"O Estado desaprendeu, ao longo das últimas décadas, a política orçamental. Só sabe de défice e dívida, não sabe fazer mais nada", considerou o economista em entrevista à Lusa, entendendo que por isso "o Governo já não sabe como reagir" a uma situação como a pandemia de covid-19.
Alargando a sua crítica à resposta à crise e aos planos de recuperação, a nível europeu, que serão implementados, Ricardo Cabral observou que "é um modelo que não está a funcionar", e que "a Europa não aprende e não é capaz de mudar".
"Todos estes projetos europeus são temporários. Um pouco como o mercado de trabalho: passou a ser tudo precário, inclusive o investimento público. E depois admiram-se que nós não estejamos a crescer e estejamos com uma performance assim", desenvolveu.
Questionado pela Lusa qual seria o modelo certo para o investimento público, o professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG, Lisboa) defendeu que seria "através do Orçamento do Estado", via "transferências" para projetos "em que há planeamento, projetos grandes em determinadas áreas".
"Nós devíamos estar a fazer um programa de investimento público, se calhar, de 5% do PIB [Produto Interno Bruto], independentemente do efeito na dívida. Para quê? Para permitir este processo de reestruturação e permitir criar emprego para as pessoas que estão a perder o emprego, vão perder o emprego e que têm de perder o emprego, infelizmente", complementou.
No entanto, o professor admitiu que "o Estado não é capaz de fazer investimento de 5% do PIB", por falta de capacidade, e mesmo que fosse "mais 1% do PIB ou 2% do PIB, não existe capacidade técnica, neste momento, no Estado, para aumentar o investimento público".
Ainda assim, o economista realçou que "uma coisa boa do investimento é que se tivermos a ver efeitos muito negativos na balança corrente e de capital, podemos voltar a atrasar projetos de investimento, diminuir o investimento público", sendo "uma ferramenta um pouco mais flexível".
Já sobre os efeitos na dívida, "claro" que seria necessário "ter atenção a isso", mas "a maior parte do dinheiro que é gasto na nossa economia fica cá na economia, só uma pequena componente é que é importada".
No entanto, "a forma como estamos a investir dinheiros públicos cria problemas enormes", segundo Cabral.
"Porque é que vamos dar a uma empresa e não a outra? Ao darmos dinheiro a uma empresa, estamos a garantir que esta empresa vai ter sucesso, porque estamos a dar mais recursos. E enquanto outra empresa, que se calhar até tinha uma proposta melhor, não é apoiada", prosseguiu.
Para Ricardo Cabral, que considera "toda a metodologia incorreta", as fragilidades do Fundo Europeu de Recuperação começam na forma como foi implementado.
"Esta Facilidade foi posta de pé em questão de semanas, tudo muito improvisado. A própria Comissão Europeia - e são poucos os técnicos da Comissão Europeia, as direções têm 500, 600, 700 funcionários, cada direção-geral - tem um universo muito pequeno de pessoas que está a preparar estas propostas e a definir, e sempre tudo à pressa", considerou.
O economista observa "sempre a mesma linguagem, com latitudes e ideias muito ocas", também porque "não conseguem fazer mais com o tempo que têm, com as pressões que têm, com as ordens que chegam do Conselho Europeu para preparar qualquer coisa".
Assim, acabam por gerar-se "ideias em cima do joelho sobre como gastar e onde gastar o dinheiro, que depois são traduzidas em requisitos genéricos, que depois são interpretadas por governos, por agentes do setor privado, e pela agência que gere esses fundos".
"E nós notamos aqui em Portugal que já começa a haver muitas nomeações para cargos que sabemos que vão ser responsáveis pela atribuição desses fundos, portanto já há uma máquina a preparar-se" para os atribuir, diz o académico, considerando-a uma "forma 'ad-hoc', imperfeita, que gera conflitos de interesse muito significativos".
Segundo Ricardo Cabral, "a grande vantagem de ter o Estado a investir é que pode investir numa escala que os privados não podem", pelo que "investir 1.000 milhões de euros é diferente do que ter 100 projetos de 10 milhões de euros", podendo a segunda opção ser mais eficiente.
"A nossa economia não vai ser o mesmo que era até aqui", alertou.