Poeta angolana apela para que não se deixe acabar o 25 de Abril em março

A poeta angolana Ana Paula Tavares apelou hoje aos portugueses para que "não deixem o 25 de Abril acabar em março" e não esqueçam o "papel importante dos africanos", evocando Amílcar Cabral, no seu centenário.

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Lusa
23/02/2024 06:12 ‧ 23/02/2024 por Lusa

Cultura

25 de Abril

Ana Paula Tavares falava no festival literário Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, numa mesa subordinada ao tema "Há sempre qualquer coisa que está para acontecer", que contou também com a participação dos escritores Bruno Vieira Amaral, Filipa Leal, Pedro Rapoula e Sandro William Junqueira.

A sessão foi marcada por histórias pessoais, umas mais poéticas, outras mais humorísticas, outras mais encenadas, pautadas por versos de José Mário Branco, de quem se evocou também o "FMI", mas principalmente a música "Inquietação", da qual foi retirada a frase que deu o mote à mesa.

A última intervenção foi da também especialista em literatura brasileira e literaturas africanas de língua portuguesa, que pediu "aos portugueses que, por favor, não deixem o 25 de Abril acabar em março".

"E não esqueçamos que os africanos têm aqui um papel importante, não esqueçamos os africanos, que os africanos não se esqueçam de nós, que Amílcar Cabral não é só o problema de ele fazer 100 anos, é muito mais do que isso, é aquilo que ele escreveu, é aquilo ele disse, e que essas liberdades todas de que temos falado aqui tão insistentemente, essas coisas que estiveram para acontecer, também se decidiram no continente africano", acrescentou Ana Paula Tavares, assinalando que este tema também já fora abordado noutras sessões pelas escritoras Odete Semedo e Gisela Casimiro.

Ana Paula Tavares quis ainda reservar dois minutos do seu tempo para a escritora e socióloga brasileira Lélia Pereira da Silva Nunes, que no dia anterior "não conseguiu falar o que tinha para dizer".

O moderador, o escritor galego Carlos Quiroga, assinalou que "expectativa" foi a palavra que marcou a mesa, nas intervenções dos participantes, mas que "a expectativa de que não estava à espera era de que alguém metesse uma cunha histórica" para dar minutos do seu tempo para outra pessoa ter oportunidade de completar o que tinha para dizer.

Fazendo uso dessa prerrogativa, Lélia Nunes disse que, no dia anterior, na mesa "Foge-nos o tempo já de decidir", ficou presa a uma afirmação de que a guerra destrói a memória, e questionou o sentido dessa frase, uma vez que na sua opinião tal não era verdade, dando como exemplo as guerras da República Juliana ou a Guerra do Contestado, cujas memórias permanecem "muito fortes" no povo brasileiro.

Intervindo a partir do público, a escritora guineense Odete Semedo, que participou na mesa referida, respondeu à interpelação de Lélia Nunes: "Quando disse que a guerra destrói memorias, ela destrói sim, quando as bibliotecas são queimadas, são as memórias de um povo que estão ali".

Odete Semedo deu como exemplo a guerra do 07 de junho, que durou 11 meses, na Guiné-Bissau, em que as tropas senegalesas, no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, utilizaram livros para acender fogueiras para fazer chá.

"E não eram analfabetos, sabiam que aquilo era uma memória, era a nossa história que estava sendo destruída e era um país-vizinho, um país-irmão".

Odete Semedo lembrou outras guerras, como a do Iraque, onde as pilhagens aos museus, o desaparecimento de peças, contribuem para o apagamento de memórias de um povo.

"É aí que sustento a minha ideia de que a guerra destrói memórias, e destrói memórias linguísticas, quando o povo é obrigado a emigrar, a deslocar-se do seu lugar, vai para outras terras, nascem crianças que já não convivem naquele espaço, já não ouvem falar daquelas histórias, algo vai perder-se", afirmou.

"É por isso que, quando houve aquilo que é chamado de 'Guerra Colonial', Amílcar Cabral apelidou de luta armada pela independência. Ele dizia que a luta é um ato de cultura porque essa luta ia trazer de volta a nossa cultura que nos foi negada, a nossa língua, que nos era dito que não era língua porque não tínhamos gramática. A luta é uma forma de cultura, porque é um resgate daquilo que é nosso, que se não cuidarmos desaparece", acrescentou a também professora universitária, recorrendo às palavras da linguista Zaida Pereira, para afirmar: "É preciso traduzir, é preciso ir às origens, é preciso não deixar que a história e a memória desapareçam na amnésia propositada de quem nos quer continuar a colonizar ou a neocolonizar".

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