O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, antecipou-se à 'tempestade' e pediu escusa das decisões relacionadas com a polémica auditoria à Caixa Geral de Depósitos (CGD), realizada pela EY, uma vez que foi administrador do banco. Agora, sabe-se que este pedido foi submetido há três meses e aceite na mesma altura pelo conselho de administração, mas os partidos não consideram isso suficiente. Da Esquerda à Direita pede-se exoneração com Carlos Costa no 'olho do furacão'.
O primeiro partido a insurgir-se foi o Bloco de Esquerda (BE), que apresentou um projeto de resolução no qual pede a avaliação da idoneidade do governador do Banco de Portugal, considerando que Carlos Costa "não pode estar acima de escrutínio", e defendeu a sua exoneração, ou seja, a saída do cargo que ocupa no supervisor máximo da banca portuguesa.
O CDS-PP pouco demorou a pedir que Carlos Costa fosse o primeiro a ser ouvido pela comissão parlamentar de inquérito à CGD, não excluindo um pedido de exoneração. Aliás, o deputado e porta-voz do partido, Joao Almeida, adiantou que "quando o supervisor tem um governador que pede escusa num dos processos mais importantes que o banco tem para apurar, é indiscutível que a exoneração tem de se colocar".
Também o PCP se mostrou disponível para acolher o projeto de resolução em favor da exoneração de Carlos Costa do cargo, apesar de Jerónimo de Sousa reconhecer que não conhece os "fundamentos" do projeto do BE. Ainda assim, o secretário-geral comunista recordou críticas anteriores do seu partido ao atual governador.
O social-democrata António Leitão Amaro recorreu à sua página de Facebook para sublinhar que que “para o PSD não há intocáveis”, frisando que "é na Comissão Parlamentar de Inquérito que TODOS os envolvidos na gestão ruinosa da Caixa vão ser escrutinados e eventualmente responsabilizados”.
O PS ainda não se havia pronunciado publicamente à hora de publicação deste artigo.
Marcelo não comenta pedidos de exoneração
À semelhança da postura que tem vindo a adotar face a alguns assuntos mais polémicos, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não quis comentar o pedido do Bloco para a exoneração do governador do BdP. Marcelo fez-se valer do argumento de que "não é um poder do Presidente da República" comentar "posições de dirigentes, de parlamentares, de governantes".
E o Governo, o que pede?
O Governo quer que sejam apuradas as responsabilidades de "todos os envolvidos" na gestão danosa da CGD e que sejam aplicadas consequências "sem olhar a quem". O secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, salientou que "estão a ser apuradas responsabilidades civis, criminais e contraordenacionais de todos os que estiveram envolvidos".
Carlos Costa disponível para prestar esclarecimentos
O primeiro esclarecimento do BdP, a dar conta de que Carlos Costa não iria participar nas decisões relacionadas com a Caixa, surgiu no seguimento das notícias de duas publicações, ambas na semana passada.
A revista Sábado noticiou que Carlos Costa esteve em, pelo menos, quatro reuniões onde foram aprovados empréstimos a devedores, que acabaram por resultar em perdas elevadas para a CGD. Segundo a publicação, não há, no entanto, registo de o atual governador do BdP ter contestado ou questionado esses mesmos créditos.
Também o Jornal Económico deu conta de que o supervisor estaria a avaliar a responsabilidade de ex-gestores da CGD nas decisões de negócios ruinosos do banco público. Porém, este exame excluiria o Carlos Costa.
Contudo - e no seguimento destas notícias -, Carlos Costa disse estar "totalmente disponível" para prestar os esclarecimentos que o Parlamento entenda necessários, "designadamente sobre os termos da sua participação nos órgãos colegiais que aprovaram as operações que são objeto da auditoria da EY à CGD".
Carlos Costa está à frente do BdP desde junho de 2010, tendo sido nomeado pelo Governo PS de José Sócrates e reconduzido para novo mandato - que termina em 2020 - pelo executivo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho.
Elisa Ferreira não vê motivos para pedir escusa
Ainda na segunda-feira, a vice-governadora do Banco de Portugal, Elisa Ferreira, disse não ver razões que possam influenciar a sua atuação na supervisão da CGD, não tendo, por isso, pedido escusa da participação em decisões sobre situações analisadas na auditoria.
A agência Lusa questionou o BdP sobre se Elisa Ferreira ponderava pedir escusa à análise da auditoria, uma vez que foi conhecido que o seu marido foi vice-presidente da espanhola La Seda, que recebeu créditos do banco público que resultaram em prejuízos para a instituição.
No entanto, o BdP respondeu alegando que as suas competências "incidem direta e exclusivamente sobre as instituições financeiras supervisionadas" e que "não se pronuncia, nem tem essa competência, sobre a qualidade de gestão de empresas comerciais, nem sobre os projetos de financiamento que submetem à consideração dos bancos sujeitos a supervisão".
O que diz a lei
Carlos Costa pode ser exonerado do cargo se não cumprir os requisitos ou tiver cometido falta grave. De acordo com a lei orgânica do BdP, "os membros do Conselho de Administração são inamovíveis" e só podem "ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de Bancos Centrais/Banco Central Europeu]".
Esta legislação europeia refere que "um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave".