A Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, está a promover entre hoje e quinta-feira uma conferência sobre "A arte da biografia", que junta vários autores portugueses e estrangeiros, a debater este género literário.
A primeira intervenção da tarde coube ao jornalista e antropólogo angolano António Tomás, autor de uma biografia de Amílcar Cabral, "O fazedor de utopias", publicada em 2007, mas iniciada muitos anos antes, e de uma outra edição mais recente sobre a vida do líder da luta de libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde, editada em inglês, intitulada "The Life Of A Reluctant Nationalist".
Justificando a sua decisão de regressar à biografia de Amílcar Cabral, António Tomás explicou que quando começou a escrever "O fazedor de utopias" não tinha maturidade, tinha apenas 25 anos, pelo que o projeto "esteve muito tempo na gaveta" e só foi terminado na altura em que fez o doutoramento.
"Estou a escrever esta versão portuguesa sem olhar para a inglesa", porque são públicos diferentes e, consequentemente, o registo narrativo também tem de ser diferente. A audiência importa, e a audiência inglesa era mais académica", considerou.
"Comecei a escrever este livro com metade da idade que tenho hoje. Sinto que estou a falar de uma versão de mim que já não existe, há tiques de linguagem e um posicionamento político que já não tenho agora. Sou mais realista", afirmou.
Sobre novidades no regresso a este livro, António Tomás destacou que gostava de fazer referência a várias "coisas muito interessantes que entretanto sairam", como novos estudos e biografias.
"Há uma coisa de que falo muito pouco [na primeira biografia] e é importante, que é informação sobre a mãe de Amílcar Cabral. É uma das coisas que acrescento".
Relativamente à morte do líder revolucionário, que foi assassinado aos 49 anos, reconhece que "ainda há grande mistério em torno das circunstâncias em que morreu", mas sublinhou que o preocupa mais a questão de "como se oferece um retrato melhor".
Por isso, a nova biografia de Amílcar Cabral procura abarcar as suas diversas facetas, "o Cabral agrónomo, pai, marido, nacionalista... tudo isso faz parte da complexidade do ser humano"."
"Um dos grandes problemas [das biografias] é apresentar o homem de forma unilateral, focando apenas uma faceta. O que eu tento fazer aqui é apresentar uma figura muito complexa", afirmou.
António Tomás adiantou ainda que "há uma parte teórica" que gostava de fazer "nesta versão portuguesa, que é a forma como Cabral tem sido usado em estudos pós coloniais".
"A forma como Cabral tem sido revitalizado pela esquerda portuguesa é algo que gostava de perceber bem, qual é o uso de Cabral em Portugal, de que forma é que lendo Cabral ajuda a compreender a colonização ou o fim do colonialismo português", disse o biógrafo.
Também "o uso de Cabral para se pensar o colonialismo, as segundas e terceiras gerações de origem africana em Lisboa, no atual contexto, são ideias que enformam a cabeça de quem vai escrever a biografia", acrescentou.
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