Aos 73 anos, Jorge Palma é uma alma eternamente jovem, entregue por completo ao Rock and Roll, indissociável do género e, para sempre, figura incontornável do mesmo em Portugal.
Editou, em abril deste ano, 'Vida', álbum de originais que sucede a 'Com Todo o Respeito', de 2011, e percorre, agora, palcos de norte a sul do país com este novo trabalho em mãos. Nesta sexta-feira, aliás, atuará na 15.ª edição do festival NOS Alive, em Algés.
Jorge Palma encontrou-se com o Notícias ao Minuto no Cais da Matinha, em Lisboa, com o Tejo como pano de fundo, para falar do novo trabalho, bem como da sua vida, do país e das memórias que guarda. Na água, o navio 'Funchal' roubava o estrelato, onde fez "milhares de milhas", um pouco por todo o mundo.
Conhece bem aquele barco ali atrás, não é?
Fiz vários cruzeiros no Mediterrâneo, alguns na Madeira, fui a São Petersburgo, Estocolmo, Estónia, os Bálticos... Viajo muito, o mais possível. Não tenho um sítio assim de eleição, mas América do Sul, Sudeste Asiático, África... Já fui à Argentina, Colômbia, Brasil...
Que histórias conta este novo álbum, o 'Vida'?
São histórias, ideias, sentimentos. É um disco romântico, mais de canções soltas, que acabaram por casar muito bem. São muitos estilos diferentes, daqueles que fui absorvendo, desde o Jazz até ao Blues e o Rock and Roll, claro.
E um bocadinho de fado, não?
Resolvi gravar uma canção que eu escrevi para o Carlos do Carmo, e que ele ainda foi a tempo de gravar, ele gostou muito da canção. Transformou aquilo num fado, até porque ele dizia: "Tu não sabes escrever fados..." [risos] Portanto, apeteceu-me gravar esta canção e acabar o disco com ela, à minha maneira, que é assim numa balada.
Como reagiu quando ele lhe disse que não sabia escrever fados?
Isso disse desde o princípio. A gente conhece-se desde os anos 1970, em casa do Ary dos Santos, há muito tempo...
Como é tocar esta música, escrita para o Carlos do Carmo, agora que ele morreu?
No fundo, eu acabei por lhe entregar a canção para aí dois anos antes de morrer e ele ainda foi a tempo de a gravar, gostou muito. Depois pronto, acho que é uma canção muito bem conseguida.
As duas versões?
Ele, com os guitarristas dele, fez daquilo um fado. E como disse que eu não sabia escrever fados... Também escrevi uma para o Camané há pouco tempo e essa não tenho tocado ao vivo porque, estando ele vivo, acho que não se justifica.
Para mim, as décadas de 1970, 1980 e 1990 foram mesmo de Rock and Roll a sério, cá dentro e lá fora
O 'Vida' vai buscar coisas a outros discos?
Eu não penso nesses termos. Não tenho essa visão da discografia. Por exemplo, o ano passado, nos concertos de Antologia, visitei os meus álbuns todos e descobri coisas muito engraçadas que já não me lembrava que tinha feito. Com a ajuda da minha banda, a gente fez uns belos espetáculos. As coisas que fui aprendendo e utilizando nos discos que escrevi até hoje estão cá [aponta para a cabeça]. Não tenho ideia de, se estou a trabalhar com um disco novo, ir buscar lá atrás nada de especial. É seguir em frente, com as coisas novas que estou a ouvir, experiências novas que vou tendo. O que já gravei, já gravei, está lá. E ficou cá dentro.
[Nesta altura da entrevista, uma pessoa que passava pelo local onde se realizou a mesma reconhece Jorge Palma... trata-se de um antigo amigo da pensão Ninho das Águias, localizada no número 74 da Costa do Castelo, onde Palma viveu na década de 1970, paredes-meias com o castelo que leva o nome do seu santo. Desenha-se um sorriso na cara de ambos quando se reconhecem mutuamente, e trocam brevemente comentários sobre esses tempos idos]
Um encontro com o passado...
Houve uma altura, depois de ter estado dois anos em Paris a tocar na rua, em que não me apeteceu ir viver para a casa da minha mãe, naqueles meses que cá estive. Aí descobri o Ninho das Águias... nas páginas amarelas [risos]. Fui para lá viver e tratavam-me como um membro da família.
Mas, então, foi lá parar por acaso, se foi pelas páginas amarelas... não havia TripAdvisor
Não, não, qual TripAdvisor quais redes sociais, foi mesmo assim. O sítio é na Costa do Castelo, portanto tem uma vista privilegiada sobre Lisboa.
Estavam sempre a acontecer coisas, e continuam a acontecer, só que agora, normalmente, depois do concerto, vou sempre para o hotel, não vou para as noites
Que memórias guarda dessa altura?
Tempos ótimos, estava solteiro... [risos] andava sempre a namoriscar.
É um bom sítio para namoriscar?
É, pois. À noite percorria aqueles sítios todos, os cabarés...
Essa vida noturna, do Rock and Roll, ainda perdura, ou perdeu-se ao longo dos anos?
No meu caso, claro, porque tenho 70 e tal anos e já não tenho pachorra para ir para o 'moche'... continuo a sair à noite, mas não tanto, nem até tão tarde. Para mim, as décadas de 1970, 1980 e 1990 foram mesmo de Rock and Roll a sério, cá dentro e lá fora. Cá, foi mais o [bar] Johnny Guitar. Na altura do [bar] Rock Rendez-Vous vivia em Paris, não frequentei tanto... mas sim, muitas noites loucas.
A 'estrada' sempre é tida como grande fonte de noites loucas e histórias, a saltar de palco em palco, de cidade em cidade...
De hotel em hotel. [risos]
Qual é a história mais rocambolesca de que se recorda, que tenha acontecido na estrada?
Consigo pensar numas, claro, houve muitas. Estavam sempre a acontecer coisas, e continuam a acontecer, só que agora, normalmente, depois do concerto, vou sempre para o hotel, não vou para as noites, esteja em Aveiro, em Bragança ou em qualquer outro sítio.
Isso já ficou para trás, então?
Já, prefiro ir descansar para no dia seguinte fazer-me à estrada. E não vou para o engate porque, pronto, felizmente tenho uma mulher porreira. [risos]
Então essa parte também já está fechada.
Sim, sim, esse que é o grande estímulo, neste momento não sinto essa necessidade.
Ah, então o engate é o grande estímulo da noite?
Era.. copos, mulheres e Rock and Roll. [risos]
Não podia ser de outra forma, não é? Se não fosse isso, o que seria?
Oh, se não fosse isso era beber café ou chá, ou algo assim. Neste momento, tenho encontrado motivos e coisas para me entreter... e as viagens grandes continuam, pelo menos uma por ano tento sempre fazer. Isso enriquece sempre, conhecer outros povos, outras mentalidades, outras maneiras de estar. Isso e a leitura, os filmes, e tudo.
Tendo abrandado essa vida mais do Rock and Roll, do engate, das noites... isso muda a influência para escrever este novo álbum? Vai buscar a memórias antigas?
Ah, mas, o Rock and Roll está dentro de mim.
Certo, não é só ir aos bares...
Claro, é onde se manifesta, mas está tudo dentro de mim, sempre. Mas também os Blues e a música Clássica, é uma grande mistura.
Já não tinha um álbum de originais em mãos há algum tempo. Como está a ser o regresso?
É bom, é um grande estímulo. Estamos a apresentar estas [músicas] novas, que o pessoal ainda não conhece muito bem, portanto é tocá-las o melhor possível para ver se o pessoal começa a gostar e as acolhe.
Até agora, os concertos eram mais dedicados à discografia anterior...
Sim, uma discografia longa, sólida, mas agora vem uma fornada nova, que ajuda sempre. Ajuda sempre de vez em quando ir atirando umas coisas novas para as pessoas pensarem 'Olha, o gajo está-nos a dizer isto e aquilo... alinhamos?'.
As músicas foram sendo escritas ao longo dos últimos anos, ou foi um trabalho de sentar-se e decidir 'Ok, vou escrever um álbum'?
Nada disso, foram escritas calma e tranquilamente. Desde a primeira que eu escrevi a pensar que queria fazer um disco novo passaram-se seis anos, à vontade. Sem pressa nenhuma, de vez em quando pensava 'Ei, vou escrever isto'. Umas ficaram a maturar, outras ficaram prontas no momento, mas foi mesmo tranquilamente, sem pressa nenhuma.
Pessoalmente, escrevo melhor, tenho mais prática. Posso ter mais ou menos inspiração, mas sei muito melhor o que estou a fazer
Em que momento é que decidiu fazer assim já um trabalho completo, em formato de álbum?
Quando já tinha umas cinco músicas escritas, aí pensei 'Ok, já agora vou ver se me saem mais umas porreiras, para fazer 10'. E pronto, depois demorei o meu tempo e cá estamos.
E a capa... de quem foi a ideia?
Foi das pessoas que trabalham comigo, o fotógrafo e a nossa diretora de arte, que se entendem muito bem e sugeriram essa ideia. Primeiro, estranhei e depois alinhei. Acho que está giro. Foi uma proposta artística, nem pensei duas vezes e foi assim.
[Neste momento, Luís e Filomena, a 'família de acolhimento' de Palma no Ninho das Águias (onde estiveram 37 anos), regressa, para continuar o alegre reencontro. "Há tanto tempo", vai-se repetindo, entre elogios: "Mas estás com bom aspeto, Jorge, e olha que és mais velho que eu!", graceja Luís. "A vida passa por todos", comenta Filomena, como que imbuída no espírito do mais recente álbum de Palma, que se debruça, precisamente, sobre a 'Vida'.
O trio vai recordando os tempos idos da década de 1970, e de todas as "histórias" e "recordações" que se passaram naquele número 74 da Costa do Castelo... "Outros tempos" é a expressão que se repete entre comentários e perguntas sobre as respetivas famílias e os seus estados de saúde]
Velhos amigos, não é?
Desculpa lá... mas sim, o Ninho das Águias é um sítio fantástico. Com muitas histórias, muito Rock and Roll.
Dos primórdios da carreira até agora... o que é que mais sente que mudou na sua escrita?
Pessoalmente, escrevo melhor, tenho mais prática. Posso ter mais ou menos inspiração, mas sei muito melhor o que estou a fazer. De modo geral, há aí gente a escrever lindamente, letras e músicas, e a cantar. Acho que estamos muito bem servidos de músicos e compositores. Há aí gente muito boa.
Em português?
Em português.
Antigamente não se via tanto, ou não?
Não, nada, não se compara. Agora há muito mais gente.
Há muita influência também de fora, não?
Sim, há muita influência também de África, do Brasil... uma 'globalização', no bom sentido.
Estou farto de ver sempre as mesmas notícias. Não vejo isto a andar para a frente como devia. Acho que há muita gente medíocre nos lugares de decisão
Já há muito tempo que toca com o seu filho Vicente, mas agora tem mais um consigo: o Francisco.
Os meus filhos estão bons e recomendam-se. [risos] O mais novo, estou a puxar por ele... o mais velho já toca comigo há muito tempo.
E o mais novo está-se a dar bem com a experiência?
Está, ele toca guitarra muito bem, também teve aulas de piano... e tem o seu percurso. Tem 28 anos, ainda está a saborear a vida sem grandes compromissos, não tem filhos. Já do mais velho, já tenho um neto e tudo. É diferente.
O que é que os seus filhos lhe ensinam a si?
Ensinam muita coisa, vão-me contando muitas coisas, algumas que eu não sei, outras que até sei, mas conversar é porreiro porque cada um tem as suas perspetivas, dependendo das idades e das gerações, também. Mas é bom ter esta comunicação.
E na plateia também há pais e filhos...
Sim, sim, aparecem muitos a dizer-me 'Ah, o meu pai gostava muito'. [risos]
Como se sente com essa realidade?
Sinto-me bem, é sinal que várias gerações vão apreciando a minha música.
Quando penso, de repente, em algo que me aconteceu há 40 anos... sorrio e tenho uma sensação de saudades, mas não sou saudosista
Já cá anda há muito tempo, viveu o pré e o pós-25 de Abril, muitos momentos diferentes por que o país passou... atualmente, como olha para a realidade? Que visão tem do país?
Não tenho pachorra, estou farto de ver sempre as mesmas notícias. Não vejo isto a andar para a frente como devia. Acho que há muita gente medíocre nos lugares de decisão. Gente que, ou por incompetência, desleixo, formação (ou falta dela)... acho que não dá para me sentir bem em relação a isto.
Nas suas viagens, nunca pensou em viver lá fora?
E vivi, vivi na Dinamarca, depois em França. Foi um ano e tal na Dinamarca e mais de 3 anos em França, mas o sítio para viver, para mim, é Portugal, apesar de todas as falhas. É preciso ver que é aqui que tenho o que construí, a base, o apoio. É onde estão as minhas pessoas.
Pois, vivemos isso ainda agora, com os seus amigos do Ninho das Águias que passaram aqui
Exatamente! É diferente. Não me importo de passar um mês em Nova Iorque, mas isto faz-me sentir em casa, seja em Lisboa, no Algarve, em Trás-os-Montes...
O país é pequeno, tem essa vantagem
Sim, sim, é um país bonito, tem montanha, mar, tudo...
Já que estamos a falar da vida, de histórias, memórias... no seu dia a dia, do que é que mais sente saudades?
Quando penso, de repente, em algo que me aconteceu há 40 anos... sorrio e tenho uma sensação de saudades, mas não sou saudosista. Tenho curiosidade é do que vai acontecer mais logo e amanhã. Não descurando que tenho o meu passado, que é bastante engraçado.
Daí a minha pergunta, mas então está mais virado para o que está à frente?
Presente, futuro...
Também tem um calendário bem recheado para os próximos meses
Verdade, felizmente não me falta trabalho.
Onde é que vai buscar a força para continuar na estrada, de hotel em hotel... isso é cansativo
É, mas se pensar que estaria em casa sem fazer nada, isso também é uma chatice. A ver novelas, ou coisa do género. [risos]
Nunca pensou em escrever um livro?
Sim, às vezes tenho a ideia de reunir, aleatoriamente, histórias. Mas não tenho tempo, para já. É aperfeiçoar a música e ir tocando, enquanto ainda tenho o jeito.
Mas não é só jeito, é treino e prática também, não é? Às vezes há a ideia que o Rock and Roll é só chegar ali, tocar e depois ir para os copos
Isso é uma grande parte... [risos]
Claro, mas não passa só por aí.
Não, claro que não, mas eu gosto muito de aprender, sou muito curioso, vou assimilando aquilo que vou aprendendo em várias áreas da música, e não só. Com os livros que leio, peças de teatro, óperas...
Também é uma vantagem de viajar, tem acesso a outros mundos culturais.
Exato. Podemos ir ver exposições em Londres, Nova Iorque, ou ver uma ópera em Berlim... são coisas que enriquecem e 'enrijecem'.
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