No segundo dia de julgamento de Ricardo Salgado, acusado de três crimes de abuso de confiança, o Ministério Público chamou a depor Paulo Silva para tentar provar que o ex-banqueiro se apropriou indevidamente mais de 10 milhões de euros do Grupo Espírito Santo.
No centro das operações surge, quase sempre, a Espírito Santo (ES) Entreprises que serviu, segundo o inspetor tributário, para comprar ações da EDP, em 2011.
Um dia depois de o Conselho de Ministros anunciar a 8.º fase de reprivatização da EDP, Ricardo Salgado terá ordenado a transferência de quatro milhões de euros da ES Entreprises para comprar "dois milhões de ações", disse Paulo Silva, coordenador da investigação da Autoridade Tributária no processo da Operação Marquês, a partir do qual o antigo presidente do BES foi pronunciado por três crimes de abuso de confiança.
O ex-banqueiro tinha "urgência" na aquisição de títulos da elétrica, disse na segunda sessão do julgamento que está a decorrer no Juízo Criminal de Lisboa.
Para contar a história, o inspetor recuou a 30 de setembro de 2011: "Nesse dia temos um documento a pedir para transferir quatro ME para a Savoices Singapure. Essa transferência só se vai concretizar em 30 de outubro de 2011. A ordem está a ser dada antes de as verbas entrarem e está assinada por Ricardo Salgado".
"Os dados aqui escritos só podem ter sido escritos por Ricardo Salgado. Havia uma pressa para comprar ações da EDP. Se fosse por Henrique Granadeiro, o dinheiro ia demorar bastante tempo. Essa operação já só vai ocorrer em novembro, por isso faz-se esta operação direta", explicou o inspetor tributário, em alusão à operação que se efetivou em 22 de novembro de 2011.
Para Paulo Silva, esta operação foi decidida porque o ex-banqueiro não quis esperar pela transferência de 3.967.611,00 euros de Henrique Granadeiro, com origem na conta do banco Pictet titulada pelo antigo 'chairman' da PT para a sociedade offshore Begolino, registada no Panamá e controlada por Ricardo Salgado.
Durante a sessão, Paulo Silva defendeu que estas operações tinham sido ordenadas por Ricardo Salgado, baseando-se num documento manuscrito e sem data, mas que o inspetor acredita ser de outubro de 2011.
Durante a sessão, o inspetor falou, mesmo, em dois documentos manuscritos que acredita "terem sido elaborados" pelo banqueiro, pela "forma da escrita, a forma peculiar de Ricardo Salgado", até porque tinham "elementos identificativos que só poderiam ser escritos por Salgado".
Entre os vários documentos que o procurador do Ministério Público pediu ao inspetor que explicasse estava um relativo a uma conta de onde saíram 55 milhões de euros e que, no verso, tinha escrito "a ordem foi dada por RESS" (Ricardo Espírito Santo Salgado).
Paulo Silva contou para onde iam os milhões: Duas transferências de 7,5 milhões realizadas a 8 e 18 de novembro de 2010, uma transferência de 10 milhões que foi "uma saída de dinheiro para Zeinal Bava" e duas transferências de 20 milhões para "Henrique Granadeiro e Sr. Ricardo Salgado".
A soma dá 65 milhões e foi o juiz Rui Coelho quem tentou explicar a diferença, ao verificar que na folha aparecia um valor final de 55 milhões e depois a indicação de mais "10 milhões".
Além de provas documentais, o inspetor recordou escutas realizadas no âmbito do processo Monte Branco, relativas ao dia em que Nicolas Figueiredo passou a manhã "a fazer recolha de numerários" e à tarde esteve nas instalações do Banco Espírito Santo.
Sobre as escutas, o advogado de defesa Francisco Proença de Carvalho lembrou que não estavam no processo, mas o procurador do Ministério Público disse que podiam ser solicitadas.
Também foram abordadas as transferências através da sociedade Begolino, registada no Panamá em 2011 e cuja beneficiária era a mulher de Ricardo Salgado, mas á qual a filha Catarina Amon e o banqueiro chegaram também a ter acesso.
Quando a conta foi aberta, segundo o inspetor, havia informação de que " o marido era alguém com prestígio" e que "as verbas resultavam de reembolso de uma divida que tinha sido efetuado por membros da família próximos".
Entre os valores transferidos houve uma verba de cerca de 4 milhões de euros, cuja justificação era para fazer a aquisição de um imóvel em Portugal, disse Paulo Silva, acrescentando que o dinheiro saiu da conta de Henrique Granadeiro para a Begolino, contou.
O inspetor tentou ainda explicar o circuito do dinheiro entre as empresas assim como a forma como era feita a contabilidade da ES Enterprises, para "o saldo final estar a zeros", fazendo com que a dimensão da sociedade parecesse "reduzida".
A offshore de onde saíram milhões para contas da família tinha uma contabilidade "não tradicional", uma vez que havia dinheiro que devia ser registado como passivo mas entrava como "negativos do ativo", revelou.
Paulo Silva apresentou um exemplo fictício para explicar como se processava: "Por exemplo, era feito um empréstimo de 10 milhões à ES Entreprises que entrava como saldo de conta de -- 10 milhões. No dia seguinte, gastava-se o dinheiro e ficava registado na mesma conta. Ou seja, num dia entra como menos dez, no dia seguinte como mais dez e quando se olha para o saldo final está a zero".
"Ninguém tem capacidade para perceber que aquela realidade é multiplicada por 20, 30 ou 40 vezes mais do que ela evidenciava", disse, explicando que os "balanços compensados" faziam com que a dimensão da ES Entreprises fosse "reduzida".
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