Acesso público a devedores do Estado arrisca incitar julgamentos públicos

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) advertiu ser "desproporcionada e excessiva", e poder promover julgamentos públicos, a intenção dos deputados, em discussão, de publicitar dados de grandes devedores ao Estado responsáveis por perdas como no Novo Banco.

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Vanda Proença
25/02/2021 15:11 ‧ 25/02/2021 por Vanda Proença

Economia

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O aviso é feito em dois pareceres da CNPD, assinados esta semana pela presidente, Filipa Calvão, sobre dois projetos de lei, do PSD e PAN, aprovados na generalidade e em discussão na especialidade pela comissão do orçamento e das finanças, para desclassificar contratos ou outros documentos que comprometam o Estado ou entidades de setores fundamentais (banca, transportes, comunicações, energia ou água) e permitir aos contribuintes conhecer compromissos que implicam o seu esforço no pagamento de impostos.

A CNPD, nos pareceres, começa por ressalvar a importância do princípio da transparência pública e por esclarecer não levantar reservas acerca da publicitação de informação essencial sobre contratos que implicam despesa pública, mas já quanto aos documentos ou informações associadas àqueles contratos defende "não espelhar uma efetiva ponderação entre os valores constitucionais em jogo" no quadro de direito democrático.

Restrições ao direito fundamental da vida privada e da proteção dos dados pessoais são algumas das preocupações da CNPD, expressas nos pareceres: "A publicação de dados pessoais reveladores de dimensões da vida privada constitui uma medida altamente impactante na esfera jurídica dos respetivos titulares, pela natureza global do contexto online, que faz chegar informação muito para além dos destinatários [os contribuintes portugueses] ", adverte a comissão.

Filipa Calvão lembra ainda os perigos da perpetuação da informação e reutilização "para as finalidades mais díspares e que podem ter até um efeito vitalício de discriminação sobre os mesmos titulares", e defende que a divulgação do nome de devedores que tenham originado perdas ou o comprometimento de fundos públicos, acima de certo montante, "tem evidentemente um efeito estigmatizador" que é reiterado ao ser "potenciado" pela sua divulgação online.

A comissão pergunta, aos partidos responsáveis pelos projetos de lei, sobre a delimitação de pessoas cujos dados possam ser divulgados, no âmbito destes projetos de lei, e se se vão ser apenas o alvo de decisões judiciais onde ficaram demonstradas essas perdas: "É que não o tendo sido, a lei teria de explicitar, para não restarem dúvidas. A divulgação deste tipo de informação tem o efeito de promover julgamentos populares, obviamente inadmissíveis num Estado de Direito democrático".

Deste modo, a CNPD conclui que a disponibilização 'online' de informação com dados pessoais representa uma medida legislativa "restritiva dos direitos, liberdades e garantias", consagrados na Constituição, "manifestamente desnecessária e excessiva, em violação direta do princípio da proporcionalidade".

Os dois projetos de lei, sujeitos a parecer da comissão, preveem que a decisão de desclassificar contratos e demais documentos assuma a forma de resolução da Assembleia da República (AR), aprovada em plenários dos deputados, mas a CNPD lembra que tal resolução "constitui uma decisão materialmente administrativa" que, por incidir sobre dados pessoais, "implica que o plenário da AR assuma a qualidade de responsável por tal tratamento", ficando sujeito às obrigações e controlo administrativo previsto no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGDP).

O plenário da AR poder atuar como responsável pelo tratamento de dados e, enquanto tal, sujeitar-se às obrigações do RGDP, "não deixa de causar perplexidade" à CNPD, que diz ainda que, na realidade, "tem um resultado paradoxal" o plenário e as resoluções ficarem sujeitos ao controlo de uma entidade administrativa, qualquer que seja.

"Considerando o resultado paradoxal, no plano da separação dos poderes estaduais, de tal previsão, a CNPD recomenda, nos dois pareceres, a "reponderação" das soluções legislativas propostas pelo PSD e PAN.

Os dois projetos de lei foram aprovados em 15 de janeiro passado pelo parlamento, na generalidade, com as abstenções de PS, PCP e do Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) e votos favoráveis das restantes bancadas, seguindo para discussão na especialidade, onde podem ser alterados antes da votação final global.

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