"Quando me candidatei, tínhamos um processo de insolvência à porta e ninguém se quis aventurar, mas agora houve várias listas, temos ativos que não existam nessa altura e há suporte do [acionista maioritário da SAD] Gérard Lopez, que, mal ou bem, vai injetando dinheiro. No último verão, injetou mais de cinco milhões de euros (ME) e nem com isso a SAD conseguiu levantar os impedimentos da FIFA. Nós já estamos muito melhor do que estávamos e temos vida", disse o advogado, de 49 anos, em entrevista à agência Lusa.
Eleito sem oposição em dezembro de 2018 como sucessor de João Loureiro, de quem já tinha sido presidente-adjunto, e reconduzido ao fim de três anos, Vítor Murta não se recandidatou a um terceiro mandato e está de saída do 18.º e último colocado da I Liga, após já ter chefiado a SAD, gestora do futebol profissional 'axadrezado', de 2020 a 2024.
"A história irá contar o meu percurso no Boavista. Estamos numa fase em que esta ideia de saída é demasiadamente fresca e, até para mim, fica difícil fazer um balanço. Posso dizer que exerci as minhas funções com orgulho enorme e dei o meu melhor, o que nem sempre foi suficiente. Esta instituição tem imensos problemas, principalmente no plano financeiro, que se originaram a partir da construção do Estádio do Bessa e foram sendo herdadas ao longo dos anos. Acho que quem passou por cá tentou dar o melhor", frisou.
O advogado sucedeu a Álvaro Braga Júnior, antigo presidente do clube, na SAD, poucos meses antes da entrada do investidor hispano-luxemburguês Gérard Lopez no controlo maioritário, decisão aprovada por unanimidade pelos associados em Assembleia Geral.
Desde 2020/21, o Boavista atingiu sempre a manutenção no escalão principal, mas Vítor Murta nota que o projeto desportivo "acabou por ser posto em causa" com uma alegada incompatibilização entre Gérard Lopez e Luís Campos, então diretor-geral para o futebol.
"O Gérard foi fundamental para a nossa sobrevivência. Se não tivesse entrado na altura, penso que não estaríamos agora a competir na I Liga. Outra coisa é se faz sentido a sua continuidade. Se a SAD cumprir com o protocolo com o clube, acho que sim. Se não, há que encontrar outras soluções ou este clube não tem forma de subsistência", enquadrou.
Vítor Murta não foi convidado pelo investidor para fazer mais um mandato na SAD e deu lugar em maio de 2024 ao antigo futebolista senegalês e então administrador Fary Faye, três meses depois de renunciar ao cargo em desagrado com a contestação dos adeptos.
"Estava chateado e ferido, mas, se fizer um exercício de memória, percebe que naquela altura não estávamos no último lugar da I Liga, os funcionários não tinham quatro meses de salários em atraso e existia uma contestação forte a mim. Agora, estamos no último lugar, os funcionários têm quatro meses em atraso, não se afiguram melhorias na SAD e parece não existir contestação. A contestação que havia foi promovida internamente com o objetivo claro de que eu saísse da SAD. Tudo isto foi feito por gente que fazia parte da SAD, quis tomar o poder e, agora que o tem nas mãos, não sabe o que fazer", recordou.
No clube, o dirigente viu ser rejeitado um Processo Especial de Revitalização (PER), que permite às empresas em situação económica difícil ou insolvência iminente a negociação de um acordo com os credores para o cumprimento pontual das obrigações, ao contrário do pedido da SAD aceite em novembro pelo Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.
"Os credores do clube e da SAD são quase todos comuns. Em vez de a SAD se juntar ao PER do clube, intentou um PER com condições de pagamento distintas e isso meteu em causa a credibilidade do PER do clube, que acabaria por cair", fundamentou Vítor Murta.
Em busca de "soluções para minorar" os ordenados em atraso aos funcionários, o ainda líder do Boavista estará disposto a colaborar com o gestor Filipe Miranda ou o advogado Rui Garrido Pereira no triénio 2025-2027, mas sem apoiar nenhuma candidatura eleitoral.
"Como as nossas receitas são muito comedidas e a SAD não cumpre com o protocolo, o que temos feito nestes últimos meses é sobreviver. Surgiram duas listas, que dizem ter soluções e eu quero acreditar nisso. Agora, cabe a ambas tomarem decisões de fundo", finalizou, revelando que as contas dos exercícios 2021/22 e 2022/23 "estão prontas para serem divulgadas e votadas pelos sócios" após a investidura dos novos órgãos sociais.
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