"Sensorianas", a nova obra, surgiu no âmbito do novo programa "Outros Mundos" dos Estúdios Victor Córdon, sobre comunidades migrantes residentes em Portugal -- que a cada dois anos escolherá um coreógrafo e um país tema. O diretor dos estúdios, Rui Lopes Graça, optou pelo Irão e convidou Clara Andermatt para a primeira edição.
A peça de dança "é uma celebração à mulher, à dança e à riqueza poética em todos os sentidos da cultura persa, que é impressionante", sublinhou a artista em entrevista à agência Lusa, depois de meses de descoberta de um país, "praticamente desconhecido da maioria dos portugueses".
"Um país e uma cultura muito distante e desconhecida para mim, mas agora menos", disse, comentando que as notícias que chegam a Portugal são "apenas uma parte, redutora e bastante distorcida" do Irão, lembrando o habitual foco noticioso ligado aos conflitos no Médio Oriente e as acusações internacionais de violação de direitos humanos, nomeadamente em relação às mulheres, por parte das autoridades e do poder político.
Neste contexto, foi com "alguma apreensão" que Clara Andermatt abraçou o projeto, vendo nele, ao mesmo tempo, "uma oportunidade" de aprofundar a imagem daquela cultura e, ao mesmo tempo, "criar pontes e relações" entre povos e países.
"Comecei logo um processo de investigação, com a clareza inicial de não me envolver em assuntos políticos ou empunhar uma bandeira", disse, mas também ciente de que o Irão "é um país cheio de contradições e paradoxos".
O resultado foi uma reflexão sobre aspetos de vida quotidiana, da liberdade e da diversidade cultural reinterpretando dança, poesia e música do Irão.
Pela primeira vez a criar um trabalho inspirado numa cultura bastante distante da portuguesa, depois de alguns trabalhos com a identidade cabo-verdiana, Andermatt sentiu necessidade de investigar "todas as frentes e não um só ângulo" da cultura.
"Porque a dança, a alegria, a beleza e a vida existem. Temos de perceber onde estão o respeito, os valores e a liberdade, mas também ver todo o outro lado de grande riqueza, sentidos pela população com intensidade", salientou.
Na opinião da coreógrafa, cujo percurso foi alvo de um documentário estreado este mês com coprodução da RTP, o mundo está a viver "um momento importante para este tipo de projetos de encontros culturais que aproximam as pessoas".
O programa envolveu contactos com a comunidade iranina em Portugal e, para isso, a equipa de Andermatt deslocou-se a vários pontos do país para se encontrar e entrevistar cerca de duas dezenas de pessoas.
Iranianos e iranianas de várias gerações e profissões deram o seu depoimento à coreógrafa, que contou ainda com o contributo de uma bailarina iraniana que vive nos Países Baixos e que estará em palco com mais quatro bailarinas portuguesas.
"Eu tinha esta certeza de querer tratar o universo feminino e de ter uma bailarina iraniana na peça", disse sobre Helia Bandeh, de uma geração diferente das outras intérpretes - uma bailarina profissional da dança clássica persa, com conhecimento da cultura e das danças tradicionais, que tem feito "trabalho de recolha ao longo de anos".
A criadora ressalvou que este trabalho "não procura abarcar a imensidão da cultura persa, mas sim propor uma visão subjetiva, um olhar curioso e interessado para uma realidade muito diferente da portuguesa".
Andermatt vincou que "Sensorianas" não é uma reprodução de danças e músicas tradicionais daquele país, mas um olhar contemporâneo e pessoal da coreógrafa nascida em Lisboa, em 1963, e com companhia de dança própria desde 1991.
Através do contacto com a diáspora iraniana em Portugal -- cerca de 1.500 pessoas dispersas por Lisboa, Porto, Coimbra e Algarve -- "foi possível descobrir a grande riqueza da música, dança e poesia" do país.
Sobre as palavras mais marcantes que ouviu dos imigrantes iranianos em Portugal, Clara Andermatt disse ter recebido respostas unânimes quando perguntou o que queriam ver no espetáculo sobre o seu país de origem.
"Todos eles disseram que gostariam de ver retratado um país diferente do que é mostrado nos media. Nota-se, obviamente, uma saudade da sua terra, e uma consciência do que se passa lá, mas, ao mesmo tempo, têm um grande amor pela própria cultura. Isso é muito claro. Sentem um grande orgulho na riqueza cultural que lhes pertence", disse a coreógrafa à Lusa.
Quanto ao nome escolhido para a peça, "surgiu de pesquisas interiores e intuitivas" de Clara Andermatt: "É um nome muito feminino e vai bem na direção da sensibilidade".
"Sensorianas", a nova coreografia, tem estreia marcada para 31 de janeiro no Teatro Camões, em Lisboa, onde também será apresentada no dia seguinte, 01 de fevereiro. Seguirá depois em digressão, primeiro para Guimarães, para se apresentar no Festival GUIdance, a 13 desse mês.
Com interpretação e colaboração criativa de Beatriz Valentim, Helia Bandeh, Leonor Alecrim, Maria Fonseca e Rita Carpinteiro, e direção musical de João Lucas, a digressão nacional continuará por cidades como Aveiro (05 de março), Loulé (29 abril) e Viseu (16 de maio).
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