A opinião de Gonçalo Almeida: A FIFA e respetiva evolução legislativa

O espaço de opinião de Gonçalo Almeida no Desporto ao Minuto, no qual o ex-advogado FIFA analisa os temas que marcam a atualidade do ponto de vista do direito desportivo.

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Gonçalo Almeida
11/12/2020 15:12 ‧ 11/12/2020 por Gonçalo Almeida

Desporto

Gonçalo Almeida

Como é do conhecimento generalizado e à semelhança do que sucede com a esmagadora maioria das modalidades desportivas (senão mesmo com todas elas!), também no futebol, os treinadores assumem um papel preponderante, encontrando-se não raras vezes no centro das atenções e sob o escrutínio atento da comunicação social, já para não mencionar, claro está, dos adeptos, sejam eles entendidos ou não na arte do treino.

Sucede que enquanto figura de enorme relevância desportiva desde longa data, os treinadores de futebol ainda carecem, inexplicavelmente, de um quadro jurídico internacional capaz de lhes assegurar a necessária proteção jurídica de que os jogadores de futebol desde há muito usufruem e de que os clubes de futebol praticamente “sempre” beneficiaram no que respeita à legislação desportiva propriamente dita.

Com efeito, desde Setembro de 2001 que a FIFA, por intermédio do seu Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores (Regulations on the Status and Transfer of Players – “RSTP), nomeadamente no seu Capítulo IV, aborda a questão basilar da estabilidade contratual entre jogadores (profissionais) e clubes, estabelecendo um conjunto de regras essenciais no âmbito das respetivas relações laborais e inerentes litígios com dimensão internacional. 

Sucede que, à míngua de legislação para regular relações laborais especificamente envolvendo treinadores (principais e adjuntos), tem a Comissão do Estatuto do Jogador da FIFA e o respetivo Juíz Singular, assim como o próprio Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne (CAS), adotado os referidos Regulamentos FIFA para dirimir litígios laborais envolvendo esta classe, socorrendo-se destes, por analogia. Solução inicialmente de recurso, mas que se tem eternizado, sem aparente razão válida, até porque a relação laboral entre treinadores e clubes/associações é efetivamente distinta daquela que envolve jogadores, sendo que determinados aspetos práticos exigem uma legislação mais especifica, nomeadamente, no âmbito da resolução antecipada dos contratos de trabalho desportivos em que, com alguma frequência e contrariamente ao que sucede com jogadores, os incumprimentos não são de natureza financeira. 

Com efeito, uma das principais questões que afetam os litígios de natureza laboral opondo treinadores a clubes/associações é precisamente a inexistência de um quadro regulamentar internacional diretamente aplicável e que responda, com a devida segurança e assertividade, às especificidades desta relação laboral. Realidade que atestei em inúmeros processos que correram termos junto dos órgãos jurisdicionais da FIFA e CAS, destacando, entre outros, por serem do conhecimento público, aquele que opôs a Futebol Clube do Porto – Futebol SAD ao treinador Jacobus Adriaanse, o que opôs o selecionador nacional Jorvan Vieira à Federação Iraquiana de Futebol (por incrível que pareça, logo após ter vencido a AFC Asian Cup, equivalente na Ásia ao Campeonato Europeu - Euro) ou, mais recentemente, aquele que opôs toda a equipa técnica do Professor Jesualdo Ferreira ao clube Egípcio Zamalek Sports Club.

Assim, as novas regras prender-se-ão objetivamente, entre outros aspetos, com a proteção da estabilidade contratual, a transparência contratual na relação laboral e, não menos importante, o cumprimento das condições remuneratórias contratualmente estabelecidas. À definição do conceito de “treinador”, como alguém que desempenha funções relacionadas com a formação e seleção de jogadores de futebol, bem como com os aspetos táticos próprios da modalidade, acresce clarificar a forma dos contratos de trabalho, nomeadamente através da inclusão dos seus elementos essenciais característicos. E a tudo isto, propõe-se ainda a FIFA, e muito bem, no âmbito da referida estabilidade contratual, acrescentar normas específicas quanto aos diversos cenários de rescisão contratual e respetivas consequências. 

No próximo artigo, salvo eventual acontecimento de última hora que possa “exigir” uma abordagem imediata, tenciono debruçar-me sobre um outro tema, o qual, pela sua relevância e urgência, é igualmente merecedor da atenção legislativa da FIFA: O futebol feminino.

E é nesse preciso contexto, que considero esta concreta atenção legislativa por parte da FIFA, publicamente anunciada no dia 18 de Novembro e aprovada pelo seu Conselho na passada sexta-feira, como sendo deveras louvável, constituindo um sinal claro de uma evolução positiva e de uma mudança de paradigma que a referida instituição de Direito privado Suíço tem vindo a consagrar de forma praticamente transversal, tal como sucede, a título meramente exemplificativo, também relativamente à atividade de agenciamento, já com um novo Regulamento na forja. Mais julgo ser perfeitamente justo sublinhar-se, ao contrário do sucedido com as anteriores administrações da FIFA, que a atenção dedicada por esta administração a estas e outras matérias igualmente fundamentais, revela uma elevada lucidez e humildade por parte deste organismo, com o propósito de se atualizar e assim responder positivamente às necessidades da modalidade.

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