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"Num 'grande' seria apenas mais uma. Em Rio Maior, sou a Inês Henriques"

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, a campeã do mundo nos 50 kms de marcha deu a conhecer o seu carinho pela terra que a viu nascer.

"Num 'grande' seria apenas mais uma. Em Rio Maior, sou a Inês Henriques"
Notícias ao Minuto

08:18 - 21/08/17 por Luís Moreira com Carlos Fernandes

Desporto Inês Henriques

Inês Henriques é, atualmente, uma das porta-estandartes da marcha nacional e mundial. Depois de ter batido o recorde mundial, no passado mês de janeiro, a atleta conquistou a medalha de ouro nos 50 kms, nos Mundiais de Londres, e... voltou a atingir o recorde do mundo - que já lhe pertencia.

Uma atleta que nunca vestiu a camisola dos ditos grandes de Portugal, por preferir representar as cores da sua terra natal: Rio Maior.

A medalhada portuguesa é a entrevistada, desta segunda-feira, do Desporto ao Minuto. Inês Henriques deu-nos a conhecer os seus primeiros passos até chegar ao sucesso de ouro e abordou os atuais perigos da renovação de gerações na marcha nacional.

Como começou este amor pelo atletismo?

A minha aventura no atletismo teve início pelo facto de, em Rio Maior, existir um torneio das freguesias em que o meu treinador ia às diferentes freguesias para organizar provas onde os miúdos das aldeias poderiam participar. Eu acabei por participar na minha aldeia e, posteriormente, fui convidada para fazer uma prova de 1000 metros em Rio Maior, na qual saí vencedora. No final, a Câmara Municipal convidou-me para ir para o atletismo.

E assim que chegou ao atletismo optou logo pela marcha?

Não, no atletismo fazíamos tudo. No entanto, a Susana Feitor foi campeã mundial de juniores [em 1992] e, nessa altura, houve um grande entusiasmo à volta da marcha. Eu experimentei, gostei e além disso comecei logo a ter bons resultados a infantil. Desde então fiquei por este desporto.

Quando era pequenina, ia correr com os meus colegas e via-os a parar durante o percurso, e não achava piada nenhuma aquiloO facto de ser uma modalidade com menos visibilidade não a desmotivou?

Sempre fui muito empenhada. Por exemplo, quando era pequenina, ia correr com os meus colegas e via-os a parar durante o percurso, e não achava piada nenhuma aquilo (risos). Fiquei tão focada nisso [na marcha] que acabei por pensar que podia fazer carreira.

Nunca lhe passou pela cabeça desistir e seguir outro ramo?

Nunca pensei nisso. Comecei em 1992, logo desde cedo fui a provas e comecei a ter bons resultados, sendo que ao longo dos anos fui criando uma ligação forte com a modalidade. Quando dei por mim, estava a um nível tão elevado que já não podia desistir.

Chegavam-me a dizer que a marcha dos 50 quilómetros só começa a partir dos 30/35 anos e é bem verdade

Para quem não conhece bem a modalidade, qual é a maior diferença entre a marcha de 20 quilómetros e a de 50?

Os 50 quilómetros de marcha é para atletas com mais experiência, que consigam percorrer um percurso vasto de forma constante. Agora vai-me dizer que a chinesa que ficou em segundo lugar tem 20 anos… é verdade. No entanto, a China é a China e a Rússia é a Rússia, são países com tradição de grandes atletas. Se olharmos para os 50 quilómetros de marcha masculina, podemos ver que maior parte dos atletas dedica-se aos 20 quilómetros primeiro e depois é que parte para os percursos mais longos. É preciso muito trabalho, não é só talento. Tem de haver um conjunto vasto de fatores. Os homens chegavam-me a dizer que a prova dos 50 quilómetros só começa a partir dos 30/35 anos e é bem verdade (risos).

Apesar de de ter batido o recorde mundial, acreditava que poderia conquistar a medalha de ouro na marcha de 50 km, em Londres?

Eu era favorita a vencer pelo facto de o recorde do mundo pertencer-me. Além disso, tinha conhecimento das outras adversárias e sabia como elas competiam, mas depois havia as chinesas de quem tanto eu como o meu treinador não tínhamos grande conhecimento… Na altura, até fiquei um pouco nervosa. Ele até me chegou a dizer para ter cuidado com elas, porque iriam andar perto de mim pelo menos até aos 30 quilómetros… e foi o que aconteceu, felizmente (risos). Por causa das suas tenras idades e falta de experiência acabaram por perder fulgor a essa altura.

A marcha, mesmo nos masculinos, vai estar uns anos com dificuldades em arranjar atletasTeremos atletas nesta modalidade capazes de continuar no caminho das conquistas?

Na marcha feminina, durante 12 anos andámos a lutar 4/5 atletas para três lugares. Este ano, infelizmente, tínhamos lugares que chegassem… a Ana [Cabecinha] foi ao 20 quilómetros e eu fui aos 50. Tendo em conta que este panorama não está fácil para 20 quilómetros, muito menos para os 50. A marcha, mesmo nos masculinos, vai estar uns anos com dificuldades em arranjar atletas. Este ano, só para ter a noção, nos Mundiais de Atletismo apenas fomos quatro. Embora a marcha portuguesa tenha mostrado a sua qualidade, é preciso dar um segundo passo. Por agora, está muito distante.

O que devia ser feito mais nesse sentido para que haja mais jovens?

Os jovens agora têm muita coisa para se distraírem, principalmente com as novas tecnologias é mais difícil cativá-los para o atletismo, que é um desporto de que é preciso gostar, porque não é fácil. Nós, atletas, andamos sempre nos limites. Além disso, este ano verificou-se uma coisa com a qual eu não concordo, a Federação de Atletismo que repense o que fez na Taça da Europa de marcha, em que decidiu não levar todos os atletas que tinham mínimos à competição, tendo em conta que era uma prova em equipas. Nos masculinos, apenas foram dois atletas, enquanto das femininas foram três, sendo que eu acabei por ser desqualificada e não conseguimos formar equipa. Por exemplo, em Espanha, houve um caso curioso: um atleta foi selecionado para ir aos 50 quilómetros com uma marca de 4 horas e 22 minutos e chegou ao Europeu e fez 3 horas e 55 minutos. Quer dizer que não foi uma aposta ganha? É preciso investir nesse aspeto, senão os miúdos ficam desmotivados. Ficam a 10 segundos do mínimo não vão, noutra altura ficam a 5 também não vão… assim é fácil perder motivação.

Posso não ter o aspeto financeiro em Rio Maior, mas tenho as condições de que um atleta de alta competição necessita

Muitas vezes as pessoas consideram que os atletas que têm ligação com os ditos três grandes têm melhores condições, é verdade?

A única diferença é em termos monetários. Sempre estive no clube de Natação de Rio Maior, há 25 anos que estou lá. O clube não me paga nada - eu ainda pago a quota mensal - no entanto, recebo uma pequena compensação monetária por parte do complexo desportivo de Rio Maior. Em termos de infraestruturas, não me posso queixar porque tenho tudo o que preciso. Posso não ter o aspeto financeiro mas tenho as condições que um atleta de alta competição necessita. Não preciso de sair daqui para ser uma atleta melhor. Às vezes, num clube grande, somos apenas mais um, e aqui eu sou a Inês Henriques. 

Para finalizar, quais são os próximos objetivos?

Neste momento, eu e o meu treinador temos objetivos a longo prazo, e não a curto. Agora, o nosso grande objetivo é marcar presença nos Jogos Olímpicos de 2020 - em Tóquio - e no ano a seguir, na altura do mês de abril, terminar a carreira no Grande Prémio de Rio Maior, na minha terra.

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