"Em Portugal brincamos ao alto rendimento e temos muita sorte com os atletas que temos. Um desportista no alto rendimento é profissional 24 horas por dia. Treina, tem alimentação bastante rigorosa, deve cumprir períodos de descanso, ajustar o sono... isto não é uma profissão?", questionou o canoísta Fernando Pimenta, medalhado olímpico, em Londre2012, em K2 1.000 metros, e Tóquio2020, em K1 1.000.
Estes agentes desportivos falavam na conferência "Game Changers: Liderança Transformacional no Contexto Desportivo", na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, iniciativa inserida no Tomorrow Summit.
"Preocupa-me a falta de falta de cultura desportiva em Portugal. Ouço várias vezes que o judo é uma brincadeira, que não é um trabalho a sério. Para a maioria das pessoas, treinar não é um trabalho. Esforço-me a cada minuto do dia para atingir a excelência e nem assim o que faço é visto como uma profissão", lamenta Patrícia Sampaio, medalha de bronze na categoria de -78 kg em Paris2024.
Carlos Resende, antigo internacional de andebol e agora treinador, com passagens pelo FC Porto, Benfica e ABC, entre outros, acusou os sucessivos governos de "falta de coerência e visão".
"Falta uma verdadeira estratégia para o desporto, pois sai muito mais caro a Portugal não investir nele, nomeadamente em despesa futura com a saúde, bem maior. Os governantes não se deviam preocupar com o desporto unicamente de quatro em quatro anos, nos Jogos Olímpicos, nomeadamente na hora de se juntarem aos atletas nas fotos dos medalhados", destacou o também professor universitário.
Carlos Resende defende maiores apoios e a mais atletas -- "vamos motivar o Pimenta dando-lhe menos para melhorar o sexto lugar de Paris2024? - bem como apostas das cidades na edificação das mais diversas infraestruturas desportivas, colocando as suas populações a mexer.
Os três oradores concordam que a aposta da tutela no desporto para 2025 fica aquém do necessário: inicialmente, foi anunciada uma verba de 42,5 milhões de euros, um decréscimo de 16% em relação a 2024 (50,3 milhões), valor entretanto corrigido pelo governo para os 54,5 milhões.
"O Ministério da Educação tem de começar a falar com a Secretaria de Estado do Desporto e seguir os bons exemplos de outros países, que começa precisamente na escola. E devemos, de uma vez por todas, saber conviver com as necessidades específicas dos atletas de alto rendimento, não lhes complicando a vida quando estudam ou trabalham, até nas mais pequenas coisas", acrescentou Resende.
Patrícia Sampaio revelou o desejo de que os portugueses "percebessem a mais-valia que os atletas de alto rendimento são para Portugal", sobretudo quando se superam e, perante desportistas com outras condições de preparação, conseguem desempenhos relevantes para o país.
O aumento da pressão indexado ao um maior apoio não é algo que preocupe a judoca, que entende que este estado de espírito é "um privilégio".
"É o reconhecimento do nosso valor. A confiança de que temos capacidade para fazer algo maior. Essa perspetiva tirou-me peso dos ombros, não é algo negativo. Retirei o lado positivo dessa ideia. Não sou apenas eu com a sensação que consigo fazer algo", ilustrou.
Carlos Resende defendeu a importância dos treinadores terem "tempo" para conhecer o lado humano e circunstâncias de vida dos seus atletas, pois entende que essa é "a melhor forma de extrair o melhor deles": "É investir tempo a conhecer as pessoas com quem trabalhas".
Fernando Pimenta recordou que não desperta diariamente "bem disposto e motivado" e que é o seu treinador quem, muitas vezes, puxa por si, fazendo, regularmente, o "papel de vilão", numa relação iniciada em 2001 e que conta já com cerca de 150 medalhas em importantes provas internacionais.
"O meu treinador vai comigo para o rio também nas exigentes manhãs de inverno e passa pelas mesmas condições extremas. Há uma grande relação de confiança no trabalho um do outro, sendo que estamos constantemente a partilhar 'feedbacks', a melhor forma de melhorar o trabalho", considerou.
Patrícia Sampaio defendeu que os treinadores "salvam vidas" de jovens, evitando que enveredem por "maus caminhos", assumindo também que aprendeu a "ouvir" mais os seus técnicos, no clube e seleção, algo que faz parte do processo do seu crescimento, desportivo e humano.
Carlos Resende disse ainda que o facto de ser atleta de excelência o ajudou a ser melhor treinador, assumindo que na primeira metade da sua carreira desportiva era o pupilo ideal para qualquer técnico.
"Corria e saltava mais do que os outros, trabalhava mais, chegava mais cedo e saia mais tarde dos treinos. Não discordava publicamente com o treinador, mas conversávamos em privado. Apoiava as suas decisões. Não é sorte, se formos atletas destes, a nossa probabilidade de sucesso é maior. E a dos treinadores também", concluiu.
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