"Há um aspeto comum a muitos dos capítulos deste relatório que tem a ver com o facto de, em diferentes áreas, ser possível detetar um legado da pandemia, que é persistente e que exige resposta das políticas públicas", afirmou à Lusa Paes Mamede, dando a saúde como a área "mais visível" desse "legado" da covid-19 que abordas no texto de introdução ao do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais (IPPS-ISCTE) "Recuperação em tempos de incerteza", publicado hoje, no dia do debate do estado da nação, no parlamento.
A guerra na Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro com a invasão pela Rússia, juntou mais fatores de incerteza.
Trouxe, frisou, a preocupação com o "funcionamento das cadeias de produção e distribuição a nível internacional" e abriu a reflexão de "muitas empresas multinacionais sobre onde localizar a sua capacidade produtiva" ou ainda "até que ponto deve ou não ser promovida uma reindustrialização para trazer para a Europa algumas produções que, ao longo das décadas de globalização, foram deslocadas" para outras regiões.
"Vivemos num contexto de grande incerteza sobre a evolução macroeconómica, sobre a organização das cadeias globais de valor e até sobre alguns dos desenvolvimentos políticos que podem decorrer desta instabilidade", disse.
À Lusa, Paes Mamede explicou que o objetivo do relatório do IPPS-ISCTE é "proporcionar um retrato da situação do país nas várias áreas da governação", perceber "quais são os principais desafios, as principais oportunidades e depois analisar com mais profundidade em cada uma das áreas uma medida de política pública".
O documento tem quase 90 páginas que juntam contributos de 15 investigadores em 13 capítulos que correspondem outras tantas áreas da governação -- Saúde, Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Proteção Social, Emprego, Economia, Estado, Justiça, Transportes, Habitação, Democracia e Demografia.
Além do "legado" da epidemia global de covid-19 na saúde, o economista aponta outras áreas "menos discutidas do que eram durante a pandemia, mas que não deixam de ser problemas que o país tem de enfrentar" -- a recuperação das aprendizagens na educação, a habitação ou a proteção social de jovens e reformados.
Na educação, exemplificou, ainda há muito a "fazer na recuperação das aprendizagens" e o relatório realça "grandes assimetrias territoriais no desempenho dos alunos, que obriga a que as políticas públicas tenham muito em conta os territórios onde as escolas se inserem".
O problema da habitação "está um pouco esquecido", sublinha o economista, e "toda a gente se lembra" que, durante a pandemia, "havia pessoas que viviam em casas com muito poucas condições para estarem a viver confinamentos" ou como continua a ser difícil ter casa nas grandes cidades.
Foi "um problema-chave", mas a "verdade é que os problemas da habitação não melhoraram", concluiu.
Para o economista e investigador, ficou muito claro durante a pandemia "o facto de trabalhadores precários e informais terem sido os primeiros a serem despedidos e, em alguns casos, também foram aqueles para quem o legado de desemprego da pandemia mais demorou e ainda está a demorar a resolver".
"O relatório chama muito a atenção para a situação do desemprego jovem, que mantém níveis muito elevados no caso português", afirmou.
A incerteza e fatores de instabilidade, enumerou, já existiam antes da pandemia e da guerra -- a mudança tecnológica com a transição digital, as alterações climáticas, as dinâmicas demográficas, com grande envelhecimento demográfico nas economias mais avançadas, as dinâmicas de migrações.
Depois de se ter vivido "praticamente uma década com políticas as monetárias historicamente novas, com grande empenho dos bancos centrais europeus na intervenção nos mercados de dívida pública e privada, agora, "de repente", há "vários mercados financeiros a nível internacional a dar sinais de instabilidade.
"Tudo isto são camadas de incerteza que já existiam antes da pandemia e da guerra, mas que, na verdade, vieram acentuar-se ainda mais", concluiu.
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