Estado injetou mais de 4 mil milhões na CGD perante prejuízos recorde

O Estado injetou diretamente 4.195 milhões de euros na CGD desde 2011, perante prejuízos acumulados de 3.416,8 milhões de euros até setembro passado, desde logo devido à constituição de imparidades para créditos em incumprimento.

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Lusa
30/01/2019 07:09 ‧ 30/01/2019 por Lusa

Economia

Polémica

Contudo, o dinheiro injetado pelo Estado na Caixa Geral de Depósitos (CGD) não é o valor total com que o banco público foi recapitalizado nos últimos oito anos, uma vez que houve outras operações para melhorar o capital, mas sem implicar diretamente injeção de verbas pelo Tesouro.

Em 2011, com o agudizar da crise, ainda estava no poder o governo socialista de José Sócrates, intensificaram-se também as informações em torno das necessidades de capital da CGD, até perante as maiores exigências dos reguladores em termos de rácios de capital.

Um debate que se reforçou após a intervenção da 'troika', já com o governo PSD/CDS-PP de Passos Coelho.

Logo em novembro de 2011, o Estado português fez um aumento de capital do banco público mas muito tímido, de apenas 100 milhões de euros, através da incorporação de reservas.

Contudo, ainda antes do final desse ano foi conhecido que a CGD precisava de 1.834 milhões de euros para reforçar os seus níveis de capital, isto depois dos testes de 'stress' levados a cabo da Autoridade Bancária Europeia (EBA na sigla em inglês).

Uma vez que a CGD estava impedida de aceder ao fundo da 'troika' para recapitalização dos bancos, o governo decidiu, em junho de 2012, fazer uma injeção de capital de 750 milhões de euros e ainda subscrever 900 milhões de euros em obrigações convertíveis em capital ('Coco's').

O tema das necessidades de capital do banco público não ficou fechado e nos anos seguintes continuou a falar-se na necessidade de o Estado abrir novamente os cordões à bolsa.

Ao mesmo tempo corria a informação de que o executivo queria fazer a privatização (ainda que parcial) da CGD, suportada em declarações de alguns políticos e economistas próximos do PSD.

Os responsáveis governamentais foram-se esquivando a perguntas e, em junho de 2013, Passos Coelho garantiu não haver "nenhum compromisso assumido relativamente à privatização da CGD" e prometeu que, no dia em que isso acontecesse, seria feito de forma transparente.

Em 2013 e 2014, a CGD vendeu os negócios da saúde (grupo HPP) e dos seguros (Fidelidade, Multicare e Cares), com impactos positivos nos rácios de capital.

O tema capitalização da CGD voltaria a ganhar ímpeto já em 2016, falando-se então da necessidade de cerca de quatro mil milhões de euros, e o governo PS de António Costa enceta negociações com a Comissão Europeia sobre o montante da recapitalização e o modo como seria feita.

A responsabilização de ex-gestores da CGD em créditos concedidos que se revelaram ruinosos já era notícia, tendo fonte oficial do Ministério das Finanças remetido em junho de 2016 para as entidades competentes o apuramento das responsabilidades civis e criminais sobre os empréstimos concedidos "sem a devida avaliação" antes da recapitalização de 2012.

O gabinete de Mário Centeno reagia, na altura, à notícia do Correio da Manhã, segundo a qual "mais de 2,3 mil milhões de euros de empréstimos estão em risco de não serem pagos à CGD", tendo sido os mais problemáticos concedidos na administração de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara.

O Ministério das Finanças dizia ainda que a capitalização de 2012 foi a "necessária para fazer face às imparidades detetadas" e que quaisquer "prejuízos decorrentes de imparidades de crédito não registadas em 2012 apenas podem decorrer" ou de eventos não antecipáveis ou de uma "avaliação deficiente de risco por parte das entidades envolvidas na determinação do montante da capitalização necessária em 2012, com destaque para o Banco de Portugal, os auditores da CGD e a 'troika'".

Em 24 de agosto de 2016 seria finalmente noticiado o acordo entre Bruxelas e Lisboa para uma recapitalização da CGD de quase 5.000 milhões de euros.

Assim, nos meses seguintes, o Estado injetou diretamente 2.500 milhões de euros e o banco público foi recapitalizado ainda com 500 milhões de euros decorrentes da transferência de ações da ParCaixa e mais 945 milhões da conversão em capital dos 'CoCo's' de 2012 (incluindo juros).

O banco público emitiu ainda, nos 18 meses seguintes, cerca de 1.000 milhões de euros em dívida subordinada colocada junto de investidores institucionais privados, uma operação negociada com Bruxelas para que a recapitalização não fosse considerada ajuda de Estado.

Em janeiro de 2017, o ex-presidente da CGD António Domingues (que negociou com Bruxelas a recapitalização mas que apenas esteve no banco quatro meses devido à polémica relacionada com os seus rendimentos) justificou a elevada injeção de capital com a necessidade de fazer face a perdas potenciais que a sua equipa encontrou no banco, mas escusou-se a quantificar o valor das imparidades identificadas.

A CGD passou também por um processo de reestruturação, com redução de milhares de trabalhadores, fecho de dezenas de agências e venda de operações fora de Portugal (casos de Espanha e África do Sul).

Nestes oito anos, os resultados da CGD apresentados anualmente foram uma sucessão de más notícias, tendo acumulado desde 2011 e até setembro de 2018 (últimas contas conhecidas) prejuízos de 3.416,8 milhões de euros, já líquidos dos lucros que teve em 2017 (51,9 milhões) e nos primeiros nove meses do ano passado (369 milhões).

O pior resultado da CGD foi em 2016, quando teve um prejuízo histórico de 1.859 milhões de euros, num ano em que constituiu provisões e imparidades de 3.017 milhões de euros (sobretudo para fazer face a potenciais perdas com créditos).

Na semana passada foi conhecida uma versão da auditoria da EY (antiga Ernst & Young) à CGD relativa ao período 2000-2015, com data de dezembro de 2017, que aponta "importantes insuficiências" organizacionais que poderão ter contribuído para decisões pouco fundamentadas na concessão de crédito e detetou sete operações de concessão de crédito com risco grave ou elevado e perdas de mais de 1000 milhões de euros, entre as quais o financiamento da fábrica da La Seda, em Sines.

O relatório refere ainda que os administradores do banco público receberam "remuneração variável" e "voto de confiança", mesmo em anos de resultados negativos.

Hoje, o ministro das Finanças, Mário Centeno, é ouvido sobre este tema no parlamento, na sequência de um requerimento do PCP.

 

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