Questionado sobre o que ficou por fazer, João Cadete de Matos refere que "não foi possível fazer tudo aquilo que era a ambição" do mandato, que foi de seis anos e quatro meses.
"Diria que olhando para trás, sem dúvida, uma das áreas em que" a Anacom "não conseguiu inverter (...) foi a degradação da qualidade de serviço dos Correios em Portugal", lamenta.
"Já estamos a ter muito boas notícias no setor das telecomunicações que nós regulamos, também como autoridade espacial há boas notícias, mas enquanto regulador do setor postal assistimos durante estes anos a uma degradação progressiva da qualidade de serviço na distribuição do correio", salienta, apontando que a Anacom recebe "praticamente todas as semanas cartas das câmaras municipais e das juntas de freguesia, queixando-se do atraso na entrega do correio".
Ora, esta é uma situação que, relata, "foi-se agravando ao longo dos anos" e que "os indicadores de qualidade de serviço denotam precisamente essa degradação da entrega do correio", uma situação que precisa de "encontrar uma resposta", já que há uma "grande parte da população portuguesa" que ainda usa este serviço.
Os cidadãos "deviam receber nos prazos" as cartas importantes, de acordo com a prática que é seguida nos outros países europeus, diz.
"Claro que nós tivemos o período da pandemia em que os carteiros prestaram um serviço louvável de continuar a entregar o correio´", reconhece.
No entanto, a situação degradou-se e "ainda é mais grave quanto temos ouvido da administração dos CTT pouca, poderia às vezes [dizer] quase nenhuma, disponibilidade para corrigir a situação", prossegue, salientando que muitas vezes invocaram que os critérios de qualidade eram muito exigentes, mas estes eram o que já estavam em vigor há anos.
"Temos assistido da administração dos CTT, dos responsáveis dos CTT uma preocupação em corrigir esta situação (...) invocam a dificuldade em contratar carteiros, mas aquilo que nós verificamos e os sindicatos queixam-se disso é que as condições remuneratórias também não são atrativas", aponta.
Além disso, "verificamos que a empresa tem sido lucrativa ao longo dos anos e, portanto, não há razão para que uma empresa lucrativa e, de facto, com uma remuneração dos seus acionistas, que tem sido muito positiva, não faça não só o investimento em termos de modernização da empresa, mas na contratação e na remuneração dos carteiros e dos outros trabalhadores da empresa para garantir a qualidade de serviço".
Ainda é "mais incompreensível quando a empresa tem não só questionado os indicadores de qualidade que não tem cumprido como perante a decisão que a Anacom propôs de simplificar os indicadores", alinhando os critérios de exigência com os europeus, ter vindo "manifestar-se contra a aplicação" dos mesmos, critica.
"Merece uma preocupação do meu lado no fim do meu mandato não ter conseguido inverter esta situação, mas devo dizer mais: é uma situação que durante estes anos eu tenho dialogado com os congéneres dos outros países europeus" - foi durante um ano presidente dos reguladores postais europeus - e "é uma situação que não tem paralelo".
Não se verifica em Espanha, França, Alemanha e Itália "com esta gravidade", acrescenta.
"Não, não houve de facto esta evolução e só pode haver uma explicação e essa explicação eu tenho que partilhar com convosco: que é o facto de Portugal ser um dos poucos países - são três da União Europeia - em que o Estado não tem nenhuma intervenção na empresa", aponta.
Em França, Espanha, Itália, a empresa é totalmente pública, como sempre foi historicamente, ou por exemplo, na Alemanha, o Estado tem uma participação na empresa.
A degradação da qualidade do serviço dos CTT acontece porque, "contrariamente às telecomunicações", onde há concorrência, "aqui não há", portanto, "se o cidadão ver o correio chegar atrasado não pode recorrer a outra empresa", sublinha.
Portanto, "eu sou forçado a concluir que, de facto, há aqui uma situação anómala no nosso país com o facto de o Estado não ter intervenção na empresa, porque no passado a empresa tinha os critérios de qualidade como critérios importantes da gestão da empresa", mas "hoje não o tem", afirma.
Por outro lado, "também há uma situação que é atípica, que é os instrumentos que são dados ao regulador não se têm mostrado efetivos, portanto, de facto, a empresa não tem incentivos para cumprir a qualidade de serviço para não haver uma demora tão excessiva do correio", considera.
"Penso que é necessário o país pensar se não tem que ter uma participação na empresa, no mínimo como existe na Alemanha, em que não sendo a empresa totalmente pública essa participação permite que a empresa não continue a trajetória (...) de desrespeito por aquilo que são os objetivos do contrato de concessão, que exigem que o contrato de concessão seja feito com qualidade de serviço", remata.
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