Turistas esbarram contra grande muralha digital após reabertura da China
Volvidas duas semanas na China, a britânica Julian conseguiu finalmente pedir e pagar um café sem ajuda de terceiros, após concluir a abertura de conta num banco chinês e o processo de verificação numa carteira digital.
© Reuters
Economia China
"Não sabia que ia ser tão problemático", observou à agência Lusa a britânica, de 25 anos, após completar o pedido, através da aplicação da rede de cafetarias Luckin Coffee, que, à semelhança de muitos outros negócios na China, há muito deixou de aceitar dinheiro físico. "Admito: não vinha preparada para isto".
A experiência de Julian ilustra a crescente insularidade do país asiático, que deixou de exigir esta semana teste negativo para a covid-19 a viajantes oriundos do exterior, o último vestígio da política de 'zero casos'.
A China aboliu, em dezembro passado, aquela estratégia, que incluía o bloqueio de cidades, durante semanas ou meses consecutivos, sempre que era detetado um surto, e o encerramento praticamente total das fronteiras: quem chegava do exterior tinha que cumprir um período de quarentena de até 21 dias, em hotéis designados pelo governo.
No entanto, volvidos nove meses desde a reabertura das fronteiras, dados regionais mostram que o número de visitantes está muito aquém do nível pré-pandemia. A China não publica estatísticas oficiais sobre o turismo a nível nacional desde 2021.
Xangai, um dos principais destinos turísticos do país, recebeu cerca de 756 mil visitantes estrangeiros no primeiro semestre do ano, o que corresponde a 22% do número de visitas registado em 2019.
Em Pequim, guias turísticos ouvidos pela Lusa estimaram que o número de estrangeiros a visitar a cidade ronda também os 20%, face a 2019.
Europeus e norte-americanos que recentemente viajaram pela Ásia apontaram à agência Lusa o ecossistema digital chinês, separado do resto do mundo, como um dos principiais obstáculos para quem tenciona visitar a China.
"Dá mais trabalho do que vale a pena", explicou Stefan, um alemão que realizou uma viagem pela Ásia na primeira metade do ano.
"As pessoas quando viajam não querem estar constantemente preocupadas se o cartão VISA vai ser aceite ou não ou ficar sem acesso a motores de busca e redes sociais", descreveu. "Qualquer tarefa na China pode tornar-se num grande incómodo".
O comércio eletrónico, serviços de logística ou rede de transportes públicos da China estão entre os mais desenvolvidos do mundo. Nos restaurantes, supermercados, estações de comboio ou de metro, o dinheiro físico praticamente desapareceu: os pagamentos são feitos via as carteiras digitais WeChat ou Alipay.
No entanto, o ecossistema digital do país está isolado do exterior, por uma barreira conhecida como 'Grande Firewall da China' - um trocadilho com a Grande Muralha, o principal ex-líbris do país.
Pagamentos com VISA, Google Pay, ou outros sistemas usados no resto do mundo, estão interditos. Estão também inacessíveis redes sociais, incluindo Instagram ou Facebook, dezenas de órgãos de comunicação estrangeiros ou o serviço de navegação Google Maps.
Em compensação, a China tem o equivalente doméstico para todas as redes sociais e aplicações estrangeiras.
"A China é o único país onde é preciso descarregar uma série de aplicações, que podem ou não ter versão em inglês ou funcionar ou não para estrangeiros, mas que são imprescindíveis para coisas tão simples como comprar uma bebida", explicou um turista norte-americano.
"Para a pessoa comum, que deseja passar duas semanas de férias tranquilo, não vale a pena, quando se pode experienciar a Ásia no Japão, Coreia do Sul, Tailândia, Vietname ou Taiwan", observou.
A queda no número de turistas significa, no entanto, menos oportunidades para estrangeiros conhecerem o país e interagirem com a população local, o que seria importante para reduzir tensões geopolíticas, reconheceram as autoridades chinesas.
"O número de visitantes oriundos da Europa, Estados Unidos, Japão e Coreia [do Sul] está a diminuir substancialmente", advertiu Xiao Qianhui, diretor da Associação de Turismo da China, em maio passado. Um incremento do turismo poderia "ajudar a neutralizar tensões geopolíticas, à semelhança do que sucedeu com a 'diplomacia do pingue-pongue'", enfatizou.
Aquele termo ficou popularizado após, em 1971, a China, mergulhada então no caos e isolamento suscitados pela Revolução Cultural, ter recebido a seleção nacional de ténis de mesa norte-americana, no primeiro sinal de degelo nas relações entre Pequim e Washington. No ano seguinte, o então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon visitou o país, lançando as bases para o estabelecimento das relações diplomáticas.
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