Nem Alfred Hitchcock, mestre cinematográfico do suspense, podia ter imaginado uma película tão recheada de emoções como aquela que teve lugar, na noite de domingo, no Estádio da Luz. Paixão, caos, alta tensão, uma expulsão e loucura final. Tudo ingredientes que redundaram num dérbi eterno... e que dérbi. O resultado, esse, mexeu-se na parte final das duas partes. Uma vez para o Sporting, e em dois momentos para o Benfica. E foi ao soar do gongo que as águias saíram por cima do rival.
Foi uma final de partida de 'loucos'. Mesmo a ter problemas exibicionais nos últimos jogos, como ficou patente na visita da última semana ao País Basco, a verdade é que o Benfica acreditou até ao fim e sempre sob a batuta de João Neves. Mas, verdade seja dita, a equipa de Rúben Amorim não merecia ter perdido o jogo. Os leões fizeram por sair da Luz com o triunfo, ou no mínimo com um empate.
Desde cedo que a equipa de Alvalade conseguiu ter o controlo sobre o adversário. E nem mesmo o cartão vermelho mostrado a Gonçalo Inácio fez os leões baixar os braços. De facto, aos noventa minutos, mesmo com o Sporting em inferioridade numérica, os verde e brancos mereciam a vantagem. Não só porque controlaram melhor o adversário, como também criaram muitos problemas na saída do Benfica para o ataque. Aliado a isso, a eficácia de Gyökeres fez a diferença na partida em cima do apito para o intervalo.
Em vantagem, o Sporting regressou para a segunda parte com 'a faca e o queijo na mão' para o que seria a discussão do resultado. Ainda assim, o conjunto leonino acabou traído por um erro de Gonçalo Inácio. O defesa-central fez uma falta dura sobre Rafa Silva e abandonou o dérbi aos 51 minutos. Mas, se se esperava que o Benfica encostasse o Sporting às cordas para ir à procura da remontada, aconteceu tudo menos isso.
Com mais um jogador e em desvantagem, o Benfica passou a ter a iniciativa de jogo, pois o Sporting assim o decidiu, mas não conseguiu traduzir em ocasiões de perigo a exibição cinzenta que vinha apresentando. Roger Schmidt, cuja posição começou a ser muito questionada nos últimos dias, teve os deuses do futebol do seu lado. Entre hesitações e decisões erradas, o alemão foi ao banco buscar Gonçalo Guedes, que entrou para o lugar do desinspirado João Mário, e Tengstedt. Se o português mexeu com o jogo, o dinamarquês mexeu com o resultado final.
Contra todas as expectativas, e já com muitos adeptos a abandonarem as bancadas da Luz, os descontos dados por Artur Soares dias foram pejados de emoção e crença do Benfica. À semelhança do que tinha feito na época passada em Alvalade, João Neves apareceu solto no coração da área e deu o empate à sua equipa, isto numa altura em que o guardião Trubin já marcava presença na grande área.
No entanto, o suspense não tinha acabado e houve mesmo um herói improvável que deitou para trás os fantasmas das más exibições do Benfica. No último fôlego do dérbi eterno, os adeptos que ainda se encontravam nas bancadas testemunharam um plot-twist que podia ter sido pensado por Hitchcock para as melhores produções de ficção de Hollywood.
Aursnes, o pronto-socorro desta equipa do Benfica, subiu à área contrária para construir um final de jogo, que deixou em euforia as bancadas da Luz. O norueguês tirou um cruzamento para o coração da área onde estava o improvável Tengstedt a desviar para o fundo das redes de Adán. O lance foi inicialmente anulado por fora de jogo, mas o VAR acabou por ditar uma explosão de alegria num dérbi que será recordado por muitos e bons anos e que terminou com a passagem do Benfica para o primeiro lugar.
Mas vamos às notas desta partida:
Figura
De regresso ao lugar em campo onde mais tem brilhado, João Neves voltou a mostrar que está talhado para estes jogos de enorme importância. Foi o jogador mais influente no futebol do Benfica neste dérbi e prova disso foi o momento em que marcou o golo que, na altura, deu o empate. O jovem de 19 anos, mas que já parece um jogador com muitos anos de futebol profissional, emocionou-se no festejo e só isso prova a paixão que tem não só pelo jogo, como também pelo clube. Uma exibição que é uma espécie de déjà vu do que se viu em Alvalade a 21 de maio.
Surpresa
O sueco Gyökeres fez um golão e foi sempre uma dor de cabeça para a defesa do Benfica. É um jogador que está a deixar os adeptos de futebol de água na boca, e não apenas os do Sporting que, certamente, estão radiantes por o terem no seu clube. Agressivo, objetivo e pragmático, o nórdico nunca deixou a defesa do Benfica descansar. É um autêntico matador que tem como único objetivo procurar a baliza e marcar. E muito tem festejado o sueco num arranque de época brilhante.
Desilusão
Mais uma exibição de João Mário que deixa muito a desejar. Ainda que se tenha voltado a encontrar com os golos, o médio saiu do encontro debaixo de um coro de assobios. Pouco fez nos 86 minutos que esteve em campo. Num dérbi em que as emoções estão ao rubro, o médio português pareceu não estar com a cabeça no lugar nesta partida.
Treinadores
Roger Schmidt:
Depois de alguns jogos com uma defesa a cinco, o alemão percebeu, finalmente, que esta invenção não estava a dar e desfez o 3x4x3 das últimas partidas para promover o regresso do 4x4x2. Com Morato à esquerda, Aursnes na direita e João Neves de regresso ao meio campo, o Benfica apresentou algumas melhorias. Ainda assim, nem tudo correu bem. As águias entraram melhor em campo, mas gradualmente foram construindo uma exibição cinzenta. Mas o germânico teve a sorte do seu lado e viu acender-se a luz da esperança para segundos finais de absoluta loucura. Dois golos tardios 'salvaram' a pele a Schmidt.
Rúben Amorim:
O Sporting veio com a lição estudada para o dérbi. Depois de minutos iniciais em que o Benfica esteve por cima, a equipa de Alvalade viu como poderia ferir o adversário e fê-lo com recurso ao matador do costume. A expulsão de Gonçalo Inácio mudou o jogo e obrigou Rúben Amorim a reajustar a estratégia para praticamente toda a segunda parte. Os leões souberam sofrer e defender-se das armas do Benfica. A equipa reequilibrou-se, teve menos bola, mas, ainda assim, assustou Trubin no segundo tempo. A reta final foi penosa para os leões, que averbaram dois golos num espaço de três minutos.
Arbitragem
Bom trabalho da equipa liderada por Artur Soares Dias. O árbitro portuense decidiu bem na generalidade dos lances da partida, onde se encaixa a expulsão de Gonçalo Inácio. Ainda assim, ficam algumas dúvidas sobre se existe ou não uma grande penalidade de Diomande sobre Musa no lance em que Rafa remata ao lado, aos nove minutos.
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