Coala: A mescla de sotaques que foi uma ode aos artistas lusófonos

Do samba ao fado, a primeira edição do Coala Festival Portugal juntou artistas dos vários países de língua portuguesa. Falámos com Rubel e Baiana System e fomos perceber em que consiste, afinal, este novo festival que se instalou em Cascais.

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© Coala Festival Portugal

Tomásia Sousa
03/06/2024 03:54 ‧ 03/06/2024 por Tomásia Sousa

Cultura

Coala Festival Portugal

Não sabemos se é do sangue brasileiro, dos ritmos do samba ou do Carnaval, mas quem nos dera a todos passar dos 80 anos com a energia, presença e vivacidade de Jorge Ben Jor e de Gilberto Gil em palco.

Ambos foram cabeças de cartaz da primeira edição do Coala Festival Portugal que decorreu este fim de semana, 1 e 2 de junho, em Cascais. 

Para o primeiro, autêntica lenda da música brasileira, foi um regresso ao Hipódromo Manuel Possolo, onde já tinha atuado no Cooljazz, em 2022. Desta vez, em quase duas horas de concerto, mobilizou o mar de gente que preenchia o recinto, enquanto apresentava alguns dos seus maiores sucessos, de 'Salve Simpatia' a 'País Tropical' e 'Obá lá vem ela'. 

O artista carioca, cujo repertório passa pelo samba, funk, rock e elementos da cultura afro-brasileira, viajou pelos seus 60 anos de carreira e mostrou-nos como usa a música para transmitir uma mensagem de otimismo e celebração.

"Vocês são demais, vocês são uma simpatia", gracejou Jorge Ben Jor, não sem antes cantar de novo: "Bora animar a festa" - aquilo que sabe, de resto, fazer de melhor (mesmo quando 'Chove chuva') - um dos seus versos mais icónicos e cativantes.

No domingo, Gilberto Gil abriu as hostes com 'Tempo Rei', viajou por alguns dos seus maiores sucessos e mobilizou uma legião de fãs - talvez a maior dos dois dias de concertos - para a frente do palco principal. O que talvez não esperava era uma enorme comunidade brasileira e uma massa de portugueses cada vez maior, que o soube acompanhar em coro em êxitos como 'A novidade', 'Vamos fugir' e 'Palco' - e tantos temas que marcam os seus mais de 60 anos de carreira.

Presença assídua nos palcos portugueses, Gilberto Gil respondeu à multidão que gritava "Gil, eu amo você", garantindo que "o amor é recíproco".

O artista que canta "Ó mundo tão desigual, tudo é tão desigual / De um lado este carnaval, de outro a fome total" era um dos nomes mais esperados do festival por onde passaram precisamente muitas mensagens de cariz social e cultural.

 "O Coala está comemorando o aniversário na Europa"

Não é de estranhar que Portugal tenha sido o país escolhido para internacionalizar o Coala Festival, que surgiu há 10 anos no Brasil com a proposta de ser um grande palco para a nova música brasileira. Agora que 'aterrou' em Cascais, juntou ritmos de vários países de língua portuguesa num só espaço - como uma manta de retalhos, que misturou sotaques, culturas e tradições.

"O Coala surgiu no Brasil em 2014, numa época em que a nova música brasileira estava muito apagada. Tínhamos muitos festivais de música internacional, Woodrock e tinha uma cena incrível na música independente acontecendo, que não tinha espaço nos grandes festivais nem na grande media. E o Coala surgiu com esse propósito de ser um grande palco para a nova música brasileira", explicou ao Notícias ao Minuto Gabriel Andrade, fundador do Coala Festival.

Temos feito isso há 10 anos, só que o contexto todo mudou com o streaming, a internet, o Youtube, o Instagram, e essas bandas que eram super nichadas há dez anos atrás, hoje já são bandas grandes; por exemplo, o Tim Bernardes tocou na primeira edição do Coala, há 10 anos, o Rubel, Bala Desejo, enfim, várias bandas que hoje têm alguma projeção aqui em Portugal também", acrescentou.

Com o "sonho de internacionalizar o festival", Portugal foi para Gabriel e para a sua equipa "o lugar mais óbvio" pela conexão cultural. E ao atravessar o oceano, o fundador achou que "não faria sentido ignorar a cena local e o contexto cultural de Portugal, onde essas culturas dos países de língua portuguesa coexistem". Assim sendo, agora que atravessou o oceano, o Coala pretendeu reunir alguns dos grandes nomes da música lusófona num só cartaz.

A receptividade da autarquia de Cascais foi, segundo Gabriel Andrade, o "casamento perfeito" e a expectativa é que o Coala consiga "criar uma identidade, uma marca, uma experiência tão incrível que permita" que o mesmo se repita por "muitos mais anos".

"A gente brinca que o Coala está comemorando o aniversário na Europa, mas os últimos 10 anos a gente manteve esse DNA de referenciar os grandes nomes da música brasileira e abrir caminhos para a nova geração. A gente sintetiza a transição do século XX para o século XXI, o que é a música brasileira para o século XX, o que é a música brasileira para o século XXI. A gente já recebeu os principais nomes da música brasileira: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Jorge Ben Jor, Novos Baianos, Ney Matogrosso, enfim, acho que todos, faltam poucos que ainda não tocaram no Coala - e também trouxemos muitos artistas que estavam no início de carreira, muitas vezes no primeiro disco, e fazendo esse trabalho de construção dos novos headliners, de mostrar para o público quem são os novos músicos que vão carregar a herança da música brasileira para o século XXI", conta ainda o fundador.

A ideia é fazer o mesmo em Portugal: "Acho que a mesma transição de misturar tradição e vanguarda que a gente faz lá se aplica aqui também", conclui.

Cada um dos dias desta primeira edição contou com cerca de 10 mil pessoas. Na sua edição no Brasil, o Coala costuma contar com 15 mil festivaleiros por dia.

Brasil, Portugal e África: Cascais viveu uma sinfonia de sotaques

Carminho trouxe o fado a esta mixórdia de estilos musicais. A voz inconfundível da cantora chegou com o pôr do sol, mas foi com 'Meu amor marinheiro' - já depois de se fazer noite - que arrancou o mais prolongado e energético aplauso da multidão. E, depois, replicou-se: com 'Fado é amor', 'Os rouxinóis do Mondego' e 'Levo o meu barco no mar'.

Há um lado machista no fado com que eu não me identifico e que, como artista, a minha obrigação é trazer aquilo que eu gosto, aquilo que me representa, e deixar para trás aquilo que, no fado, já não me representa", explicou a fadista em palco.

Na véspera, Baiana System ocuparam o mesmo horário com um espetáculo vibrante. Com um repertório repleto de influências culturais e sonoras, do samba-reggae, ska, MPB ao afrobeat (entre outros), Baiana explora todas as possibilidades da guitarra baiana, mas traz um espetáculo que é mais que tudo isso: junta várias linguagens para traduzir em arte os pensamentos que passam por expressões culturais, políticas e sociais. Os instrumentos, os vídeos que surgem entre os temas, a poesia e os textos ajudam a contar essa história.

'Sambaqui Show', a digressão que trazem agora à Europa - depois de Cascais, seguem para  Madrid, Barcelona, Londres, Amesterdão, Berlim, Dublin e  Zurique  -, é uma "síntese" dos 15 anos de existência do grupo brasileiro: "Tem tudo ali numa coisa que nunca está estática, está sempre em construção", explica ao Notícias ao Minuto o guitarrista, Roberto Barreto. "Dificilmente fazemos algo estático: encerrar um show e começar outro completamente diferente, eles meio que vão se fundindo. Este 'Sambaqui Show', especificamente, foi um show que a gente apresentou a 2 de julho do ano passado, que é a data da independência da Bahia. E o nome Sambaqui representa essas, como se fossem esculturas ou depósitos de informações de coisas que aconteceram em todo o litoral brasileiro. É como se fosse uma coisa orgânica, viva, que vão depositando até ficarem gigantes, então esse Sambaqui era tudo o que era processado em todo o litoral brasileiro", refere.

E se o grosso do público que os acompanhará na digressão que agora começa será da comunidade brasileira a viver fora, há também cada vez mais público estrangeiro a acompanhar a banda. 

"Para a gente é muito importante fazer esse tipo de coisa, porque a gente volta para o Brasil nos entendendo de outra forma", conclui Roberto Barreto.

"O povo português tem uma relação muito profunda com a palavra"

Embora (quase) tudo nesta edição do Coala tenha sido uma novidade, Rubel é um dos artistas para quem este festival é 'casa' - atuou na edição de 2018 e, em 2022, atuou ao lado de Tim Bernardes e Gal Costa, naquele que acabaria por ser o último da cantora, que morreu no mesmo ano.

"Foi dos momentos mais importantes da minha carreira, eu tenho um carinho muito grande pelo festival", conta o cantor, em conversa com o Notícias ao Minuto.

Rubel, que ganhou notoriedade em 2015, ao lançar o videoclipe da canção 'Quando bate aquela saudade', apresentou agora o terceiro álbum, 'As palavras' [2023], que se divide em dois volumes, mistura vários géneros musicais e debruça-se sobre o contexto do Brasil nos últimos anos. 

"Esse terceiro álbum tem uma vontade maior de explorar temas que são para além da minha história individual e da minha experiência subjetiva e eu queria muito olhar para fora de mim, especialmente olhar para o que estava a acontecer no Brasil naquele momento, tanto em termos de música como em termos do cenário do nosso país. Acabei por fazer uma longa pesquisa sobre o Brasil e me apaixonando muito pelo pagode, pelo samba, pela música brasileira contemporânea", revela.

Esse disco vem de uma vontade de falar sobre o meu amor e o meu encantamento pela música brasileira e eu acho que ele é muito diferente porque os meus discos anteriores são mais pessoais, mais íntimos."

Não sendo também uma estreia nos palcos portugueses, Rubel conta que o público português sempre o recebeu muito bem e revela a sua principal particularidade.

"Eu amo o público português, sempre me recebeu muito bem, os shows sempre foram muito cheios e as pessoas muito interessadas, o povo português tem uma relação muito profunda com a canção - melodia e letra -, tem um cuidado muito grande com a palavra, sinto que isso me liga muito ao público português", afirma, revelando ainda que a artista portuguesa com quem gostaria de fazer uma colaboração seria Maro.

Pelo palco principal passaram também, no primeiro dia, Pongo, Eu.Clides e Rita Vian e, no domingo, a cantora cabo-verdiana Mayra Andrade e a brasileira Céu.

Já o palco secundário, o Club Coala, contou com as atuações do Dengo Club, Pedro Bertho, ZenGxrl, Caroline Lethô, Tysn e Robles, no sábado, e houve um um B2B de Patife com Riot e atuaram também VanyFox, Shaka Lion, King Kami, Danykas e El Nando no domingo.

Veja, na galeria acima, as imagens dos artistas que passaram pelo palco do Coala.

Leia Também: Jorge Ben Jor e Gilberto Gil atuam hoje e domingo em Cascais

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