal

Tendo em conta a influência que o cinema pode ter, e com a extrema-direita a crescer um bocadinho por todo o mundo, faz falta mais este tipo de filmes com esta narrativa política - nem que seja só para o tema ser falado? 

Não acho, tenho a certeza. A arte também tem o dever de informar. Se por vezes há uma falta de informação, de consciência a nível social, é tremendamente importante reavivar a memória ou alertar as camadas mais jovens para os perigos que corremos, precisamente com estes radicalismos a crescerem, estes populismos, que advêm de uma fragilidade dos partidos. Não vamos entrar em questões muito políticas, mas isto é uma consequência de variadíssimas falhas que foram acontecendo ao longo dos últimos anos. Mas jamais a solução poderá ser recorrer a populismos e a radicalismos, porque a história já nos deu demasiadas lições para percebermos que isso corre sempre mal.

Leia Também: Filme 'Camarada Cunhal', sobre histórico do PCP, tem antestreia hoje

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