Um ano depois, pandemia acentuou desigualdades na Europa

A crise económica desencadeada pela pandemia de covid-19 está a provocar o agravamento das desigualdades na Europa, com estudos e relatórios a demonstrarem a dimensão dessa realidade.

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Lusa
21/03/2021 09:23 ‧ 21/03/2021 por Lusa

Economia

Covid-19

Na Alemanha, sem que se conheçam ainda números oficiais, um relatório que vai ser apresentado em breve pelas autoridades revela que a pandemia "vai acelerar mais a tendência de desigualdade".

Na Bélgica, quase uma em cada quatro pessoas não consegue fazer face a uma despesa imprevista, segundo dados para 2020 publicados em janeiro pelo instituto de estatística belga Stabel.

Já em Espanha, várias organizações não-governamentais e organizações sociais reconhecem que a doença covid-19 está a provocar um aumento das desigualdades entre ricos e pobres, além do aumento do número de pessoas sem meios para subsistir.

Em França, o aumento da taxa de desemprego é um dos índices que contribui para este diagnóstico, a que se junta o acréscimo de 10% de franceses que passou a receber o equivalente ao rendimento social de inserção em 2020.

Finalmente, no Reino Unido, segundo a Fundação Joseph Rowntree, antes da pandemia 14,5 milhões de pessoas já viviam na pobreza, o que equivale a mais de 20%.

Fatores como despedimentos, redução de salários e inflação como resultado da pandemia colocaram mais cerca de 700 mil pessoas nesta situação, de acordo com análises do Instituto Legatum, um 'think tank' com sede em Londres.

Por países, o aumento da pobreza nestes países é a seguinte:

Alemanha

Ainda não são conhecidos os números oficiais, mas a Paritätischer Wohlfahrtsverband (Associação de Paridade e Bem-Estar) acredita que a pandemia de covid-19 "vai acelerar mais a tendência de desigualdade". 

Segundo dados revelados no final do ano passado, e relativos a 2019, aquela associação admite que mais de 13 milhões de pessoas na Alemanha viviam em pobreza, elevando a percentagem para 15,9%, a mais alta verificada desde a reunificação do país, em 1990.

"A pobreza e a riqueza estão a crescer e a solidificar-se. O chamado 'meio' está a encolher, a mobilidade social está a diminuir a desigualdade a aumentar", lê-se na página oficial da Paritätischer Wohlfahrtsverband, acrescentando que "a situação dos desempregados piorou drasticamente".

Um relatório preliminar, que deverá ser em breve apresentado pelo governo, sustenta que, financeiramente, a crise provocada pela pandemia de covid-19 está a afetar a franja da população com rendimentos mais baixos, beneficiando quem já recebe bons ordenados.

Contas feitas pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung indicam que, se a população for dividida em cinco partes, 30% do grupo mais baixo já enfrentou problemas para pagar despesas correntes.

Também no mercado do trabalho, a pandemia está a afetar a franja da população com qualificações mais baixas, sendo esses os que correm maior risco de perder o emprego.

"Os grandes desafios de integrar os desempregados de longa duração e as pessoas que chegaram à Alemanha nos últimos anos possivelmente também se intensificaram", revela a análise preliminar do governo.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Económica da Alemanha, mais de 870 mil trabalhos a tempo parcial, pagos a 450 euros, desapareceram no último ano, fazendo com que o número seja o mais baixo desde 2004.

As mais afetadas são, sobretudo, as mulheres. Um quarto dos empregados nesta modalidade tem, pelo menos, 60 anos, e 91% não frequentou o ensino superior.

Bélgica

Um total de 23,4% dos belgas não consegue fazer face a uma despesa imprevista e 10% da população viu o seu rendimento global diminuir em 2020, face a 2019, sendo que 5,7% da população ficou sem capacidade financeira de pagar as contas a tempo, 2,1% deixaram de ter Internet em casa e 4,5% não conseguem suportar os custos de aquecer a casa.

Fazer uma refeição de carne ou peixe dia sim, dia não deixou de ser acessível a 3,5% dos belgas e 13,4% tiveram que interromper uma atividade de lazer.

Quanto ao setor empresarial, segundo dados de fevereiro do Governo federal, as agências de viagens perderam 31% de atividade, o setor das artes e espetáculos 22%, o da restauração 13%, as profissões de contacto não médicas (cabeleiros, estética, entre outras atividades) tiveram perdas de 10% e o dos transportes e logística de 6%.

No que respeita ao regime de desemprego técnico ('lay-off'), em vigor desde fevereiro de 2020, o setor da restauração é o que tem mais peso (13,7%), seguindo-se o dos serviços relacionados com edifícios e paisagens (11,7%) e o comércio de retalho (5,6%).

Espanha

A Cáritas Espanha sublinha que "o drama das famílias sem qualquer rendimento continua a aumentar" e avança que apoia, "por causa da pandemia, 500.000 novas pessoas".

Esta organização não-governamental (ONG) católica afirma que mais de 825.000 pessoas assistidas em Espanha encontram-se numa situação de pobreza grave, ou seja, que têm menos de 370 euros por mês, no caso de uma pessoa, ou 776 euros, no caso de famílias com dois adultos e duas crianças.

Mais, há várias destas famílias que, mesmo que alguns dos seus membros estejam a trabalhar, não conseguem escapar à exclusão social, um número que estima em quase metade desses agregados familiares e que sobe para 60% quando o emprego é informal.

De acordo com esta instituição, a forte dependência da economia informal e do emprego no setor da limpeza informal fechou o acesso de muitos às medidas de apoio dos programas de 'lay-off' e outras medidas de proteção social.

Num inquérito feito pela ONG Save the Children junto das famílias, é relatada a necessidade "muito elevada" de bancos alimentares e apoio financeiro para sobreviver, e muitas deles destacam que as cantinas escolares são a única possibilidade para os seus filhos receberem uma dieta equilibrada.

Por seu lado, a ONG Oxfam Intermón alertava em janeiro último, no seu relatório anual, que o impacto da covid-19 em Espanha poderia levar mais um milhão de pessoas abaixo do limiar da pobreza - dos quais 790.000 em situação de pobreza severa -, passando o número total para 10,9 milhões.

O estudo sobre a desigualdade sublinha que, com a crise "sem precedentes" gerada pela doença, as pessoas numa situação de pobreza severa (com menos do equivalente a 16 euros por dia) poderiam atingir 5,1 milhões em Espanha, um país que tem um total de 47 milhões de habitantes.

A percentagem dos que vivem abaixo deste limiar passou de 9,2% antes da pandemia de covid-19 para 10,86%, enquanto a taxa de pobreza relativa (estimada em 24 euros por dia) aumentou de 20,7% para 22,9%.

França

Em outubro de 2020 várias associações de solidariedade em França, entre elas a Fundação Abbé Pierre, Médicos do Mundo ou Secours Catholique declararam que a pandemia de covid-19 no país criou mais de um milhão de pobres, maioritariamente trabalhadores precários, trabalhadores independentes e ainda estudantes.

Além do crescimento da taxa de desemprego, outro indicador demonstrativo do aumento da pobreza, é a ajuda alimentar.

Em 2020, a estrutura de bancos alimentares francesa aumentou em 25% a sua distribuição um pouco por todo o país. Também a conhecida associação Restos du Coeur duplicou o número de refeições em muitas cidades gaulesas.

O barómetro da pobreza, desenvolvido no fim do ano de 2020 pela empresa Ipsos em parceria com a associação Secours Sociale, 43% dos inquiridos afirmaram ter perdido fontes de rendimento por causa da pandemia.

Este inquérito mostrou ainda que os franceses consideram atualmente que mesmo com o salário mínimo a tempo inteiro (1.219 euros) não é possível para uma pessoa sozinha viver acima do limiar da pobreza.

Reino Unido

Muitos dos grupos mais vulneráveis já tinham dificuldade em se manter à tona e foram também esses que sofreram mais com o impacto económicos e de saúde da pandemia covid-19.

Os mais atingidos foram trabalhadores a tempo parcial e trabalhadores com salários baixos ou de setores particularmente afetados, como a restauração e comércio, famílias negras, asiáticas ou de outras minorias étnicas, pais solteiros, principalmente mulheres, e residentes em áreas do Reino Unido onde já existiam níveis mais altos de desemprego, pobreza e privação.

O Governo respondeu com uma série de apoios temporários, tendo o mais importante sido o aumento em 20 libras (23 euros) por semana do subsídio de subsistência (Universal Credit), num total de 1.040 libras por ano. O fim do bónus em outubro vai empurrar meio milhão de pessoas, incluindo 200 mil crianças, para a pobreza, estima a Fundação Joseph Rowntree.

Os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal com o novo coronavírus foram anunciados em 02 de março de 2020, enquanto a primeira morte foi comunicada ao país em 16 de março. No dia 19, entrou em vigor o primeiro período de estado de emergência, que previa o confinamento obrigatório, restrições à circulação em Portugal continental e suspensão de atividade em diversas áreas.

A suspensão ou restrição de atividade em variados setores, como restauração, comércio, turismo e cultura, entre outros, elevou o número de falências em Portugal, agravou situações de precariedade e provocou aumento do desemprego.

Segundo um balanço feito pela agência noticiosa AFP, a pandemia de covid-19 provocou cerca de 2,7 milhões de mortos no mundo, resultantes de cerca de 122 milhões de casos de infeção.

Leia Também: Crise provocada pela pandemia vai trazer "mais pobreza e desigualdades"

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