"Os nossos empresários, muitos que começaram como operários, estão mais habituados a passar crises do que outras pessoas que nunca tiveram de viver situações complicadas", afirmou Carlos Vinhas Pereira, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Franco-Portuguesa (RCCP), em declarações à Lusa.
Tal como o resto da país, também a RCCP, que junta empresários portugueses e de origem portuguesa que operam em França em vários setores de negócio, entrou em teletrabalho e foi muito procurada para dúvidas sobre o novo funcionamento do país em confinamento.
"Estivemos a trabalhar a partir de casa e a nossa tarefa é informar no dia a dia as medidas do Governo, explicar como podem ser utilizadas e também as medidas dos nossos bancos associados", indicou Carlos Vinhas Pereira, explicando que o "número de pedidos de informação aumentou" desde 17 de março, início da quarentena.
Um dos setores mais representados na RCCP é o das obras públicas (cerca de 40% dos associados) e um dos que mais sofreu nos cerca de dois meses de paragem em França.
"O que foi mais violento, foi o discurso do Presidente Emmanuel Macron [em 17 de março]. Na segunda-feira tínhamos 62 obras ativas e foi de uma violência enorme porque nessa noite parámos 90% e os outros 10% na terça-feira ao meio-dia", descreveu Artur Machado, presidente de uma empresa de construção civil.
A CentralPose trabalha sobretudo nas obras públicas. A empresa está representada um pouco por toda a França e chega a ter mais de mil trabalhadores em determinadas alturas, uma grande parte agora em desemprego parcial.
"O Estado assumiu as suas responsabilidade e o trabalhador está a receber 84% do seu salário. Nos primeiros 15 dias fizemos o esforço no grupo e pagámos os restantes 16%. Este mês, já não conseguimos", referiu Artur Machado.
Mas nem todas as empresas estão a ter facilidade em aceder às medidas de emergência do Estado francês como o apoio ao desemprego parcial.
"O problema grande é conseguir falar com as administrações sobre o desemprego parcial. Hoje ainda não temos os nossos 42 empregados nessa modalidade. A administração francesa é um pesadelo", revelou Sandra Gonçalves, diretora-geral da Canelas, empresa de 'catering' e restauração na região parisiense.
Ao contrário de outros setores, a Canelas não fechou perante a covid-19. Mesmo com um número reduzido de clientes e respeitando as regras de segurança em vigor, continuou a produzir sobretudo pão e pastelaria para os supermercados portugueses.
"Tivemos uma baixa de negócio de 80% e só temos cerca de 50 clientes nos quais há revendedores, mas mais supermercados portugueses. Para estes estabelecimentos, os produtos portugueses são essenciais, mas tudo que é mercado francês tanto pão como pastelaria não está completamente fechado, mais baixou imenso", relatou a empresária.
Houve então necessidade de reinventar o negócio. A partir da semana da Páscoa, a Canelas passou a oferecer um serviço de entregas ao domicílio junto de particulares.
"Foi muito intenso. Houve mesmo muitos clientes e não estávamos à espera disso. As pessoas agradeceram imenso porque continuamos a ter preços baixos", contou Sandra Gonçalves.
A empresária pensa agora expandir a oferta de entregas a pratos quentes e lançou uma 'box' de aperitivos que pode ser degustada em toda a região parisiense. Para substituir os eventos, grande parte do negócio desta empresa familiar, também já há ideias.
"As empresas não vão ter restaurantes perto e estamos a contactá-los para ver se nós podemos ir até eles com alguns pratos e fazer um género do prato do dia para os trabalhadores", avançou.
Os grande eventos em França só devem voltar no final de setembro, algo inédito para uma cidade que acolhe alguns dos maiores salões do mundo e um setor que traz à capital milhões de pessoas por ano. É o caso do InPortugal, salão de imobiliário dedicado a Portugal, que conta anualmente com 6.000 visitantes e deveria acontecer em maio.
"Os eventos estão proibidos até setembro. Quando fomos para confinamento, a cerca de dois meses do salão, contactei imediatamente o parque de exposições e consegui mudar o salão de 14 a 17 de maio para 25, 26 e 27 de setembro", disse Ricardo Simões, diretor do InPortugal.
Este evento decorre normalmente no Parque de Exposições de Versalhes, no Sul da capital, mas a mudança de datas levou também a uma mudança de local. Este ano, o InPortugal vai decorrer no Espace Champerret, no 17.º bairro de Paris.
Mas se há data e local, há dúvidas que persistem. "É tudo muito incerto e depois há a questão de como é que vão passar a consumir as pessoas. Que mudanças nos comportamentos, nas motivações, nos projetos", questionou Ricardo Simões.
A favor do salão e da possível compra de imobiliário em terras lusas, está "o reforço da imagem positiva de Portugal" com o diminuto número de casos e mortes do vírus em comparação com a situação em França.
"A nível de visitantes, acho que os projetos de investimentos continuam lá", assegurou o diretor da feira.
No entanto, o investimento privado e público vai depender do clima da economia. E, para algumas empresas, o futuro não se apresenta positivo em França.
"Não estou preocupado com o futuro destas empresas [portuguesas]. Não direi o mesmo sobre a situação da economia em França. Vai haver muitas falências e muitos vão aproveitar esta oportunidade para recomeçar de novo e liquidar empresas que já estavam em dificuldades", analisou Carlos Vinhas Pereira.
Dependente do investimento público para continuar as suas obras, Artur Machado espera que o Governo francês não recue nos compromisso já assumidos com as empresas e esclareça a situação das eleições municipais, que ficaram na primeira volta, e impedem os autarcas de avançarem com concursos públicos.
"Se não houver um grande plano de investimento em que todo o sistema de financeiro injete dinheiro na economia, vai haver muitos problemas. O desempenho do setor da construção civil é uma forma de medir a economia de um país e se houver uma segunda vaga [de covid-19], pode haver uma recessão tão grande que pode haver muitas falências", garantiu.
O empresário português espera ter metade das suas 62 obras operacionais até 20 de maio, avisando que os prazos vão derrapar já que em obras com muitos trabalhadores, o regresso se vai fazer de forma progressiva para assegurar a segurança de todos.
Mas a vontade é regressar ao trabalho.
"O regresso ao trabalho é voluntário, mas 98% dos nossos trabalhadores dizem que querem voltar. As pessoas querem sair de casa, trabalhar e não estar a receber dinheiro sem esforço. Mas essa é a mentalidade portuguesa, já que 70% dos nossos trabalhadores são de origem portuguesa", concluiu Artur Machado.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 260 mil mortos e infetou cerca de 3,7 milhões de pessoas em 195 países e territórios.