Em entrevista à Lusa, Paulo Mota salienta que "a regulação das tecnologias baseadas em inteligência artificial é um tópico de extrema importância, não só tendo em conta que o ritmo de desenvolvimento das mesmas supera em larga escala a capacidade atempada de legislação, mas acima de tudo considerando que é um tema complexo com extensas ramificações socioeconómicas".
Além disso, "a regulação é uma necessidade para impedir utilizações indevidas, devendo ser bem ponderada, por englobar tanto oportunidades como riscos", sublinha o cofundador da Coreflux, que tem dois "grandes projetos" de inteligência artificial, o Anselmo e o Graham Bell, que são trabalhadores digitais.
A proposta de legislação europeia para a IA - 'Artificial Intelligence Act' -, diz, "tem a imensa responsabilidade de conseguir definir conceitos, classificar riscos, monitorizar aplicações e regular utilizações da IA das quais possam advir intencional ou não-intencionalmente riscos considerados inaceitáveis".
Agora, "importa aqui sublinhar 'utilizações da IA', porque é e deverá sempre ser essa a perspetiva a adotar", ou seja, "considerar e avaliar casos específicos, por oposto a tentar regular a tecnologia em si de forma generalizada e indiscriminada", defende.
"Tal geraria o risco de abrandar a capacidade de inovação europeia e de criar dependências externas, motivando o potencial êxodo de empresas tecnológicas para mercados mais permissivos. E como se viu já em casos como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), o exemplo europeu é muitas vezes adotado como um 'standard' em vários países, liderando por exemplo", aponta o cofundador da Coreflux.
Além disso, "é importante a este nível envolver todo o ecossistema: empresas e especialistas de diversos ramos e setores, dialogando em sintonia com legisladores, políticos e especialistas académicos", pois só desta forma se garante, "por um lado, que a tecnologia é compreendida antes de ser julgada, e por outro, que a competitividade face a outros mercados é mantida sem prejuízo efetivo para os cidadãos da União (e além das fronteiras da mesma)".
Sobre as preocupações relativas a soluções como o ChatGPT, IA generativa (que é capaz de criar sem recurso a humanos, numa descrição simplificada), Paulo Mota considera que "a reação da sociedade a estas tecnologias é compreensível, sendo que as pessoas estão a começar a aperceber-se das potenciais oportunidades e riscos".
Por isso, "face ao ritmo de desenvolvimento da automação industrial e dos recentes avanços em IA, que tem sido sem precedentes, é importante haver uma resposta de esclarecimento por parte das entidades reguladoras, dos media, e das empresas deste setor".
O cofundador da tecnológica portuguesa recorda que no passado assistiu-se "a múltiplos momentos históricos de viragem, como a invenção do automóvel ou o desenvolvimento de máquinas industriais", tendo aprendido que "o progresso não pode ser revertido e requer inevitavelmente adaptação".
As formas de trabalhar vão mudar, "delegando-se tarefas repetitivas e demoradas para ferramentas autónomas, mas em contrapartida pretende-se libertar as pessoas para componentes criativas, de decisão e coordenação, ou para buscas da realização pessoal", acrescenta.
Por isso, "podemos e devemos investir em dotar as pessoas de competências digitais para utilizar estas novas ferramentas e, assim, acelerar novos rumos e resultados de alta produtividade", prossegue, adiantando que vão surgir novas profissões associadas à IA, dando o exemplo da recente 'prompt engineer', "encarregue de aperfeiçoar interfaces entre humano e máquina, realizar pesquisas e otimizar soluções através de ferramentas IA".
No entanto, por muito automatizado que o processo seja, "o elemento humano deverá continuar a guiar componentes estratégicas e de orientação" e "ainda é cedo para perceber de forma clara que outras novidades poderão surgir e que novas áreas poderão ser potenciadas a partir desta base", considera.
É certo, diz, que a IA, "se bem empregue pode potenciar" o desempenho e "democratizar o acesso a capacidades pessoais antes restritas apenas a profissionais altamente especializados".
No fundo, é preciso encarar a tecnologia como aquilo que é, "uma ferramenta", remata.
Considera ainda que "mecanismos como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), na sua vertente de Transição Digital e num potencial apoio à Indústria 4.0 e Novas Tecnologias, deveriam reforçar o desenvolvimento de competências digitais em todas as fases do ensino, entrada no mercado de trabalho, e na reconversão de competências".
Isto porque a adaptação do sistema de ensino a esta nova realidade "é fundamental para acompanhar as mudanças em curso" e as empresas que desenvolvam atividade "nestes setores deverão participar ativamente na discussão social e regulatória", conclui.
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