Sánchez apresentou recentemente em Madrid um plano de investimento em África, que vai esta semana explicar em Angola e no Senegal, numa visita que decorre entre quarta e sexta-feira, realçando o interesse de Espanha neste continente, numa altura em que empresários e analistas sentem alguma passividade por parte do Governo português.
"Esta visita do primeiro-ministro espanhol, com enfoque em Angola, é um sinal claro de Espanha de apoio aos empresários espanhóis que atuam nestes países africanos e de claro incentivo a que mais empresários apostem no mercado africano. O Governo de Portugal tem sido menos ativo neste aspeto", disse à Lusa Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP).
Para Bobone, há uma "aposta inequívoca" de Espanha no mercado africano, que está a deixar a posição de Portugal subalternizada, depois de ter feito uma aposta em África "de que nunca poderá abdicar, mas que tem esquecido nos últimos anos".
"O Tratado de Tordesilhas tem sido sucessivas vezes enterrado, por Portugal e por Espanha, nos últimos séculos. E a aposta de Espanha em África, declarada recentemente por Pedro Sánchez, é mais um exemplo de como desapareceu qualquer divisão geográfica em termos de investida económica", disse à Lusa Tiago Ramires, investigador português que trabalha no departamento de relações internacionais na Universidade de Santiago de Compostela.
Tiago Ramires refere-se ao acordo assinado em 1494 entre Portugal e a coroa de Castela, para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambos os reinos fora da Europa, dando primazia a Madrid no continente americano e primazia a Lisboa no continente africano.
O investigador português recordou que Espanha tem tido vários problemas diplomáticos com países da América do Sul, salientando o episódio, de 2019, em que dois diplomatas espanhóis foram expulsos da Bolívia, acusados de ajudarem membros de um antigo governo boliviano.
Ao mesmo tempo, a aposta de Madrid em outras regiões do hemisfério sul intensifica-se, como prova uma declaração do primeiro-ministro espanhol, quando disse que "esta será a década de Espanha em África", ao apresentar o programa de ação do seu Governo, no Palácio de Moncloa, em final de março.
Nessa apresentação, ao lado de Sánchez, estava o Presidente do Ghana, Nana Akufo-Addo, que saudou o ímpeto de investimento espanhol, mas que não se esqueceu de mencionar que esperava que a vontade de Madrid fosse partilhada pelos 27 países da União Europeia (UE).
"Portugal tem demonstrado que quer continuar a ter um papel económico relevante em África. O problema é que, das nove mil empresas que exportam para Angola e das muitas que procuram fazer investimento direto nesse país, poucas têm demonstrado resiliência para suportar as dificuldades dessa estratégia", explicou Sofia Gomes, analista de mercados e docente na Universidade do Porto.
Um exemplo do interesse português em África é a forma destacada como o Governo de António Costa prometeu colocar as relações entre a UE e os países africanos, na agenda da presidência do Conselho Europeu, neste primeiro semestre de 2021, explicou Sofia Gomes.
Contudo, explica a analista de mercados, quando se olha para os números das relações entre Portugal e Angola, embora a balança comercial seja favorável a Portugal, a diferença tem vindo a diminuir e as estimativas são para um equilíbrio, o que revela que a estratégia de investimento português em África talvez não esteja a surtir efeito.
Por outro lado, a aposta diplomática entre Espanha e África tem acelerado e Tiago Ramires lembrou que, quando o ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos precisou de tratamentos médicos, nos últimos anos de vida, foi numa clínica espanhola que procurou ajuda.
Sofia Gomes aponta também os investimentos energéticos da Galp em Angola como um sinal do continuado interesse económico português em África, explicando que a participação da empresa na Petrogal Angola e na Sonangalp (em sociedade com a Sonangol) são, antes de mais, mostras da vontade política de colaboração entre os dois países.
Mas, também aqui, os casos judiciais à volta da atuação de Isabel dos Santos têm colocado em causa esta colaboração entre a Galp e a Sonangol, nomeadamente através da participação da empresa angolana na empresa portuguesa através da Amorim Energia, que está agora em questão, depois de notícias terem antecipado um cenário de rutura.
Espanha tem acompanhado esta situação de perto e são muitos também os interesses de empresas energéticas espanholas em países de língua portuguesa, como Angola ou Moçambique, embora neste último as situações de insegurança provocadas por ataques terroristas no norte do território estejam a preocupar várias companhias europeias, lembrou Sofia Gomes.
Mas, para o presidente da CCIP, a incerteza e a insegurança são globais, pelo que se torna ainda mais importante uma aposta em outras áreas geográficas, nomeadamente para nos libertarmos de dependências excessivas de alguns países.
"Dado o momento incerto que o mundo vive, em termos económicos, políticos, sociais, a urgência em diversificar a economia e os mercados nos quais atuamos, tornando-nos menos dependentes de regiões como a Ásia, é ainda maior", disse Bruno Bobone.
Um outro exemplo da afirmação espanhola em espaços geográficos lusófonos em África é o da Guiné Equatorial, explicou Tiago Ramires.
Embora este país faça parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), foi recentemente um dos promotores da utilização da língua espanhola como idioma de trabalho na União Africana.
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