O futebol não é só para homens. Nunca foi, na verdade. O crescimento das mulheres no desporto-rei assume-se como um do principais focos da direção da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), da qual faz parte Mónica Jorge, diretora executiva do futebol feminino, que tem sido um dos rostos impulsionadores da mudança de paradigma.
Em conversa com o Desporto ao Minuto, a antiga selecionadora nacional enalteceu a valorização crescente do futebol feminino, inclusive pelos adeptos portugueses, de tal forma que Cristiano Ronaldo deixou de ser a única referência futebolística conhecida pelas "meninas".
O perfume deixado em campo por jogadoras como Jéssica Silva, Ana Borges ou Francisca Nazareth tem contribuído para a expansão do mercado do futebol feminino, mas também a presença das equipas de maior dimensão na Liga feminina tem feito parte de um caminho que ainda vai a meio, como defende Mónica Jorge.
"A introdução de equipas de maior dimensão nacional no futebol feminino foi um ponto de viragem. São referências. Toda a gente tem os seus clubes favoritos e depois sabem que a vertente feminina existe. Está altamente desenvolvida, com a participação na Liga dos Campeões. Hoje uma, para o ano duas e daqui a uns anos três", começou por dizer sobre o assunto.
"As meninas de hoje em dia, com sete ou oito anos, já sabem quem é a Jéssica [Silva], a Kika Nazareth ou a Ana Borges. Já as conhecem. Antes era só o Cristiano Ronaldo e pouco mais. Agora é uma 'loucura'. Criaram-se estas referências. A paixão clubística é um fator de promoção muito grande e de introdução à modalidade. As crianças sabem que existe um campeonato feminino e clubes de futebol onde querem chegar um dia", vincou de seguida.
[No Carnaval] Não vi uma, não vi duas, não vi três. Vi muitas meninas vestidas como jogadoras de futebol. Foi incrível. No meu tempo não era assimA diretora do futebol feminino recordou ainda episódios da sua vida pessoal para ilustrar a forma como o sucesso da seleção feminina (e não só) se tem feito sentir entre as crianças, falando de uma "normalidade em gostar do futebol entre meninos e meninas".
"Uma coisa que antes não se via é que agora, quando vou buscar o meu filho à creche, vejo meninas à baliza, com luvas de guarda-redes, a jogar com rapazes. Estou a falar de uma cresce... Nas escolas ainda ia acontecendo. Agora há uma normalidade em gostar do futebol entre meninos e meninas, com quatro ou cinco anos", contou.
"Outro episódio que já vivi como mãe aconteceu no Carnaval, em que o meu filho foi de astronauta. Não vi uma, não vi duas, não vi três. Vi muitas meninas vestidas como jogadoras de futebol. Foi incrível. No meu tempo não era assim. As mães permitem, que é uma coisa que na cultura desportiva se está a alterar. Umas vestem-se à Benfica, outras à Sporting, e lá vão elas para a festa, seja em colégios de classe média-alta ou normais. Vemos este padrão cultural. Quando isto passa a ser uma normalidade, ou uma naturalidade, como eu costumo dizer, é porque as coisas estão a funcionar muito bem", acrescentou de seguida.
Com 24 anos dedicados à Federação Portuguesa de Futebol, Mónica Jorge passou a primeira metade em campo e a segunda metade em funções diretivas.© Álvaro Isidoro/Global Imagens
O tema das diferenças salariais não passou despercebido, embora Mónica Jorge garanta que a Federação trabalhe no sentido de dar "as melhores condições às atletas" em proximidade com os "valores que são mais ajustados", num espaço que conta com praticamente a mesma quantidade de homens e mulheres a trabalhar.
"É tentar, com todo o profissionalismo que vamos tendo. Esta Federação é 50/50 entre homens e mulheres, sendo que todas têm os salários iguais, de acordo com os cargos. Tentamos transmitir esta ideia de igualdade e de paridade, com os valores que defendemos. Sabemos que o enquadramento estrutural e cultural ainda não é fácil em muitas realidades. Sabemos que o futebol feminino está melhor agora, mas terá de estar melhor no futuro. Caminha para lá no seu processo habitual. Há sempre uma exigência que vai crescendo conforme o processo, mas há valores tão altos no futebol masculino que, por vezes, é quase impossível para os próprios clubes chegarem lá. Depende muito das dimensões dos clubes", assinalou.
"Se olharmos para os clubes da I Liga, até aí há grandes diferenças financeiras. Não podemos comparar aquilo que às vezes é incomparável. Do ponto de vista de dar as melhores condições às atletas e de nos aproximarmos dos valores que são mais ajustados, no fundo pelos direitos que elas têm, podemos dizer que estamos a trabalhar nesse sentido de encontrar qual a melhor solução para que a atleta seja feliz a fazer aquilo que gosta e que seja justo para ser profissional em Portugal. Tanto nós, Federação, como o Sindicato de Jogadores, encontramos uma solução que possa ser razoável para todos", garantiu Mónica Jorge.
Não podemos limitar a jogadora portuguesa. Se quer jogar em diferentes campeonatos e contextos para poder ter aquisição de melhorias e competências, tem o direito de o fazer
Portugal conta com jogadoras portuguesas a brilhar lá fora e isso, por si só, já é demonstrativo do talento que se está a criar em território português, mas a verdade é que não faltam craques a manter-se nos campeonatos nacionais de futebol feminino, garantindo "qualidade competitiva" às nossas raízes, na perspetiva da diretora executiva de 45 anos.
"Elas sonham jogar nas Ligas de maior dimensão, como Inglaterra ou Estados Unidos [da América]. É bom para elas do ponto de vista competitivo e de realização pessoal. Como futuras dirigentes ou futuras treinadoras, elas têm de ter essa experiência. Por outro lado, também é importante nós termos qualidade competitiva dentro das nossas competições, para além das jovens formadas localmente que vão aparecendo. É importante que o nosso campeonato seja atrativo para ter outra aquisição internacional, de grande valor para o nosso país. Acho que isso já está a acontecer. Temos jogadoras internacionais que dão qualidade e competitividade à nossa Liga", atirou.
"Quando a jogadora portuguesa vai para fora mostrar o seu valor fortalece-se a nível pessoal, mas também a nível do nosso futebol e da capacidade de investimento da parte de clubes internacionais. Depois, no fundo, elas também querem voltar [para Portugal], para jogarem num clube com que se identificam e suportam as suas exigências. Isso também dá qualidade à competição. Não podemos limitar a jogadora portuguesa. Se quer jogar em diferentes campeonatos e contextos para poder ter aquisição de melhorias e competências, tem o direito de o fazer. Se jogar lá fora lhe acrescenta isso mesmo, que seja feliz e que ganhe novos conhecimentos e competências para que um dia possa usufruir disso mais tarde", completou.
Mónica Jorge prepara-se para encerrar, ainda em 2024, um ciclo de três mandatos na direção executiva do departamento de futebol feminino.© Miguel Pereira/Global Imagens
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