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Do "Brasil violento" ao regresso a Portugal. Renato Paiva em entrevista

O Desporto ao Minuto falou com o treinador português acerca do início de época no Toluca, sobre a dura passagem pelo Brasileirão e, ainda, sobre a possibilidade de regressar a Portugal (que não está, para já, nos seus planos).

Notícia

© Getty Images

Filipe Carmo
10/09/2024 07:54 ‧ 10/09/2024 por Filipe Carmo

Desporto

Exclusivo

Nunca se falou tanto do Toluca em Portugal como nos últimos meses. A saída de Paulinho do Sporting para o clube mexicano e, num caminho inverso, a contratação do lateral uruguaio Maximiliano pelos leões, proveniente desse mesmo emblema, levaram a que Renato Paiva, o treinador que conduz os destinos do conjunto sediado numa cidade com pouco mais de 900 mil cidadãos, tivesse vivido, este verão, dias de grande azáfama e, também, com muitas chamadas telefónicas.

 

Com o fecho do mercado, o técnico luso conseguiu, finalmente, voltar à rotina habitual, e foi numa fase de maior tranquilidade que aceitou falar com o Desporto ao Minuto sobre este início de época no principal escalão de futebol do México, que muito favorável tem sido para o Toluca.

Com 14 pontos somados nas primeiras seis jornadas da Liga MX, o clube de Renato Paiva encontra-se nos lugares cimeiros da classificação e a fazer uma campanha que já permite sonhar com a passagem aos playoffs de acesso ao título. Com os 'pés assentes na terra', o técnico luso explicou que ainda é cedo para pensar em ser campeão, mas deixou diversos elogios a este projeto que integra. Já sobre um eventual regresso a Portugal, a resposta foi menos clara.

Já tive vários convites para regressar a Portugal, só que eu sou um treinador de projeto, não treino por treinarRenato, este início de época do Toluca tem entusiasmado os mexicanos e, também, os portugueses que, por cá, acompanham o seu trabalho...

Sim, é verdade. Depois de uma primeira época em que chegámos e encontrámos a equipa fora dos playoffs, em 12º lugar, nós fizemos um trabalho profundo, com três contratações. A equipa cresceu bastante. Tivemos o melhor ataque do campeonato, praticamente sem ter um 9 fixo de posição. Melhorámos muito os números individuais da equipa e fizemos logo aí um arranque muito interessante para aquilo que era o passado mais recente do Toluca. Melhorámos bastante, quer o processo, quer os números da equipa e do clube em relação ao campeonato anterior.

E de que forma conseguiu contornar um passado recente menos positivo e construir uma equipa que, agora, se apresenta desta forma?

Foi-se ao mercado, foi-se tentar contratar jogadores para termos um plantel um bocadinho mais vasto, mais equilibrado em termos de qualidade, com dois jogadores por cada posição, para alimentar a competitividade em treino e em jogo. O começo de campeonato foi bom, de facto, e agora estamos com um jogo de atraso. Acho que estamos a fazer um campeonato na linha do último, progressivamente a melhorar.

O Toluca perdeu, este mercado, dois jogadores titulares. Como procuraram colmatar essas saídas? 

Já chegou um jogador, o Anderson Duarte, que vem do Uruguai. É um miúdo de 20 anos, um dos melhores projetos futuros do futebol uruguaio, e nós antecipámo-nos a muita gente para o trazer já. Agora estamos no mercado a tentar um 'peso pesado' para o lugar do Maxi Aráujo [contratado este defeso pelo Sporting]. Continuamos o nosso caminho e esperançados de que temos de melhorar bastante esta temporada em relação ao que fizemos na última.

Já se vai falando de que esta época pode haver a conquista de um título ou ainda é demasiado cedo para que já exista essa expetativa?

Aqui, o complicado e, ao mesmo tempo, aliciante deste torneio é que tu podes ficar em 8.º e ser campeão. Podes ficar em 8.º na fase regular, ir aos playoffs e jogar as 'quartas', 'meias' e final e ser campeão, já aconteceu várias vezes. Obviamente que ficar em 1.º ou em 2.º vai-te dar vantagens grandes naquilo que são os critérios de desempate. A equipa que fica melhor classificada passa nos playoffs, não há penáltis, a equipa que fica melhor classificada joga em casa o segundo jogo... Ou seja, isso dá-te alguma vantagem, mas não te garante ser campeão.

É quase como se existissem dois campeonatos?

Sim, o da fase regular que só te dá isto [acesso à fase seguinte com mais ou menos vantagens], não te dá títulos, e depois há os playoffs. Eles olham para isto de forma a gerarem uma certa emoção e uma certa adrenalina e como uma tentativa de trazerem mais gente aos estádios. 

O talento é tanto aqui, na América do Sul, que as pessoas não se preocupam muito com as questões táticasO Toluca é já o seu quarto desafio na América do Sul. Que diferenças encontra entre o futebol praticado neste continente e na Europa?

As grandes diferenças estão nas questões individuais, aqui não há um olhar tão acentuado para a parte tática do jogo. O Brasil já deu uns passos muito significativos em relação a isto, mas também porque começa a ter muitos treinadores estrangeiros. O talento é tanto aqui, na América do Sul, que as pessoas não se preocupam muito com as questões táticas. Como estes são clubes vendedores para a Europa, aquilo que eles querem é acelerar o processo de afirmação destes jogadores jovens nas primeiras equipas, porque depois sabem que são potenciais fontes de receita para os clubes. Então, a grande diferença é um olhar mais individual, mais de talento para o jogo. Não há tantas amarras táticas como na Europa.

Depois de sair do Benfica e de aceitar mudar-se para o Equador, para treinar o Independiente del Valle, o que já sabia que iria encontrar por lá?

Eu, por fazer anos e anos de scouting na América do Sul para o Benfica e por colaborar com o scouting, tinha um conhecimento profundo daquilo que era a América do Sul, e quando viemos disse à minha equipa técnica 'Temos de ter muito cuidado com a forma como vamos dosear a parte tática'. Eu sinto que, às vezes, a parte tática em exagero acaba por amordaçar o talento dos jogadores, e depois as características principais não aparecem. Eu acho que há muitos jogadores que chegam à Europa e a tática é tão densa que eles não conseguem pôr em prática ou libertar aquilo que é o grande talento deles, a criatividade, a magia, essas coisas todas que eles têm enquanto jogadores destes lados. 

Notícias ao Minuto Renato Paiva deu o primeiro título de campeão do Equador ao Independiente, em 2021© Getty Images  

A treinar neste continente desde 2021, como é que o Renato vai olhando para o seu futuro? Vê-se cada vez mais como um treinador português a atuar na América do Sul ou, por outro lado, ainda tem intenções de provar o seu talento em Portugal e na Europa?

Não sou muito de futulorogia. Fazer planos no futebol é profundamente irresponsável, porque tudo muda após um resultado. Não olho muito para isso, não me preocupo muito. É verdade que quanto mais tempo ficas destes lados, mais abres mercados aqui, mais as pessoas vão olhar para o teu trabalho e é mais difícil que olhem para ti de uma zona tão longínqua como a Europa. 

Portugal é um país de etiquetas. Eu, antes, era um treinador da formação. Para me entregarem um clube profissional, diziam que não, porque eu era um treinador de meninos. Agora, possivelmente, sou um treinador que, na ótica de quem decide, não está preparado para as exigências da Europa, por ser um treinador da América do Sul, quando muita gente nem sabe o que é isto aqui. Enfim, é algo que não me tira o sono, não me preocupa nada. Eu sou muito detalhista no meu trabalho diário e não tenho tempo para pensar nisso, sei como funciona o futebol. Planos a largo prazo não entram na minha cabeça. Há o exemplo recente do Benfica,  que renovou com o Schmidt e despediu-o no início desta época.

Achei o Brasil altamente violento no que diz respeito ao entorno do futebol, se não ainda lá estava hoje

Ainda assim, equaciona regressar a Portugal?

Já tive vários convites para regressar a Portugal, só que eu sou um treinador de projeto, eu não treino por treinar. Felizmente, vou ganhando alguma base financeira que me permite escolher. Sou um treinador de projeto e estou aqui no Toluca, que é um clube estruturadíssimo, com um projeto muito diferente da maior parte dos projetos, aqui, no México. Em Portugal, sinto que não há muitos projetos para os quais eu me sinta cativado. Depois, também há a questão financeira. Portugal paga mal comparativamente com estes países. Tive convites, acredito que continuarei a ter, mas neste momento não é altura para pensar nisso.

O Renato esteve uma época no Brasil, a treinar o Bahia. Como olha para essa experiência?

Achei o Brasil altamente violento naquilo que diz respeito ao entorno do futebol, se não ainda lá estava hoje. Se eu voltar ao Brasil, terá de ser para um projeto muito estável, que seja um bocadinho à prova de bala em relação aos fatores externos. Há muitos clubes brasileiros em que os fatores externos tem uma influência muito grande, por isso é que há tantos despedimentos...

O caso do Álvaro Pacheco, que foi despedido quatro jogos depois, é um deles...

E eu já tenho idade para ter juízo [risos]. Tenho 54 anos e não tenho necessidade disso. Não digo que não voltarei a treinar no Brasil, não digo que não a nada, mas, repito, será sempre prioritário eu perceber o projeto, como está estruturado, se vai dar condições ao treinador para trabalhar e tempo. Não se pode pedir muito tempo no futebol, mas não é só três jogos, nem um mês. Isso vai pesar sempre nas minhas decisões.

Quando fala da violência que encontrou no Brasil, refere-se à pressão exercida pela comunicação social e pelos adeptos?

Sim, tudo. Olha o caso do Abel. Ganhou o que ganhou e, agora, passa uma fase menos boa e já há uma enorme confusão. Só que o Palmeiras tem uma estrutura muito profissional e muito bem trabalhada, que defende os seus profissionais até à morte.  

Numa altura em que a Arábia Saudita tem atraído muitos jogadores e muitos traidores portugueses, este é um cenário no qual o Renato também já se imaginou?

Não, para ser sincero nunca pensei nisso, não vejo o futebol assim. Há mercados abertos, e, de hoje para amanhã, pode vir uma proposta da Arábia Saudita, como pode vir uma proposta da Europa, não consigo dizer que estou a pensar nisso. Vejo portugueses na Arábia, na China, em pontos diferentes do mundo. Fico muito feliz por isso, quando vejo treinadores portugueses no estrangeiro e até no Brasil, como acontece agora, com o Artur Jorge também. Eu foco-me muito no meu trabalho e não penso nisso.

Notícias ao Minuto Renato Paiva treinou o Bahia entre janeiro e setembro de 2023© Getty Images  

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