A iniciativa foi organizada pela direção do MNA, encerrado ao público desde abril de 2022 para obras de conservação e remodelação no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no valor de 32,69 milhões de euros, cuja primeira empreitada, de escavações arqueológicas no interior, deverá começar em fevereiro.
O programador cultural António Pinto Ribeiro, um dos convidados para a moderação do painel "Coleções, Política e gestão", elogiou o projeto para o MNA, cujo programa museológico a Lusa noticiou na quarta-feira, e que tem estado a ser apresentado e debatido desde a manhã, "de forma aberta e democrática", com as portas abertas até às 19:00 para quem estiver interessado em contribuir com ideias.
O investigador considerou o documento positivo, sustentado com "argumentação e dados particularmente credíveis" para os planos de intervenção e programas museológicos quando o museu reabrir, depois da remodelação integral do interior.
"As prioridades do museu reclamam uma autonomia, mas o primeiro problema e a grande limitação que condiciona este manifesto e a sua execução é que a gestão nos seus vários níveis está à partida amputada por não ter uma autonomia financeira que se traduziria na atribuição de um número fiscal", opinou o ex-diretor artístico de instituições como a Culturgest e a Fundação Calouste Gulbenkian, referindo-se a uma antiga reivindicação de muitos diretores de museus nacionais.
Afirmando que, do seu ponto de vista, esta falta de um número fiscal "é uma enorme limitação à execução de todos os programas museológicos", o especialista lembrou que "algumas experiências têm resultado bastante bem".
"Os museus e os seus diretores são, à partida, suspeitos. Ainda que um hipotético crime de má governação ou corrupção não tenha acontecido, os diretores têm, à partida, a necessidade de apresentar o ónus da prova, o que é absurdo", criticou o investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
"Não há nenhuma autonomia real enquanto esta situação não for corrigida", opinou, perante uma audiência onde se encontravam o presidente da Museus e Monumentos de Portugal, Alexandre Pais, o presidente do instituto Património Cultural, João Soalheiro, e o anfitrião da iniciativa, António Carvalho, diretor do MNA.
Para o investigador, esta "autonomia amputada", traz, como consequências, "a desconfiança entre o museu e a tutela, dificuldade de gestão diária e, a longo prazo, disputa na museologia internacional, lentidão improdutiva na gestão e impeditivo ao incentivo do mecenato local".
Por outro lado, sobre a gestão das coleções, o também curador de arte contemporânea, sugeriu que o museu realize "um debate continuo e duradouro sobre o que é a arqueologia hoje em dia, o que é um museu nacional, como se define património e investigação, tendo sempre como pressuposto que o passado está sempre presente".
No seu entender, esta reflexão "implica decisões sobre as revisões das histórias, das narrativas, da terminologia que se reflete nas legendas e catálogos" das exposições, implicando também "a eventual devolução de obras aos seus legítimos proprietários".
Igualmente convidada a falar no painel, Ana Pinho, atual presidente do conselho de fundadores da Fundação de Serralves, no Porto, falou igualmente na necessidade de autonomia das instituições para incentivar o aumento das receitas de bilheteira e fazer crescer os meios próprios para a sua atividade.
Recordando a experiência de Serralves no aumento e diversificação de públicos através da realização de grandes eventos ao ar livre, que também chamam visitantes não habituais às exposições, a gestora comentou: "As pessoas têm cada vez menos tempo e é preciso encontrar formas de as atrair".
Referiu que Serralves passou, nos últimos nove anos, de 500 mil visitantes para 2,25 milhões em 2024.
De acordo com as estatísticas oficiais, o MNA, por sua vez, registou 91.437 entradas, em 2021, num aumento de 22,5% face ao ano anterior (74.646), beneficiando do aumento progressivo dos visitantes no Mosteiro dos Jerónimos, onde se encontra instalado, na ala oitocentista, voltada para a Praça do Império, em Belém.
"São duas instituições muito diferentes, mas acho importante destacar essa necessidade comum de atrair públicos diversificados, investir no digital e preservar a sustentabilidade ambiental, social e financeira, através de rigor orçamental e busca de fontes de financiamento", disse Ana Pinho.
Na sessão para acolher ideias sobre o futuro do museu - muito elogiada por ser aberta ao público - foram raras as perguntas enviadas 'online' durante a manhã, e poucas as intervenções dos cerca de meia centena de especialistas presentes.
Da assistência, o professor Carlos Fabião, do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, deixou uma sugestão: "O fio condutor da futura exposição do MNA deveria funcionar de uma forma reiterada com o conceito de identidades mestiças, porque é disso que se trata quando olhamos para a diacronia da sociedade portuguesa".
"Os pré-romanos, os romanos, os godos, os islâmicos são portugueses", afirmou, sobre os povos e culturas que passaram pelo território português e nele se fixaram ao longo dos tempos.
Na essência, "o conceito de identidades mestiças é o conceito base para conduzir uma [futura] exposição do Museu Nacional de Arqueologia no século XXI", defendeu o professor.
Nesta iniciativa de diálogos com a sociedade promovida pelo MNA estão previstas mais duas sessões, uma para apresentar o projeto de arquitetura e outra para a proposta expositiva, com datas ainda a definir pela organização.
Leia Também: Ex-DGPC deixou caducar processo de classificação da obra de José Afonso