"Benfica? Não pensei se vamos marcar um golo ou como vai ser a festa"
Ricardo Pessoa avalia o jogo da Taça de Portugal como "um prémio". Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o treinador do Lusitânia dos Açores não escondeu o desejo de defrontar um 'grande' como o Benfica e sublinhou que a sua equipa, perante um estádio cheio, sabe o que terá de fazer para possibilitar... uma surpresa.
© Rafael Canejo
Desporto Exclusivo
A festa da Taça é capaz de proporcionar momentos inesquecíveis na vida de muitos clubes em Portugal, sobretudo quando se cruzam dois extremos praticamente opostos. O Lusitânia dos Açores-Benfica, agendado para esta sexta-feira, reúne todos os ingredientes para que seja um emocionante duelo vivido nas bancadas de uma região do globo que atualmente não conta com equipas na I Liga.
Em conversa exclusiva com o Desporto ao Minuto, Ricardo Pessoa, treinador que assumiu o emblema de Angra do Heroísmo no decorrer da época passada, não escondeu o desejo de defrontar um 'grande' na Prova-Rainha e até frisou tratar-se de um objetivo estabelecido dentro do balneário, após o sucesso alcançado na eliminatória anterior.
Além disso, independentemente da forma como o Benfica se pode apresentar em campo, face às várias alterações 'à espreita', o Lusitânia dos Açores está consciente das dificuldades, mas nem por isso deixará de lutar para possibilitar uma surpresa na competição, no Estádio João Paulo II, que não está propriamente habituado a receber duelos deste calibre. O foco está, ainda assim, no Campeonato de Portugal, numa altura em que a equipa da Ilha Terceira ocupa a liderança da Série C, já depois de uma subida de divisão na temporada passada.
"É verdade que a equipa atravessa um bom momento e tem vindo a crescer. Uma análise que temos de fazer passa pelas dificuldades que temos nos Açores em fazer uma pré-época com grau de dificuldade maior. Devido aos voos e ao turismo, a primeira jornada [do Campeonato de Portugal] foi adiada e isso obrigatoriamente colocou a equipa num início de campeonato mais difícil. Com o passar dos jogos, a equipa vai-se sentindo cada vez melhor e mais entrosada", começou por dizer o técnico de 41 anos.
"Atravessamos um momento muito bom e queremos que se prolongue por muito tempo, mas não considero que seja um aviso [ao Benfica]. Nós preparamo-nos para fazer o nosso trabalho. Trabalhamos dentro das nossas ideias, como todos os treinadores fazem nas suas equipas. Naturalmente que este bom momento pode fazer soar um pouco os alarmes porque, seja o Benfica ou outra equipa, olhar para esta sequência de bons resultados leva as pessoas a tentar perceber o motivo disso. Ainda assim, não o vejo como uma mensagem ou uma ameaça", acrescentou de seguida o antigo adjunto de Paulo Sérgio nos tempos do Portimonense.
Preferência por um 'grande' num momento "especial"
Ricardo Pessoa não escondeu o sentimento "especial" por defrontar o Benfica na Taça de Portugal, tendo rapidamente explicado os motivos, desde a importância para os adeptos e o próprio nome do clube, como para os próprios jogadores em poderem cruzar-se, em campo, com nomes sonantes do futebol português e mundial.
"É especial. É sempre motivante. Nós pretendíamos e tínhamos o desejo que isto [defrontar um 'grande'] pudesse acontecer por dois simples fatores. Desde logo a questão do clube. É importante para esta gente, que trabalha em prol de um clube mais forte, na lógica de crescer como tem feito no último ano. Para o clube e para os adeptos é fantástico", frisou, antes de destacar os seus jogadores. "Acho que eles vão ter uma experiência fantástica. A maioria deles, talvez 90% do plantel, nunca terá defrontado uma equipa 'grande'. Este é um prémio e um estímulo grande para aquilo que são as carreiras deles, pela projeção que isso terá para a vida profissional, sabendo sempre que, em primeiro lugar, está o coletivo. Pode ser algo bonito nas carreiras deles. Para mim, como treinador, é a primeira experiência contra um 'grande' e é também especial, mas gostaria de dar mais evidência ao clube e aos meus jogadores".
"Preferi sempre apanhar um clube 'grande', um clube histórico. Calhou-nos o Benfica. Além dos fatores que enumerei, há a vertente financeira, sobretudo para um clube da nossa dimensão. Também dá para nos testarmos um bocadinho e perceber o nível em que nos encontramos. Se há ou não possibilidades de, em alguns momentos, estar por cima do jogo, por exemplo, entre todas outras questões relacionadas com o próprio jogo. É também importante para perceber se alguns dos nossos jogadores começam a ter a capacidade de estar à altura, não digo de chegar a um 'grande', mas antes alcançar um patamar superior", contou ainda.
Lusitânia dos Açores garantiu a subida ao Campeonato de Portugal, com Ricardo Pessoa ao leme, após ter conquistado o campeonato distrital.© SC Lusitânia
Olhar para um duelo entre equipas em extremos opostos leva, naturalmente, muitas pessoas a considerar que o jogo já está ganho pela equipa mais forte ainda antes de ter começado. Ainda assim, nada disso assusta o treinador português de 41 anos, que até pode encontrar nisso uma espécie de 'combustível' para surpreender o emblema da Luz, tendo ainda dado conta da reação dos jogadores ao sorteio.
"Não me preocupada nada do que possam pensar sobre o jogo estar ou não decidido. Nós, aqui dentro [no Lusitânia], sabemos a forma como vamos lidar com o jogo. Sabemos o que podemos fazer. Não vejo isso [cenário de jogo perdido antes de começar] como algo negativo. Acho até que essa é a mentalidade em Portugal, os que estão em baixo dificilmente se conseguem sobrepor a quem está em cima, mas o futebol não é uma ciência exata. Há muitos fatores em jogo que podem mudar o desfecho de uma partida. Não me preocupa. Não me aquece, nem me arrefece que pensem da forma como quiserem. Temos a nossa forma de pensar este jogo e toda a gente tem o direito de pensar aquilo que quiser", garantiu.
"Os jogadores reagiram [ao sorteio] de forma positiva e alegre. Assim que terminou o jogo da 2.ª eliminatória da Taça de Portugal [diante do Marialvas, 1-0], disse-lhe que gostava que saísse um 'grande'. O objetivo que tínhamos delineado para a prova era chegar à 3.ª eliminatória. Foi dito logo na primeira reunião que tivemos com todo o grupo na pré-época. Estávamos focados em chegar a essa fase e poder apanhar um 'grande'. É também uma boa montra para eles, sobretudo por questões de visibilidade", recordou Ricardo Pessoa.
Em sete jogos na presente temporada, Ricardo Pessoa conduziu a sua equipa a quatro vitórias, dois empates e uma derrota.© SC Lusitânia
Possíveis mudanças no Benfica alimentam o sonho?
Após o resultado do sorteio, o treinador do Lusitânia dos Açores chegou a ser desafiado a escolher um jogador que tiraria ao Benfica para o duelo desta sexta-feira, ao que prontamente respondeu que "não pediria nenhum", revelando que a sua equipa estaria pronta para defrontar os melhores jogadores do adversário. O cenário de uma 'segunda linha' apresentada por Roger Schmidt é uma possibilidade e Ricardo Pessoa considera "perfeitamente normal".
"Há uma densidade de jogos muito grande. O treinador do Benfica é que sabe a equipa que vai colocar a jogar, assim como o motivo. Nós não estamos lá para perceber o que vai na cabeça deles. Eles não estão cá para perceber o que vai na nossa cabeça. Se ele tiver de colocar os melhores jogadores, obviamente que será bom. Os meus jogadores querem partilhar o campo com aqueles que são figuras internacionais de renome, como [Ángel] Di María e [Nicolás] Otamendi, campeões do mundo, assim como internacionais portugueses. Seja o que vier, iremos olhar da mesma forma. Ainda assim, sabemos que o Benfica está numa situação complicada na Liga dos Campeões e precisa de conquistar pontos [frente à Real Sociedad, no próximo dia 24]. Só o Roger Schmidt saberá quem vai colocar. Eu sei aquilo que vou fazer", garantiu.
"O resultado final depende sempre de muitos fatores. Aquilo que nós controlamos é o nosso processo, que está adquirido. Sabemos como vamos introduzi-lo em campo. A nossa possibilidade [de passar à fase seguinte], à partida, é quase nula. Não é nula, é quase nula. É sinal que podemos ter uma possibilidade. Sabemos que vamos defrontar uma grande equipa, que é favorita à partida. O jogo depois dirá o que vai acontecer", vincou de seguida o técnico da equipa da Ilha Terceira.
Emblema açoriano assinalou um arranque de época positivo e consistente.© SC Lusitânia
O Desporto ao Minuto desafiou Ricardo Pessoa a imaginar as sensações que teria, assim como a sua equipa, caso o Lusitânia conseguisse marcar pelo menos um golo ao Benfica, ou até mesmo fazer a festa no final da eliminatória. A verdade é que o ex-adjunto do Portimonense, embora confesse que já "veio muita coisa à cabeça", não pensou em nada do resto por não gostar de "saltar etapas".
"Sou muito sincero. Quando saiu o sorteio, claro que naquelas primeiras horas, veio muita coisa à cabeça. Nunca imaginei nenhuma situação dessas. Pensei que poderíamos ter um estádio cheio, com os meus rapazes a jogar contra grandes jogadores e até aquilo que pode ser o impacto para a carreira deles. Até a troca de camisolas... A minha linha de pensamento é que temos de ter os pés assentes no chão porque o nosso campeonato não depende do jogo frente ao Benfica. Não pensei se vamos marcar um golo, se vamos ganhar ou como vai ser a festa. Não vale a pena", atirou.
"Não gosto de saltar etapas ou subir muito depressa. Isso pode correr mal. Nestas semanas temos estado focados no campeonato, que é a nossa realidade. Estar com demasiada ambição pode levar a que a queda seja maior. Não é isso que nós queremos. Se vier a acontecer [a surpresa], será tudo com base no sentimento do momento. Não é algo que esteja na cabeça com antecedência. Depois de termos um jogo destes, normalmente as equipas caem no desafio seguinte. Não quero que isso aconteça no próximo jogo do campeonato", alertou ainda.
Do entusiasmo dos açorianos ao episódio no aeroporto
Os estádios das equipas de menor dimensão nem sempre reúnem as devidas condições para 'acolher' estes grandes jogos, sendo que não faltam exemplos recentes disso mesmo. O Lusitânia dos Açores tem disputado os seus duelos, na condição de visitado, no Campo de Jogos de São Mateus da Calheta, que possui um relvado sintético, regressando agora ao Estádio João Paulo II, com capacidade para sete mil espectadores, para aquele que será provavelmente o duelo da época mais aguardo no Arquipélago.
O treinador de 41 anos referiu estar consciente de que os adeptos do Lusitânia dos Açores estarão em minoria no estádio, tendo lançado o repto para que as pessoas possam marcar cada vez mais presença nos jogos do emblema do Campeonato de Portugal, bem além do jogo frente ao Benfica.
"O Lusitânia é um clube histórico, o mais titulado dos Açores a todos os níveis. Temos uma massa adepta que, mesmo estando em menor número, sabemos que podemos contar com eles. Reforço que será uma experiência fantástica para os meus jogadores ter o estádio cheio. É diferente de termos 100 ou 200 pessoas nas bancadas", começou por dizer sobre o assunto, tendo deixado um reparo à mentalidade portuguesa. Esperemos que nos próximos jogos comecem a aparecer mais. Não é só nos jogos da Taça contra o Benfica. Esta rapaziada precisa do apoio deles todos os domingos. É um repto que eu lanço, que não apareçam só quando é o Benfica. É um jogo que acontece de muito em muito tempo. O apoio tem de ser efetivo e essa é uma mentalidade que ainda temos de mudar um pouco em Portugal".
Ricardo Pessoa em clima da festa com destaque para elementos da estrutura diretiva, salientando-se o presidente Luís Carneiro (à sua esquerda).© SC Lusitânia
O entusiasmo não tem passado despercebido pelas ruas de Angra do Heroísmo, mas nada disso 'abala' a preparação da equipa para o jogo desta sexta-feira, de tal forma que, durante as últimas três semanas, o confronto com o Benfica nem foi tema no balneário.
"Desde a altura do sorteio que não se tem falado de outra coisa. No meu trabalho, a primeira coisa que fiz foi falar com os meus jogadores e combinámos que não iríamos falar do Benfica até à semana do jogo. Isso foi cumprido religiosamente nas últimas três semanas. Não se falou do Benfica dentro do grupo, mas claro que cá fora somos abordados por pessoas mais entusiasmadas", frisou, antes de relatar um episódio recente no aeroporto.
"Para muitos adeptos do Lusitânia e pessoas de Angra do Heroísmo, será a primeira vez que vão ver um 'grande'. Posso confessar que, no passado domingo, quando chegámos de Lisboa ao aeroporto, os meus jogadores foram abordados por muita gente, até mesmo trabalhadores do aeroporto. É algo que nunca tinha acontecido com eles. Sentiram a forma de jogar contra uma equipa 'grande' e serem abordados por pessoas que, numa semana normal, não o fariam", relembrou.
O futebol nos Açores dificilmente se destaca no futebol profissional e, por esse motivo, o Lusitânia dos Açores-Benfica na Taça de Portugal ganha um sentimento "especial", com Ricardo Pessoa a desejar sucesso às restantes equipas açorianas em prova.
"Gosto muito de estar aqui [nos Açores] e posso confessar que poder dar às pessoas esta alegria é muito importante para nós. Tirando a ilha de São Miguel que teve o Santa Clara na I Liga nos últimos anos, a receber equipas 'grandes', nas outras ilhas torna-se um bocadinho mais difícil, sobretudo pelo momento atual de cada clube e pelo posicionamento dos respetivos campeonatos", frisou, antes de desejar mais visitas de grandes equipas ao Arquipélago dos Açores. "Claro que esta visita de um 'grande' é especial. No futuro esperamos que mais visitas destas possam acontecer. É sinal que as equipas açorianas podem fazer bons percursos nos campeonatos e na Taça de Portugal. Atualmente, na Taça, estamos nós, Rabo de Peixe e Santa Clara. Esperamos o máximo de sucesso para todos. Enquanto açorianos, mesmo eu não sendo um, desejamos o sucesso do futebol daqui [nos Açores]".
Equipa técnica de Ricardo Pessoa em destaque nos Açores.© SC Lusitânia
Nova subida à vista?
A campanha que a equipa de Angra do Heroísmo está a realizar na presente temporada é algo que não estará a passar ao lado da preparação do Benfica para o duelo na Prova-Rainha, porém, o objetivo não passa por subir à Liga 3, apesar de atualmente liderar a Série C do Campeonato de Portugal. E as explicações são claras...
"[A subida] Não é um objetivo e há vários fatores para que pensemos dessa forma. Quando uma equipa sobe há sempre um entusiasmo normal de que na próxima época as coisas vão ser lineares, com um crescimento a disparar. Queremos que haja crescimento, mas sabemos que depende de múltiplos fatores. Uma subida à Liga 3 implica, desde logo, uma organização e uma logística muito maiores, com mais recursos humanos. O que acontece é que as equipas que têm uma ascensão muito rápida tendem em deparar-se com uma queda grande.", começou por dizer sobre o assunto.
"O Lusitânia está a atravessar uma reestruturação financeira há alguns anos, devido a problemas do passado. Esta direção tem estado a arranjar estratégias para diminuir o buraco financeiro. Temos de ter cuidado com o nosso percurso. Na Série C, a mais equilibrada das quatro, a distância do líder [Lusitânia] para as equipas mais pontuadas da zona de descida [Fontinhas, União de Coimbra e União de Tomas] é de quatro pontos. Uma vitória ou um empate podem fazer logo a diferença", vincou de seguida, antes de salientar a permanência como a principal meta a atingir. "O nosso objetivo é claramente garantir a manutenção o mais rapidamente possível, de forma a estarmos salvos de percalços que possam vir a acontecer. Queremos tentar, depois, alcançar a melhor posição possível. Esta época serve para o clube se reorganizar com vista a um melhor sustento, começando depois a pensar em voos mais altos".
Campeonato de Futebol dos Açores (equivalente a uma distrital) conquistado na temporada passada foi celebrado por Ricardo Pessoa, junto da sua família.© SC Lusitânia
Ricardo Pessoa, ainda numa fase inicial da sua carreira de treinador, relembra que a sua equipa tem "entusiasmado" a população de Angra do Heroísmo e, apesar de considerar que o jogo frente ao Benfica encontra-se "à parte do percurso", quer que a sua equipa transmita "alegria" frente às águias.
"Em Angra do Heroísmo, quem é adepto do Lusitânia tem é de estar entusiasmado com estes rapazes. O futebol é um espetáculo e quem é adepto gosta de ver bons espetáculos. Essa é uma das nossas premissas, que quem nos vê jogar sinta prazer ao ver o nosso futebol. Sinto que isso tem acontecido e eles merecem", atirou, antes de sublinhar que defrontar o Benfica é um prémio para a sua equipa. "Este jogo [frente ao Benfica] está à parte do que é o nosso percurso. Digo que isto é um prémio que deram aos meus jogadores pela forma como têm trabalhado. Independentemente do resultado, espero que eles possam transmitir alegria dentro de campo".
Recorde-se que o Lusitânia dos Açores-Benfica está agendado para esta sexta-feira, a partir das 15h30 locais (16h30 em Portugal Continental), sendo que poderá acompanhar as incidências da partida, em direto, no Desporto ao Minuto. Haverá direito a surpresa? A seu tempo saberemos...
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