O Grasshoppers garantiu no final do passado mês de maio o título de campeão na segunda divisão suíça, carimbando o regresso do histórico conjunto ao convívio dos grandes do futebol helvético, depois de ter descido em 2018/19.
O feito do emblema da cidade suíça de Zurique ganha ainda maior revelo por no seu plantel estarem, na sua maioria, jovens cuja formação foi quase toda feita na Suíça, mas também pela presença de vários jogadores de nacionalidade portuguesa.
Miguel Nóbrega, Tote Gomes, André Santos, Nuno da Silva, Nuno Pina, Ponde e André Ribeiro foram campeões ao serviço do Grasshoppers, e para esse feito muito contribuiu a liderança do também português João Carlos Pereira, que acabaria por ser despedido a dois jogos do final da época.
André Santos é um dos elementos mais experientes do plantel. Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o internacional português fala sobre como decorreu a época na Suíça, mas também aborda a sua longa ligação ao Sporting, clube onde fez quase toda a formação.
Por fim ficava sempre no Sporting. Mas não foi isso que aconteceu
Conquistou um título e consequente subida de divisão ao serviço do Grasshoppers. Como é que correu a época?
A época foi diferente das outras. Começou mais tarde, foi mais curta, e por ser menor foi mais intensa também. Não queria muito ir para uma segunda divisão, mas quando vi o projeto, e vi que era bom, decidi ir. A nível pessoal foi bom, fiz muitos jogos. O campeonato é distinto: são quatro voltas e há muitos relvados sintéticos. Acabou por ser uma época muito positiva. O mais importante foi ser campeão e ter conseguido a subida. Quando fui para lá o objetivo era apostar tudo para no ano que vem estar na Primeira Liga.
E como surgiu a oportunidade para rumar à Suíça?
Foi através de um empresário da Gestifute, o João Camacho, que já conheço há muitos anos. É um projeto [do Grasshoppers] que eles conhecem bem. Entretanto, o João ligou-me a perguntar se eu tinha interesse nisso, que era um clube grande e histórico, que queria voltar à Primeira Liga e que tinha sido comprado há pouco tempo. Na altura fiquei um pouco reticente porque a segunda divisão não era o que eu queria e porque não é o meu estilo de jogo. Estou mais habituado a jogar em primeiras ligas, mas decidi arriscar pelo projeto, e pela pessoa que me o apresentou. Devido à Covid-19, eu estava livre e não queria ir para um país mais desorganizado. E a Suíça tem grandes condições. Pensei nisso na hora de tomar a minha decisão.
O Grasshoppers é um clube de segunda divisão. Como são as infraestruturas de apoio?
Posso dizer que em Portugal há poucos clubes como o Grasshoppers. Só Benfica, FC Porto, Sporting, Sporting de Braga e Guimarães. O Grasshoppers está ao nível deles. Tem uma pequena academia com campos relvados e sintéticos, com muitos miúdos da formação, com todas as condições, ginásio e bons balneários. É uma coisa que aqui em Portugal não se apanha em outros clubes de menor dimensão. Mesmo na I Liga, em Portugal, muitas equipas não têm estas condições. A nível de condições, o Grasshoppers é um clube grande na Suíça, que tem mais títulos.
André Santos participou em 36 jogos do Grasshoppers na última época© Getty Images
E não teve receio em dar um passo atrás ao ir da I Liga para a segunda divisão?
O campeonato ia ser mais curto e eu já sabia disso. Íamos jogar mais vezes à sexta-feira e terça-feira, pelo que o campeonato iria terminar mais rápido. Claro que pensei muito nisso. Mas meter na balança esperar por um país que pagam mais, como a Turquia ou na Arábia, e com esta situação da Covid-19 que ninguém sabia bem… Meti tudo na balança, e mesmo sendo a segunda divisão, já estava definido que o objetivo era subir e que as condições na primeira divisão também melhoravam para mim. Foi uma aposta. Podíamos não ter subido, mas confiei em quem me falou no projeto. Sendo uma equipa grande, o normal é que suba. No ano anterior tinham tentado a subida, mas não conseguiram. Não é normal uma equipa grande não conseguir a subida. Sempre confiei que íamos subir de divisão.
A equipa tinha muitos portugueses, incluindo o treinador. Isso tornou a sua adaptação mais fácil?
Acaba por ser mais fácil claro. O treinador era português, mas na Suíça os jogadores falam todos inglês. É um país que se falam três línguas. A adaptação acaba por ser mais fácil por haver muitos portugueses. Andamos mais tempo juntos e o tempo passa mais rápido. Isso acaba por ser positivo para todos, e é sempre importante ter assim um grupo que era jovem. Era uma equipa jovem e humilde e sempre me trataram bem.
O André era um dos elementos mais velhos no plantel do Grasshoppers, que tinha muitos jovens nas fileiras. Acredita que os colegas olharam para si como uma inspiração dado os seus largos anos de experiência enquanto jogador?
Penso que sim. Quando cheguei lá, os capitães de equipa, todos miúdos novos, vieram logo dizer que me queriam meter no grupo dos capitães porque era mais velho e tinha mais experiência. Eu disse que sim. Iam sempre perguntando a minha opinião sobre as coisas. Como sabem que joguei muito tempo em Portugal na I Liga e que fui internacional AA, tinham respeito por mim. Sempre tive uma boa relação com eles. Eles levaram sempre em conta a minha experiência.
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E quais é que são os objetivos do clube para a próxima temporada? Certamente que apontam para a permanência…
Na Suíça o campeonato tem dez equipas. E lutar pela Liga Europa é muito fácil. Com poucos pontos tão perto se está da Liga Europa como da zona de descida. É tudo muito renhido. É claro que o objetivo das equipas todas é qualificarem-se para as competições europeias. Entram várias equipas [nas competições europeias], e como a competição tem poucos clubes, é claro que esse é um dos nossos objetivos, mas também de todas as outras equipas. Já aconteceu, por exemplo, o Servette subir de divisão, e no ano seguinte estar na Liga Europa.
Que campeonato podemos esperar então?
Nos últimos anos quem tem ganho sempre é o Young Boys. Há alguns anos quem estava melhor era o Basileia, mas nos últimos anos o Young Boys tem ganho com alguma margem. Eles são o candidato número um. Pelo que analisei, os pontos estão ali muito perto e acho que vai ser um bom campeonato.
E acredita que o Grasshoppers pode ser uma das formações surpresa na próxima época?
É um clube grande, com história e com bons adeptos. Não será bem uma surpresa porque é uma equipa grande. Ficando alguns colegas, e contratando bons jogadores, como penso que vão fazer, podemos fazer uma boa temporada.
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O André Moreira, com quem partilhou balneário na Belenenses SAD, assinou recentemente com o Grasshoppers, e vai ser seu colega na próxima época. Ele tirou algumas dúvidas consigo antes de assinar contrato?
É uma coisa normal perguntar isso quando vais para um clube onde tens alguém que conheces. Falei-lhe bem tanto do país, como do clube, dizendo-lhe que é bom e tem condições. Toda a gente sabe que no Belenenses SAD treina-se em campos, no Jamor, que não têm qualidade, assim como o relvado. Disse-lhe que era uma diferença muito grande. Ter uma academia com relvado e tudo junto é melhor. Depois foi uma decisão dele.
E acredita que não teve nenhuma influência nessa decisão?
Acaba por ter alguma influência porque se eu falasse mal do clube ele iria ficar de pé atrás, e podia até esperar mais. Se eu falar bem do clube, o jogador não hesita. Se me perguntou é porque queria saber informações. De outra forma, ele dizia logo ao empresário que não queria. Se me pediu informações era porque já estava convencido, e, ao saber que eu passei as melhores informações, acaba por ter alguma influência.
A sua vida profissional deu uma volta muito grande nos anos. Foi da Liga Europa à II Liga, rumou à Roménia, de novo à I Liga e e agora foi campeão da segunda divisão suíça. Tem sido uma viagem recheada de aventuras…
Sim, já passei por muitos momentos. No Sporting, no primeiro ano joguei sempre e no segundo menos, mas cheguei a ir à seleção AA. Depois houve uma fase não tão boa com uma experiência fora na Corunha que acabou por não correr tão bem. Tínhamos muitos portugueses, o clube a passar por dificuldades financeiras, outros problemas, e acabámos por descer. Depois vou para Guimarães, participámos na Liga Europa, onde fizemos bons jogos. Após isso surgiu a Turquia que era bom financeiramente, mas depois lesionei-me, a única vez na carreira, e houve também problemas porque o clube [Balikesirspor] deixou de pagar. Não me senti bem e saí para uma experiência do Metz, que tinha o Carlos Freitas como diretor desportivo, para subir de divisão. Estive também no Craiova, na Roménia. Já subi no Leiria no meu primeiro ano sénior em que estive emprestado. Já tive umas aventuras de subidas importantes e agora foi mais uma. As experiências que tenho tido fora foram positivas, tirando a Turquia em que me lesionei, deixaram de me pagar e fui embora.
André Santos já passou por 11 clubes enquanto futebolista profissional© Global Imagens
E prefere estas experiências em vários contextos do que que a estabilidade no mesmo clube, ou ainda não encontrou esse equilíbrio?
Eu por mim ficava sempre no Sporting [risos]. Mas não foi isso que aconteceu. Quando voltei da Corunha estava no último ano de contrato, e a maneira como trataram da minha situação não foi a melhor. Acabei por sair porque a vida do futebol é isto. Se não te querem tens de procurar outro clube. Foi isso que fiz. Por vezes estar sempre a alternar não é bom. Fiz duas boas épocas no Belenenses SAD. Decidi sair porque o futebol passa rápido, e em Portugal para se ganhar dinheiro, infelizmente, tem de se ir para o estrangeiro ou estar em equipas grandes. Não estando no Sporting, tem de se procurar o melhor. Temos de pensar também no nosso futuro.
E sente alguma mágoa por nunca se ter afirmado na equipa principal do Sporting?
Na segunda época fiz muitos jogos, mas não tantos como na primeira. Fiz dois golos na Liga Europa quando fomos às meias-finais. O meu melhor golo da carreira é nesse ano [ 2012] contra o Légia nos 16 avos de final. Fui à seleção também nesse ano. Os dois anos que estive no Sporting foram positivos. Foram dois anos bons. Tinha mais dois anos de contrato que foram diferentes porque tinha estado emprestado. Ficou uma mágoa da altura em que saí porque é o clube em que fiz toda a formação, em que cresci e passei muitos anos. Sou do Sporting desde que nasci. Sair do clube do coração custa sempre. Mas sempre quis o melhor para o Sporting, tanto que agora fiquei muito feliz quando foram campeões. Quando tinham sido campeões pela última vez eu ainda estava nos infantis e até tinha sido campeão nesse ano. Há a mágoa de ter saído, mas a paixão pelo clube mantém-se. A vida continua e tenho de pensar em mim, na minha carreira e no meu futuro. O futebol é a minha paixão e tem-me dado tudo na minha vida.
O André foi colega do João Mário na formação do Sporting, e ele acabou mesmo por ser campeão nacional este ano. Fica contente por ver estes jovens da formação a dar cartas no Sporting e serem campeões?
Fiquei muito contente. Apanhei o João na formação, é um grande jogador e muito humilde. Dei-lhe os parabéns. Também conheço o Palhinha que na altura chegou a treinar connosco na equipa A. Fiquei contente por eles e pelo Sporting. E claro que fico feliz por ver o Sporting ser campeão com muitos jogadores da formação. Isso é muito bom.
André Santos chegou ao Sporting em 2000, onde fez quase toda a formação© Getty Images
E é este o caminho que o Sporting tem de percorrer nos próximos anos para estar menos tempo sem alcançar o título de campeão nacional?
Claro. Qualquer clube que seja mais vezes campeão é melhor porque há mais dinheiro a entrar nos cofres, e vão acontecer mais vendas. Se o Sporting conseguir fazer sempre isso seria bom para todos os jogadores da formação porque vão continuar a apostar em jovens e vender. Isso é muito bom porque ver miúdos como o João Mário e agora o Nuno Mendes, que passaram toda a carreira no Sporting e ser campeão no clube, é o sonho de qualquer jogador que joga na Academia. Os miúdos também acabam por ter essa esperança de que pode ser mais fácil agora. Uma coisa é não ser campeão durante 19 anos, outra é sê-lo recentemente. Houve ali um grande trabalho, boas contratações de muitos portugueses do nosso campeonato onde há muita qualidade. Há que dar mérito ao Rúben Amorim que fez um excelente trabalho. Apostou nos miúdos, acreditou neles e colocou uma intensidade muito grande naquela equipa.
Chegou a ser adversário do Rúben Amorim quando este jogava no Benfica. Já na altura se notava que ele tinha um perfil que indicava que poderia ser treinador?
Só joguei contra o Rúben, nunca joguei na mesma equipa que ele, mas os jogadores comentavam que ele sempre foi uma boa pessoa. Gostava de brincar no balneário, aquele espírito muito típico português. Mas na altura ainda não dava para perceber se ele iria ser treinador ou não porque ainda tinha uma longa carreira pela frente. Como nunca tive oportunidade de o conhecer pessoalmente é difícil dizer isso.
E se hoje surgisse um convite para regressar ao Sporting, aceitava-o quase sem pensar no assunto?
Claro que sim. Seria um sonho regressar. Fiquei muito feliz este ano quando o João Pereira regressou. Sou amigo dele e vê-lo ser campeão deixou-me muito contente. Ficava muito feliz se recebesse um convite para regressar.
O João Pereira, que até foi seu colega de equipa do Sporting, foi integrado na equipa técnica dos sub-23. Acha que ele tem esse perfil para, um dia, liderar a equipa principal?
O João tem uma personalidade muito forte, é bom amigo, e não gosta de perder. Isso é bom porque vai incutir essa mentalidade vencedora nos jovens. Tem um grande carácter, gosta muito de futebol, e penso que tem condições para chegar a essa posição.
André Santos somou duas internacionalizações pela seleção nacional© Global Imagens
A sua carreira já passou por França, Roménia, Espanha, Suíça e Turquia. Depois da Suíça, segue-se uma nova aventura no estrangeiro, ou um regresso a Portugal?
Eu gosto muito de Portugal. Tenho aqui a minha família e amigos, mas neste momento não penso nisso. Não tive nenhuma oferta interessante e que me ofereça melhores condições do que as que tenho no Grasshoppers. Se aparecer alguma situação boa, é claro que analisava e via com bons olhos.
Conta com duas internacionalizações pela seleção AA de Portugal. Gostava de ter participado em mais jogos ou chegar à seleção é já um sonho cumprido?
Eu nesse ano [2011] estava nos sub-21 quando fui chamado a primeira vez. Não estava a contar. Fui a dois jogos e estive presente em muitos estágios da seleção, alguns deles de apuramento. Acabei por não entrar nesses jogos. Acabei por não estar nos escolhidos porque antigamente no banco não podiam estar 23 jogadores, ao contrário dos dias de hoje. Vivi sempre aquelas experiências de estar ali a treinar com eles, mas só não tive a oportunidade de jogar. Todos sonham com isso e foi um sonho estrear-me. Claro que gostava de ter jogado mais, mas quem é que não gostaria?
O André tem neste momento 32 anos. O que pensa fazer depois de colocar um ponto final na carreira como futebolista?
Quero estar ligado ao futebol, mas ainda não sei como. Também tenho estado ligado à imobiliária, uma vez que tenho investido em apartamentos. Do futebol nunca vou conseguir desligar. Gosto muito de futebol, mas não sei se vou ser treinador, dirigente ou empresário. Agora penso em dar o meu máximo como jogador e continuar a desfrutar.
E se no futuro surgisse a oportunidade de treinar o Sporting?
[Risos] Nunca pensei nisso, porque também nunca pensei em ser treinador de futebol. Mas se fosse treinador do Sporting ficava muito feliz porque é um clube que significa muito para mim. Sempre gostei do clube e sempre fui do Sporting. Ser treinador do Sporting era um sonho.
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