"O documento passa ao lado dos desafios que todos conhecemos, nomeadamente os baixos salários, o défice de qualificações/competências ou a excessiva precariedade do mercado de trabalho, temas que inclusivamente vinham sendo objeto de discussão em sede de Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS)", diz o parecer da central sindical sobre o Livro Verde.
Para a UGT, o documento parece ser "mais sobre as realidades europeia e mundial do que sobre a realidade portuguesa, afastando-se (nos diagnósticos e reflexões) da realidade e das especificidades do mercado de trabalho português".
A central sindical esperava do Livro Verde "que os diagnósticos e dados produzidos e apresentados fossem mais sólidos, robustos e estruturados".
"Porém, pelo contrário, o documento parece excessivamente centrado nas novas realidades e fenómenos, esquecendo que trabalhar o futuro e as novas realidades do mundo do trabalho é algo que não pode ser feito sem atender aos problemas e défices estruturais já existentes em cada espaço específico", criticou.
Segundo a UGT, esta abordagem é visível em diversos pontos do documento, nomeadamente no que respeita à proteção social, com a defesa de que se deve reagir aos novos fenómenos, mas esquecem-se problemas já existentes, como a deficiente cobertura e a insuficiência das prestações sociais, que a crise atual tornou mais evidentes.
"Nessa ótica de separação entre os desafios 'novos' e os desafios de caráter mais estrutural, o documento parece sempre aproximar-se do risco de operar divisões e novas segmentações de fenómenos, com soluções que passam mais por criar regimes específicos e proteções mínimas para diferentes pseudo-grupos de trabalhadores (teletrabalhadores, trabalhadores das plataformas, nómadas digitais) do que, no que consideramos ser a via mais adequada, de chamar estes novos trabalhadores para as formas de proteção laboral, social e sindical mais típicas", considerou a central.
A UGT defendeu que não deve ser esquecido que a regra deverá continuar a ser a contratação de trabalhadores permanentes por conta de outrem e que "as exceções a essa regra devem ser cada vez mais escrutinadas e objeto de fundamentação, garantindo uma maior justiça e inclusividade do mercado de trabalho e não novas e indesejáveis segmentações".
A UGT salientou ainda que, por vezes, o Livro Verde "se centra excessivamente nas novas tecnologias e fenómenos como a digitalização ou os algoritmos, num entusiasmo compreensível, mas tarda em refletir sobre os impactos no mercado de trabalho, nomeadamente um mercado de trabalho com as especificidades do português (com défices, como o de qualificações, que o colocam numa posição de maior vulnerabilidade face a outros países)".
A UGT apontou ainda "algumas das fragilidades metodológicas do documento" que "raramente aponta verdadeiramente caminhos".
A central sindical considerou também incorreto que não exista "uma diferente valoração das fontes utilizadas".
"Sem colocar em causa a relevância dos estudos apontados ou a pertinência do recurso aos mesmos, não pode existir uma igual valoração (nomeadamente, em função dos distintos universos abrangidos e dos distintos objetivos prosseguidos) entre um instrumento produzido por uma organização internacional reconhecida (como a OIT) ou por uma empresa ou conjunto de empresas", afirmou a UGT na sua apreciação na generalidade do documento.
Na apreciação na especialidade, a UGT contestou que "a via de futuro passe por uma qualquer massificação do teletrabalho".
Reconheceu as vantagens "do verdadeiro teletrabalho para áreas como a conciliação das vidas pessoal, familiar e profissional ou a política ambiental", mas salientou "os potenciais impactos negativos nas esferas pessoal, social, laboral e económica que desaconselham tal massificação".
A central lembrou no seu parecer que o regime actual de teletrabalho, estabelecido no Código do Trabalho, "contém já um conjunto de princípios e regras que continuam absolutamente válidos (da voluntariedade à equiparação do teletrabalhador aos demais trabalhadores e aos custos acrescidos do teletrabalho)", considerando por isso que "estamos longe de necessitar de uma mudança legislativa estrutural".
A UGT manifestou apreensão relativamente às propostas para a integração dos trabalhadores das plataformas digitais, que vão no sentido de regular o trabalho em plataformas digitais, de criar um sistema contributivo e fiscal adaptado e um sistema de proteção social adequado, assim como "um corpo mínimo de direitos".
"Tal afigura-se-nos a antítese do que se deve ter como objetivo, o qual deve ser o de integrar estes trabalhadores na proteção já existente no nosso edifício legislativo, não criando novas categorizações e subgrupos de trabalhadores mais vulneráveis", considerou a UGT no seu parecer.
O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho foi apresentado pelo Governo aos parceiros sociais em 31 de março e deverá ser colocado em discussão pública até ao final de maio.
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