RSI. Beneficiária não consegue alugar casa por preconceito de senhorios
Despedida e sem direito a subsídio de desemprego, Maria pôs de lado a vergonha e recorreu ao Rendimento Social de Inserção, mas agora luta contra o preconceito de senhorios que recusam arrendar casas a quem vive desta ajuda.
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Economia RSI
Maria (nome fictício) nasceu numa das freguesias de Lisboa com mais beneficiários de RSI, o bairro de Marvila. Tinha seis anos quando surgiu este apoio, então com o nome de Rendimento Mínimo Garantido, e conhece de perto casos de quem beneficia deste apoio. Mas Maria nunca imaginou que "um dia também fosse um deles".
"Existe a ideia de que quem recebe RSI é gente que vive de subsídios e não quer trabalhar, mas toda a minha vida trabalhei", contou à Lusa a mãe que sustenta três filhos.
No ano passado, sentiu na pele o que queria dizer a expressão "emprego precário".
Era empregada doméstica numa casa com patrões "bons que gostavam do serviço" que fazia, até ao dia em que lhe pediram para trabalhar mais horas.
"Não podia. Não tinha com quem deixar os miúdos. A escola abria às oito e eles queriam que eu estivesse a trabalhar a essa mesma hora. Era impossível", recordou a mãe de uma rapariga de 14, um rapaz de 9 anos e um bebé de ano e meio.
O problema do trabalho doméstico, explica, "é que quando o patrão deixa de precisar, manda-nos embora e nós ficamos com uma mão à frente e outra atrás".
Em plena pandemia, Maria procurou alternativas mas o confinamento tornou tudo ainda mais difícil. Foi aos serviços da segurança social, onde descobriu que não tinha direito a subsídio de desemprego porque não havia descontos feitos.
Voltou para casa e fez contas à vida. As poupanças de quase 15 anos de trabalho pouco passavam os mil euros e os gastos mensais fixos não ficavam longe disso.
À senhoria entregava todos os meses 450 euros e, depois, ainda tinha água, luz e gás para pagar, além de comida para quatro. Maria sempre soube de quanto precisava por mês para as despesas básicas: "São 800 euros, não há volta a dar".
"Tentei gerir as poupanças ao máximo, mas não deu. Tive de pedir ajuda à assistente social, eu que sempre paguei as minhas contas e nunca deixei de trabalhar", recordou.
Agora recebe 474 euros de RSI que "não dá para pagar tudo, mas já é uma grande ajuda". A este valor soma-se o abono de família de 200 euros, que tem garantido até o bebé de ano e meio fazer três.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), que é quem acompanha os processos na capital, considera que o valor do RSI é baixo e que devia ser aumentado.
"Exige uma criatividade muito grande", admitiu Vera Serras, diretora da SCML e responsável pela ligação entre a SCML e a Segurança Social, lembrando, que a Santa Casa oferece na cidade outros "tipos de respostas sociais", como creches gratuitas e respostas alimentares.
Para Maria, a solução passa por conseguir arranjar uma casa com uma renda mais barata, mas diz que "tem sido muito difícil".
"Quando digo que estou a receber o RSI, uns dizem-me diretamente na cara que não me vão alugar e outros dizem que me contactam mais tarde, mas nunca acontece", desabafa, acrescentando que explica aos senhorios que pode apresentar uma carta de recomendação da sua atual senhoria, mas ninguém se mostra interessado.
O preconceito, diz, estende-se a outras áreas. Na escola da filha adolescente, "já houve professores que, numa aula, disseram aos miúdos que a maioria dos pais era dependente de subsídios. Ela chegou a casa muito revoltada", recorda.
Maria quer voltar a trabalhar. Está a fazer uma formação na "área da beleza", promovida pela SCML. Aos 31 anos, a jovem mãe decidiu regressar aos bancos da escola que abandonou aos 16.
O seu sonho era tirar um curso na área da educação: "Adoro crianças e gostava de ser técnica de ação educativa, trabalhar numa creche ou num ATL, mas não havia gente suficiente para esse curso então optei pelo de beleza".
O curso termina no final do ano e espera ter então, finalmente, o diploma de conclusão do 12.º ano. Agora reconhece a importância da escola.
Maria começou a faltar às aulas quanto andava no 7.º ano. Era gozada pelos colegas numa altura em que ainda não se falava de 'bullying'.
Aguentou até ao 9.º ano, quando decidiu abandonar a Escola Damião de Gois e arranjar trabalho numa conhecida cadeia de restaurantes ´fast food´. Nunca mais deixou de trabalhar.
Maria é apenas uma das mais de 218 mil pessoas que atualmente recebem RSI, segundo dados da Segurança Social.
O abandono escolar é uma das características mais marcantes de quem recebe esta ajuda, segundo Vera Serras, diretora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).
No entanto, Maria faz parte do grupo dos que, normalmente, recorrem ao RSI numa situação limite e apenas durante uma fase difícil da vida.
"São pessoas que têm vontade de regressar ao mercado de trabalho e isso é importante", contou à Lusa a diretora da Unidade de Desenvolvimento de Intervenção de Proximidade e interlocutora do RSI entre a Segurança Social e a SCML.
Segundo Vera Serras, nos últimos anos tem havido um aumento de beneficiários que conseguiram regressar ao mercado de trabalho, deixando o RSI de ser um apoio que se perpetua no tempo.
"Espero conseguir arranjar trabalho num salão. Quem sabe se depois de ganhar experiência ainda consigo abrir um espaço meu", contou à Lusa.
Maria sonha também com o dia em que os filhos, em especial a adolescente, volte a olhar para ela com orgulho.
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