"Teremos de vencer no curtíssimo prazo a hibernação económica em que nos encontramos: não só na inércia do arranque, como conseguir a produtividade suplementar para compensar os 'consumos' da sociedade utilizados durante a paragem, sem a normal contrapartida do valor então criado", sustentou o antigo presidente da metalomecânica Adira, António Cardoso Pinto, em declarações à agência Lusa.
Na quarta-feira, numa audição da comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, o ministro dos Negócios Estrangeiros defendeu que a estratégia de Portugal para ultrapassar a crise económica provocada pela pandemia da covid-19 passa, precisamente, por tornar o país um "poderoso 'cluster' da industrialização na Europa".
"O primeiro eixo [da estratégia portuguesa] é que Portugal quer estar na linha da frente da reindustrialização da Europa e quer pôr ao serviço da Europa as suas enormes capacidades em matéria industrial", afirmou Augusto Santos Silva, acrescentando: "Fala-se do têxtil e do vestuário, do calçado, mas também de engenharia, farmacêutica e agroalimentar. Portugal quer ser um fator de industrialização, um 'cluster' industrial poderoso na Europa da reindustrialização".
Numa recente entrevista à agência Lusa, também o primeiro-ministro, António Costa, sustentou que com a atual crise "a Europa vai ter seguramente de compreender que vai ter de reforçar muitíssimo a sua base industrial", considerando indispensável que Portugal estivesse "na primeira linha" desse "reforço da capacidade de produção nacional", até porque é dos países onde ainda se sabe "fazer muitas das coisas que a Europa se habituou a deslocalizar para o Oriente."
Para o ex-presidente da Adira -- que atualmente lidera um projeto industrial relacionado com a aeronáutica, em Torres Vedras -- o "financiamento de fundo" desta recuperação do tecido empresarial português deverá ser feito "a partir de um instrumento europeu, para não agravar a contabilidade pública nacional", criando-se o que denomina de "fundos de recuperação de capital covid".
Cardoso Pinto defende a criação de "um grande fundo público de capital de risco para aumentos de capital às empresas" que, "mais do que empréstimos ou de ajudas a fundo perdido, entrasse pelo cofinanciamento": "Sugiro que o relançamento das empresas seja baseado na participação no capital ou quase capital dessas empresas, através de produtos como ações preferenciais ou obrigações convertíveis, feito por esses fundos públicos de ações ou obrigações", sustenta.
"Ficaríamos assim com empresas mais sãs e mais capazes e o Estado/União Europeia poderia desejavelmente vir a ser reembolsado quando os acionistas iniciais comprassem essas participações (desejavelmente valorizadas) ao fundo", explica.
Alternativa ou complementarmente, António Cardoso Pinto advoga que se suspenda parte da fiscalidade, convertendo também esse valor em 'quase capital': "Para ajudar as empresas, ao nível da fiscalidade em vez de adiar ia mais fundo e perdoava mesmo, sendo que depois o Estado seria compensado a partir deste fundo", explica.
Outra das prioridades apontadas pelo empresário é a "mobilização e desburocratização" da estrutura já existente para apoio às empresas.
Convencido de que instituições como o IAPMEI, AICEP, Compete, Banco de Fomento ou Cosec "não estão cá para ajudar as empresas, mas para não correrem riscos, numa burocracia que não acaba nunca", Cardoso Pinto defende a "mudança de mentalidade para uma filosofia mais saxónica", em que "quem se quiser candidatar, em princípio tem direito e se depois se vier a verificar que foi mentiroso, sofre castigos pesados".
Também para Luís Mira Amaral, antigo ministro da Indústria e Energia e ex-presidente executivo do banco BIC Portugal, a atual crise gerada pelo novo coronavírus é "uma oportunidade única" para avançar com a reindustrialização da economia portuguesa, por várias razões.
"Primeiro, porque nos circuitos de abastecimento esta tese de dependermos em tudo da China vai acabar e pode haver oportunidade para a integração de empresas portuguesas nas novas cadeias de valor internacionais, substituindo atividades que se vão deslocalizar da China", afirma.
"Por outro lado -- acrescenta -- e como se vê nos equipamentos que as empresas portuguesas do setor têxtil, vestuário, metalomecânica e química passaram a fazer no âmbito desta questão sanitária, pode haver aqui outras oportunidades de mercado para a indústria nacional".
Neste contexto, Mira Amaral diz fazer "todo o sentido voltar a pensar num programa de reindustrialização do país semelhante" ao PEDIP (Programa Específico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa) que ele próprio promoveu quando esteve no governo, nos anos 90.
"Agora nem foi preciso o governo atuar, foram as empresas que avançaram e fizeram o papel delas. Mas, obviamente, se houvesse uma coordenação e um impulso governamental isto era melhor", sustenta.
Na opinião do ex-governante, "isto faz sentido também porque toda a gente fala agora no chamado 'Plano Marshall' para a Europa, uma estratégia de recuperação económica da Europa feita com fundos europeus".
"Portugal devia aproveitar esses fundos para ter um programa de reindustrialização a sério. Se essa estratégia europeia for para a frente com novos fundos, que são substanciais, Portugal tem aqui uma oportunidade única de aproveitar as verbas alocadas a Portugal para fazer uma estratégia de reindustrialização consequente", considera.
Para o presidente da Frulact, João Miranda, após a indústria ter "ressurgido com a crise de 2009/10/11, em que houve um acordar do Estado para a importância de áreas fundamentais como a inovação e a alimentação", desde 2014/15 que o protagonismo assumido pelo turismo acabou por atirar o setor industrial para "um lugar mais cinzento da governação".
"Precisamos de ter um discurso político que galvanize e que dê confiança aos atores que estão na indústria. Não podemos largar por um minuto que seja o apoio, o estímulo e o suporte à indústria, que necessita de atualização constante, colocando-se o conhecimento ao serviço da sua competitividade e produtividade", defende.
Assegurando que "há na indústria em Portugal capacidade instalada e competências brutais nas mais diversas áreas de atividade", João Miranda apela ao Estado para que "faça o favor de as utilizar da melhor forma possível, dando-lhes apoio": "Quando não dá, a verdade é que os industriais continuam a fazer o seu trabalho, mas seria possível potenciá-lo de outra forma se os apoiasse", garante.
Já o fundador e 'chairman' da Frezite, que recentemente participou numa reunião com o primeiro-ministro e com o ministro da Economia para discutir "como valorizar cada vez mais a indústria dos bens de equipamento", reconhece que António Costa "está com o 'feeling' [sentimento] de que é preciso mais indústria na economia portuguesa".
"O atual Governo apercebeu-se de que, cada vez que há um impulso para alavancar a nossa economia, a riqueza nacional vai para o exterior, para comprar bens industriais. E a questão que se põe é essa: por que é que isto não fica cá, por que é que não se cria valor em Portugal e não se desenvolve a nossa indústria, reforçando a produção no país de bens de equipamento?", questiona José Manuel Fernandes.
Também convencido de que a excessiva dependência portuguesa/europeia da China "está na cabeça do primeiro-ministro e do próprio Conselho Europeu", evidenciada que foi com a atual crise sanitária, o empresário acredita que a Europa "tem de dar um salto significativo" a nível industrial para inverter este cenário e avisa que "Portugal tem de estar neste comboio".