Desconvocada. Esta foi a palavra pela qual muitos ansiaram ao longo dos sete dias da greve dos motoristas de matérias perigosas e dos motoristas de mercadorias, que prometeu parar o país - mas não parou, já lá vamos. A decisão de colocar um 'ponto final' foi tomada num plenário, convocado pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP).
A paralisação começou à meia-noite da segunda-feira passada e terminou às 19h40 de domingo. O desgaste negocial e dos trabalhadores nos piquetes era evidente, mas há muito a dizer sobre esta greve.
Os sete momentos 'chave'
- 1- Corrida aos combustíveis antes de a greve começar
Contrariamente ao que aconteceu na primeira greve dos motoristas de matérias perigosas, em abril, esta paralisação perdeu um dos seus maiores trunfos: o fator surpresa. Por isso, em resposta ao apelo do ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, - que, uma vez mais, foi fundamental no processo -, os portugueses atestaram os depósitos dos seus veículos na semana antes da greve. Assim sendo, a escassez de combustível já era uma realidade nos dias que antecederam a paralisação. Por outro lado, conseguiu evitar-se um impacto mais significativo nos primeiros dias de greve.
- 2- "Nem um passo atrás!"
Esta é a frase que melhor descreve a posição dos motoristas ao longo de todo este processo. "Nem um passo atrás!" foi o que gritaram quando, no fim de semana que antecedeu a greve, decidiram manter a paralisação, por tempo indeterminado. Este foi, aliás, um grito de luta mantido ao longo dos sete dias até à desconvocação da greve, quando a frase voltou a ser entoada.
Greve dos motoristas de matérias perigosas foi desconvocada após sete dias de paralisação © Global Imagens
- 3- Governo intervém e usa (mais uma) 'arma'
Comecemos pela primeira 'arma' utilizada pelo Governo, os serviços mínimos. Como os trabalhadores e a entidade que representa as empresas transportadoras (ANTRAM) não conseguiram chegar a um acordo, foi o Governo quem definiu os serviços mínimos. Ora, para evitar uma paralisação como a de abril, o Executivo de António Costa foi assertivo e decretou serviços mínimos de entre 50% a 100%. O sindicato depressa se manifestou, considerando que não se tratava de serviços mínimos, mas antes de "serviços máximos".
Mas não foi suficiente, por isso isso vamos à segunda 'arma'. O incumprimento levou a que, logo no primeiro dia da paralisação, o Governo decretasse uma requisição civil parcial, porque o comportamento mudou "da manhã para tarde", disse na altura António Costa. Esta era, aliás, uma das reivindicações da ANTRAM já antes de se iniciar a paralisação.
As forças de segurança desempenharam um papel fulcral neste processo, uma vez que garantiram que os serviços mínimos fossem sendo cumpridos, evitando que a paralisação resultasse num problema maior para os portugueses. Com a requisição civil, além de GNR e PSP, as Forças Armadas também começaram a assegurar serviço.
Forças Armadas conduziram vários camiões-cisterna durante a greve. © Global Imagens
- 4- Uma 'guerra' entre porta-vozes?
Ficou evidente, desde o primeiro momento, que há dois rostos que marcam e representam os dois lados da paralisação. De um lado, Pedro Pardal Henriques, advogado, porta-voz e vice-presidente do sindicato dos motoristas de matérias perigosas (SNMMP), uma cara já conhecida da primeira greve. Do outro, André Matias de Almeida, também ele advogado, mas representante da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), uma cara 'nova' neste processo.
A troca de acusações entre ambos foi evidente. Pardal Henriques acusava André Matias de ligações ao Partido Socialista (PS), enquanto o porta-voz da ANTRAM chegou a pedir o afastamento do vice-presidente do sindicato para que as negociações pudessem prosseguir.
- 5- as alegadas detenções ao boicote dos serviços mínimos
A meio da semana a greve começou a parecer tomar outras dimensões. A escalada do tensões começou quando o ministro do Ambiente e da Transição Energética, Matos Fernandes, disse que a requisição civil não tinha sido cumprida por 14 trabalhadores, sendo que alguns deles já teriam sido identificados. De recordar que o não cumprimento de uma requisição civil constitui um crime de desobediência e cabe ao Ministério Público agir judicialmente.
Nesta senda, o terceiro dia de greve começou com Pardal Henriques a apelar ao não cumprimento dos serviços mínimos. "Se vai um motorista ser preso, então o senhor ministro tem de trazer grandes autocarros para levar os 800 motoristas do país", apontava o advogado.
Pardal Henriques voltou a ser o porta-voz do SNMMP, à semelhança do que aconteceu em abril© Global Imagens
- 6- Sindicato perde aliado e fica mais 'isolado'
Já desgastados pelo próprio protesto e pela troca de acusações em praça pública, os motoristas foram surpreendidos, a meio da semana, pelo acordo entre a Fectrans, federação de sindicatos de transportes, afeta à CGTP, que não convocou a greve, e a ANTRAM, que assinaram um acordo relativo ao contrato coletivo de trabalho numa reunião no Ministério das Infraestruturas e da Habitação, em Lisboa.
Ora, a este 'golpe' seguiu-se outro ainda maior: no dia seguinte, o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) chegou a acordo com a entidade que representa as empresas e desconvocou a greve. O sindicato de matérias perigosas banalizou a situação e recusou estar 'isolado', apesar de a incompreensão ser evidente. Certo é que perderam o seu maior aliado neste processo.
- 7- Greve desconvocada (para já). Fim da crise à vista
A resposta ao abandono do SIMM foi, novamente, "nem um passo atrás!". No entanto, no dia seguinte, o sindicato de motoristas de matérias perigosas mostrou disponibilidade para suspender a greve, de forma a prosseguir com as negociações. Seguiu-se uma maratona negocial, com o Governo a mediar, que durou mais de 10 horas e não resultou em qualquer acordo entre as duas partes.
Só o plenário dos trabalhadores deste domingo colocou termo à paralisação, mas com condições. "Caso a ANTRAM demonstre uma postura intransigente", na reunião agendada para terça-feira, o sindicato vai tomar medidas como "a convocação de greves às horas extraordinárias, fins de semana e feriados", até que os interesses dos motoristas sejam efetivamente assegurados.
Ainda assim, e apesar da incerteza até que as partes se sentem à mesa, esta decisão parece ter trazido alguma normalidade, motivo pelo qual o primeiro-ministro, António Costa, anunciou, esta segunda-feira de manhã, que a crise energética termina à meia-noite. O mesmo se passa relativamente aos postos prioritários da Rede de Emergência de Postos de Abastecimento (REPA), que deixarão de ser exclusivos, duas iniciativas que foram já aprovadas pelo Conselho de Ministros.
Não obstante, salienta o primeiro-ministro, serão necessários "dois a três dias" para que o abastecimento seja efetuado com normalidade.
Demorará dois a três dias a existir normalidade no abastecimento. Agradeço à ENSE - Entidade Nacional para o Setor Energético a monitorização e planeamento que permitiu minorar o mais possível os efeitos da greve e assegurar que o país não tivesse parado. pic.twitter.com/0Vp5IU2nf8
— António Costa (@antoniocostapm) August 19, 2019
Seja como for, o país pode (pelo menos por enquanto) respirar de alívio. E o Governo também, até porque faltam menos de dois meses para as eleições legislativas.