A Argentina foi a primeira a manifestar-se sobre o repentino anúncio do Uruguai de um provável tratado comercial com a China antes do final do ano. E a posição argentina chegou em forma de alerta: "Ou a China ou o Mercosul".
"No Mercosul, rege a regra do consenso e as negociações são em bloco; não individuais", indicou, esta semana, o ministro do Desenvolvimento Produtivo da Argentina, Matías Kulfas.
"O Uruguai pode fazer um acordo bilateral com a China por fora do Mercosul ou pode continuar no Mercosul. A norma do Mercosul é muito clara: os acordos são em bloco; não de maneira unilateral. Estamos a observar o que o Uruguai faz", advertiu Kulfas.
Em Buenos Aires, o anúncio provocou surpresa, apesar dos insistentes avisos do Presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, determinado a negociar com ou sem o Mercosul numa decisão que eleva a tensão no bloco sul-americano e que o deixa sob risco de cisão, caso algum dos seus membros não concorde com a negociação.
Assim como na União Europeia, no Mercosul, todos os países precisam de negociar em conjunto e aprovar as decisões por consenso entre os quatro fundadores: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
O Uruguai, assim como o Brasil, com Governos a favor do comércio livre, querem explorar uma brecha na normativa do bloco para avançar nas negociações externas mesmo sem consenso. Brasil e Uruguai veem no protecionismo argentino uma estratégia de exercer um poder de veto para impedir as negociações com os países e blocos mais competitivos.
A Argentina, com o apoio do Paraguai, entende que uma flexibilização dessa regra seria o fim do Mercosul como União Alfandegária.
"O Mercosul precisa de uma modernização. Tem um modelo obsoleto de integração. É o bloco menos internacional de todos no mundo", apontou em declarações à Lusa o consultor argentino em negócios internacionais, Marcelo Elizondo, um dos maiores especialistas sobre Mercosul.
"Dos 20 blocos de integração no mundo, o Mercosul é o que menos comércio exterior tem em relação ao seu produto interno bruto. A relação exportações em relação PIB é de 14,9% enquanto a média no mundo é de 33%. Na União Europeia, por exemplo, é de 51%", compara Elizondo.
O avanço num acordo de comércio livre com a China foi comunicado pelo Uruguai aos demais integrantes do Mercosul esta semana, e em simultaneo o Presidente uruguaio anunciou "avanços concretos" com a China aos líderes de todos os partidos políticos do seu país.
Além do protecionismo argentino, há outro inconveniente no bloco: o Paraguai reconhece a independência de Taiwan, com o qual mantém um sólido vínculo, situação que a China não aceita já que considera Taiwan território seu.
"Primeiro, será realizado um estudo de viabilidade entre Uruguai e China. Se houver acordo, avançaremos com o tratado", explicou Lacalle Pou aos líderes políticos uruguaios, acrescentando que esse estudo de viabilidade "deve ficar pronto até o final do ano".
Para evitar uma rotura existem dois caminhos: ou o Uruguai incorpora todos os membros do Mercosul ao acordo ou consegue usar o acordo como elemento de pressão para uma mudança nas regras do Mercosul. A Argentina não parece disposta a aceitar nenhuma das duas hipóteses.
"Sempre dissemos que o Mercosul em conjunto tem mais poder de negociação, mas não achávamos oportuno que o Uruguai devesse ficar quieto porque os demais países não quisessem avançar", argumentou Lacalle Pou.
No dia 7 de julho, um dia antes de o Brasil assumir a Presidência rotativa do Mercosul, o Uruguai avisou, em nota, que "negociaria acordos comerciais por fora do Mercosul com terceiros países", aumentando a pressão por uma abertura.
Em sintonia com o Uruguai, o Brasil prometeu resultados concretos de integração com o mundo, a Argentina preparou-se para resistir ao embate, exercendo o seu poder de veto, e o Paraguai tentou um difícil equilíbrio no choque entre livre comércio e protecionismo.
"Os próximos meses serão de muita tensão com o Brasil e o Uruguai a pressionarem por uma abertura do Mercosul e com a Argentina a resistir através do seu poder de veto. Do sucesso desse confronto sairá um Mercosul mais fortalecido ou mais enfraquecido. Se o bloco continuar como está, corre o risco de encolher até os seus integrantes o abandonarem", sentencia Marcelo Elizondo.
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