"No primeiro dia no Arsenal, o Cech perguntou: 'Que idade tens, mesmo?'"

João Virgínia precisou de pouco tempo na formação do Benfica para dar um grande salto na carreira rumo a Inglaterra, Integrou a formação do Arsenal, onde conviveu com grandes figuras do futebol, uma experiência que leva para a vida. Hoje, aos 22 anos, no seu terceiro empréstimo, procura regularidade para crescer e mostrar o seu valor, o que conseguiu no Cambuur, modesto clube dos Países Baixos.

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Tiago Antunes
18/10/2022 08:01 ‧ 18/10/2022 por Tiago Antunes

Desporto

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De Faro para o mundo. É assim que João Virgínia tem vivido a sua carreira de jogador de futebol. Aos 22 anos, leva três experiências fora de casa, uma em Portugal, outra em Inglaterra e, a mais recente, nos Países Baixos.

Saiu da casa dos pais aos 12 anos, quando foi em busca do sonho na formação do Benfica. Aos 16, rumou a terras de Sua Majestade, onde representou Arsenal, Everton e Reading. Desde cedo habituou-se a trabalhar com figuras do futebol mundial como Petr Cech ou até David Ospina. Hoje, em busca de regularidade entre os postes, vai trabalhando e vivendo a vida nos Países Baixos, onde veste a camisola do Cambuur.

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, João Virgínia contou como passou de Faro para o Seixal e, mais tarde, para o futebol inglês, a forma como a experiência em tenra idade moldou a pessoa que é e ainda como tem vivido a aventura na Eredivisie.

Tinha de procurar algo a qual não estou habituado, que é estar numa equipa de baixa tabelaQue está a achar dos Países Baixos?

Estou a gostar. A cultura dos neerlandeses é gira, eles andam de bicicleta para todo o lado, são muito à vontade, são desenrascados, têm um estilo de vida muito mais saudável que os ingleses, por exemplo. 

E a temporada? Como tem corrido?

Para mim, está a correr bem. O meu objetivo era este, era jogar. Tenho jogado bem, estou numa equipa com alguma dificuldade para ganhar jogo, mas foi um espetáculo o jogo contra o PSV, no qual ganhámos 3-0. Não estava à espera porque são os líderes do campeonato. Acho que está a correr muito bem. Pessoalmente, tem sido bom, em termos de equipa, estamos numa boa fase. As coisas parecem estar a melhorar.

É diferente jogar num Arsenal, num Everton ou num Sporting e, depois, entrar numa equipa numa realidade completamente diferente. Faz crescer o jogo.

Sim. Não tem nada a ver. Tinha oportunidade de ficar em grandes clubes, tenho contrato com o Everton, estava no Sporting no ano passado, mas o meu objetivo nesta época era procurar uma realidade diferente para jogar a 100%. Contudo, tinha de procurar algo a qual não estou habituado, que é estar numa equipa de baixa tabela, para o qual qualquer jogo é uma final, dos quais nunca se sabe qual será o resultado. Isso é que me faz crescer, a mim e a qualquer jogador da minha idade. É preciso este tipo de experiências para realmente aprender.

Notícias ao Minuto João Virgínia entrou na formação do Benfica aos 12 anos© Instagram João Virgínia

Toda esta aventura começou numa viagem de Faro até ao Seixal, quando foste para o Benfica.

Saí de casa com 12 anos. Jogava no Ferreiras, um clube perto de casa, mas havia uma escola do Benfica no Algarve que chamava os melhores do Algarve e do Baixo Alentejo para jogar. Fui selecionado para jogar lá durante um ano e, depois dessa fase, os melhores do país vão para o Seixal. Foi aí a primeira vez que saí de casa.

Foi um choque?

Acho que foi, mas, agora que me lembro, penso que estava a gostar do que estava a fazer. Estava no Benfica, num dos maiores clubes de Portugal, numa das maiores formações do país. Estava a adorar tudo e não ficava com saudades porque estava a seguir o meu sonho.

Que influência é que a passagem pela formação do Benfica, um clube com renome nacional e até internacional, teve na pessoa e no jogador que o João foi a partir daí?

Muita. Primeiro, sair de casa com essa idade faz crescer. Tornei-me mais independente no dia-a-dia. Em termos futebolisticos também porque, na altura, o treinador de guarda-redes da equipa principal do Benfica era o Hugo Oliveira e tinha um plano para a formação. Nesse plano estava o Fernando Ferreira, que agora é treinador de guarda-redes da equipa principal do Benfica, estava o Ricardo Pereira, que estava no Equador, que ganhou a Taça da América do Sul. Esses treinadores também influenciaram a minha carreira tempo depois, tudo moldou a minha carreira até agora.

No primeiro ano no Benfica, cruzou-se com vários jogadores que, hoje, estão a jogar na I Liga. David Carmo, Florentino Luís, mas também Jota, Filipe Soares, Gedson Fernandes. Essa geração acabou por dar frutos no futebol. Sentia que também tinha essa capacidade?

No futebol, vê-se muito isso. Quando há uma geração de vários jogadores bem-sucedidos, começam a puxar uns pelos outros. A geração de 1999 foi ao Euro de sub-17, ganhámos a prova, nos sub-19 ganhámos também. Os jogadores começaram a sair para grandes clubes. De certa forma, é uma geração muito especial e grande parte desses jogadores conseguiram chegar a grandes clubes e jogar regularmente. É muito bom ver essa formação a crescer, ver esse tipo de jogadores a crescer.

Vi vários jogadores a pensar que já não tinham de trabalhar tanto e eu já nem sei delesForam quatro anos no Benfica antes da saída para Inglaterra. Como aconteceu a saída para o Arsenal?

Fui para o Arsenal com 15 ou 16 anos. Tinha jogado contra o Arsenal num torneio na Suíça, joguei bem, ganhámos esse jogo, eles já tinham acompanhado os meus jogos das seleções jovens e surgiu essa oportunidade de ir para a Premier League, de ir para um dos maiores clubes do mundo. Não quis não ir, quis aproveitar essa oportunidade. Como se diz, o comboio só passa uma vez, então...

No plano desportivo, como é que alguém com 15 ou 16 anos sabe lidar, com os pés na terra, com uma mudança para a Premier League?

Eu tenho noção de que há muito esse princípio de os jogadores acharem que já chegaram ao topo, já são os maiores. Eu nunca me senti assim, senti apenas que tinha trabalhado bem, que cheguei lá, mas ainda não era ali que eu queria chegar, queria mais. Então percebi que tinha de continuar mesmo com os pés na terra para chegar mais longe. Vi vários jogadores a pensar que já não tinham de trabalhar tanto e eu já nem sei deles.

Qual foi a reação inicial quando chegou a Arsenal e deparou-se com a grandeza do clube?

Lembro-me muito bem da primeira semana no clube. No primeiro ou segundo dia, o treinador de guarda-redes da equipa principal [Gerald Peyton], que estava na equipa técnica do Arsene Wenger há muitos anos, chamou-me para ir treinar com os séniores. Eu tinha 16 anos e fui treinar com Petr Cech, David Ospina, Wojciech Szczesny, Emiliano Martínez, todos lado a lado, e depois estava lá eu. Foi incrível. O Cech virou-se para mim e perguntou: 'Que idade tens, mesmo?', a pensar que era impossível eu ter 16 anos e estar ali a treinar. Pessoalmente, conhecer o Cech que, na minha altura, era um dos meus ídolos um dos guarda-redes a quem sempre dei muita atenção, fiquei muito, muito contente de estar lá.

Notícias ao Minuto João Virgínia vestiu a camisola do Arsenal durante três temporadas© Getty Images

Certamente, foram influências para si.

Sim. O Cech, então, sempre que treinava com eles, falava comigo, dava-me sempre uma ou outra dica. É uma pessoa muito humilde, gosta de falar muito, de ensinar, parava o treino para explicar uma ou outra situação. Hoje ainda penso como é que ele fazia as coisas, como lia o jogo, a zona para a qual o jogador ia passar ou chutar a bola.

Do Arsenal, onde passou por toda essa experiência, mudou-se para o Everton a pedido do Hugo Oliveira.

No meu último ano no Arsenal, fomos campeões da Premier League 2, o escalão de sub-23. Nessa altura, já procurava uma experiência de primeira equipa. Treinava regularmente com a primeira equipa do Arsenal, mas queria mesmo entrar num balneário de primeira equipa, começar a progredir na minha carreira. Aí, o Marco Silva e o Hugo Oliveira entraram no Everton e procuraram um terceiro guarda-redes. A oportunidade de entrar diretamente na primeira equipa do Everton surgiu assim e, aos 18 anos de idade, parecia-me o passo indicado a dar. Fui para um clube histórico em Inglaterra, com uns adeptos incríveis.

Ainda tem contrato com o Everton, portanto, a aventura por lá ainda não terminou. Se diz que foi o passo cerrto a dar, é porque não se arrependeu.

Não, nada mesmo. Já me estreei na Premier League, já fiz uns quantos jogos pelo Everton. Sei que tenho ali um desafio, o guarda-redes da seleção inglesa [Jordan Pickford] está à minha frente, mas também foi uma das razões para ir para lá. Fui perceber como é que o Pickford trabalhava, como o Maarten Stekelenburg trabalhava, e trabalhar diretamente com o Hugo Oliveira também foi importante porque é um grande treinador, um dos melhores portugueses, tenho sorte de ter trabalhado com ele e com o mister [Jorge] Vital, deram-me sempre algo de bom para poder chegar mais longe.

Notícias ao Minuto João Virgínia chegou ao Everton em 2018/19© Getty Imagens

Os guarda-redes, mais do que qualquer jogador de campo, podem aprender uns com os outros. Poder trabalhar com Cech, Ospina, Pickford, entre outros, terá sido enriquecedor.

Para quem não sabe, os guarda-redes trabalham num grupo separado. Quando trabalhamos em grupo, olhamos para o que os outros fazem, para a forma como estão a defender as bolas, pensamos em adaptar o nosso estilo ao que vemos. Tento ir buscar um bocado das melhores qualidades, dos atributos desses meus colegas, vamos imitando aqueles com quem trabalhamos.

Reading, futebolisticamente e até pessoalmente, foi muito complicadoO empréstimo do Reading terá surgido para ganhar tempo de jogo. Acredita que é benéfico, para o jogador e para a pessoa, estar envolvido neste tipo de mudança?

Muito, muito mesmo. Antes de ir para o Reading, estive um ano na equipa principal do Everton. Não tinha jogado oficialmente pelo clube, só tinha estado com a equipa, tinha estado no banco e tinha jogado nos sub-23, a qual voltei a ganhar. Como queria começar a jogar futebol sénior, surgiu essa oportunidade boa, melhor ainda porque não é habitual surgir uma vaga destas no Championship para um guarda-redes de 18 anos. Estava lá o mister José Gomes, mas aquilo não correu tão bem no início porque, passados uns quantos jogos, ele foi despedido. Chegou um novo treinador e, três jogos depois, o guarda-redes mais experiente da equipa passou a ser titular. Deixei de jogar. Futebolisticamente e até pessoalmente, foi muito complicado para mim, mas, olhando para trás, foi um passo que, apesar de não ter sido do meu agrado, foi importante para o meu desenvolvimento. Aprendi a lidar com a dificuldade de não jogar e saí de lá muito melhor jogador e mais preparado para aquilo que estou a passar agora.

Este tipo de empréstimo ajudaria aqueles jogadores que, como disse há pouco, acham que estão no topo e deixam de trabalhar arduamente?

O Championship é uma Liga muito competitiva, se calhar uma das mais competitivas a nível europeu. Pensei que ia jogar lá, ia ser titular de caras, ia ser tudo muito fácil, mas eu próprio caí na realidade. Afinal, não era assim tão fácil. Até àquele momento, a minha carreira tinha sido sempre ascendente e esse empréstimo ajudou-me a cair na realidade e deu-me forças para trabalhar mais forte e ser mais assertivo em algumas situações. Se calhar, alguns jogadores perdem-se por causa disso. Eu podia ter desistido nessa altura, mas voltei para o Everton logo em janeiro, estava lá o Ancelotti e tudo correu da melhor forma. Se me perguntassem agora se eu queria ir para o Reading, eu dizia que não, mas, nessa altura, era uma oportunidade importante para jogar numa bola Liga desde muito novo. Foi o melhor que podia ter acontecido.

Notícias ao Minuto João Virgínia disputou apenas três jogos no Reading© Getty Images

Por que é que, hoje, diria que não ao Reading?

Se eu tivesse a mesma idade, diria que sim. Agora, já passei pela experiência, quero ter uma experiência nova e, pela dificuldade que senti, não queria repetir. Por isso é que não fui para o Championship neste ano e vim para uma Liga completamente diferente. Já lá estive, já sei como é, agora quero ter outro tipo de aventura que vai beneficiar-me de formas diferentes.

Leia Também: "Sporting? Passou a correr. O objetivo era ficar o maior tempo possível"

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