Integrada no 'Projeto Madrugada', a exposição itinerante 'Quando a cidade ainda dorme' - que a partir de hoje pode ser vista no Espaço CLIC-LX, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa - é uma iniciativa do gabinete de intervenção local da Gebalis na Alta de Lisboa que retrata residentes nos bairros municipais desta zona.
Em conversa com a Lusa antes de mais uma inauguração da exposição (que já esteve patente em outros dois locais da cidade), Mikaella Andrade, responsável da Direção de Intervenção Local da Gebalis, explica que a iniciativa pretende "prestar uma homenagem" a pessoas que "passam muitas vezes invisíveis" e que, "desafiando o frio, o cansaço, a escuridão" (como destaca o folheto da exposição), prestam "um grande contributo para o desenvolvimento da cidade".
Paula da Silva, 53 anos, é uma das retratadas e apresenta-se como "uma pessoa trabalhadora".
Na fotografia, reconhece o ar cansado de um dia cheio de trabalho: seis às nove, dez à uma, uma e meia às seis, primeiro numa firma de limpezas, depois em "casas de senhoras" em vários pontos da cidade.
"Já tinha feito muitas horas", recorda, em conversa com a Lusa, esta lisboeta, mãe de seis e avó de 15.
Em casa, onde vive com marido, filha, genro e duas netas, todos se levantam muito cedo. O descanso é só ao domingo e "corrido".
Na Ameixoeira, onde vive, muita gente se levanta cedo.
As casas "são boas", mas a segurança no exterior "tem dias". Agora, quando sai para trabalhar, Paula não tem "tanto medo", até porque não vai sozinha, "mas houve uma altura em que havia muitos assaltos" na zona.
Hesita um pouco na resposta quando se lhe pergunta se gosta de viver no bairro.
"Agora já melhoraram um bocadinho, estiveram a fazer obras, [...] a parte de cima, quando a gente passa[va], não tinha luz, já puseram candeeiros, já fizeram umas escadas, antes tinha pouco acesso para a gente ir apanhar os autocarros, e fizeram uma estrada nova, porque dizem que vai lá passar autocarros, mas... ainda falta muita coisa", diz.
Os transportes ou faltam ou estão "muito cheios", aponta.
"São muitas pessoas a apanhar transporte a essa hora. Dantes só se via mulheres, mas agora não, já se vê também homens a apanhar a essa hora", observa, estimando que tenha aumentado a população que acorda de madrugada para ir trabalhar.
Ainda assim, Paula reconhece que a sua vida "melhorou muito". Realojada na zona agora conhecida como Alta de Lisboa quando tinha três anos, depois de sair da barraca onde vivia com os pais em Moscavide, salienta: "De uma barraca para uma casa sempre é melhor a casa".
Inserido nas iniciativas de proximidade da Gebalis, o 'Projeto Madrugada' entrevistou e fotografou outras nove pessoas residentes na Alta de Lisboa, que trabalham em hospitais e outros serviços públicos, na limpeza, jardinagem, recolha de lixo, e têm em comum "a grande paixão" pelas suas profissões.
"Quisemos realmente perceber quais são as suas origens, quais são as suas rotinas, porque, na verdade, estes horários também acabam por condicionar bastante toda a dinâmica familiar e, portanto, quais os seus interesses, de que forma é que adaptam a vida familiar a estas suas rotinas de trabalho, tão desfasadas do normal, do que é o comum dos habitantes", reflete Mikaella Andrade.
A iniciativa quer destacar o "património humano", assinala, observando que a Gebalis não gere apenas a reabilitação das casas, tendo como "missão principal" promover o "desenvolvimento comunitário dos territórios e das pessoas".
Recordando que a Gebalis gere 69 bairros, 66 dos quais em Lisboa, num total de aproximadamente 23 mil habitações, a responsável sublinha que o investimento em iniciativas comunitárias deste tipo acaba "por acrescentar valor" e promover a igualdade de oportunidades.
"O que se pretende é que, de facto, os bairros municipais sejam diluídos na cidade", realça, reconhecendo que "há sempre questões a melhorar". Mas, "desafios existem na cidade, nestes bairros e noutros", acrescenta.
A Gebalis não descarta a hipótese de replicar o 'Projeto Madrugada' noutros bairros, esperando poder "continuar a exposição itinerante pela cidade" em 2025. Até lá, poderá ser visitada no espaço da Santa Casa até dia 31.
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