Novo Banco está (finalmente) vendido. Eis tudo o que precisa de saber
O Banco de Portugal confirmou ontem a venda do Novo Banco à Lone Star, após um processo que se arrastou mais de dois anos e marcado por dificuldades, sobretudo devido aos ativos problemáticos que 'herdou' do Banco Espírito Santo (BES).
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Economia Negócio
O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, confirmou ontem a venda do Novo Banco à norte-americana Lone Star, numa curta intervenção.
A Lone Star vai realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros logo no fecho a operação e 250 milhões de euros até 2020.
Por via desta injeção de capital, a Lone Star vai deter 75% do capital social do Novo Banco e o Fundo de Resolução manterá 25% do capital.
Numa declaração ao final da tarde, o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que a venda do Novo Banco não terá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes, constituindo "uma solução equilibrada".
António Costa admitiu que foi estudada a hipótese de o Novo Banco ser nacionalizado, mas advogou que essa opção, a ser implementada, implicaria encargos para os contribuintes de até 4,7 mil milhões de euros.
Eis algumas perguntas e respostas sobre o Novo Banco e o seu processo de venda:
Quando foi criado o Novo Banco?
Na noite de 3 de agosto, um domingo de verão, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, faz a primeira declaração pública ao país.
Anunciou a aplicação de uma medida de resolução ao histórico BES - que no primeiro semestre desse ano tinha apresentado prejuízos de quase 3,6 mil milhões de euros, os maiores de sempre de um banco em Portugal, e cuja gestão era suspeita de irregularidades.
Ao mesmo tempo, com o objetivo de proteger depositantes e contribuintes, é anunciada a criação do Novo Banco como instituição de transição para ficar com os ativos considerados menos problemáticos do BES.
O Novo Banco ficou com o Fundo de Resolução bancário como único acionista, uma entidade pertencente às instituições financeiras que operam em Portugal (sendo as maiores fatias da Caixa Geral de Depósitos e do BCP, dadas as suas dimensões), mas cuja gestão é feita pelo Banco de Portugal e que consolida nas contas públicas.
O BES desapareceu?
Não. A entidade BES não terminou no momento da resolução, tendo ficado aí os chamados 'ativos tóxicos' do antigo banco da família Espírito Santo, nomeadamente os créditos sobre entidades do Grupo Espírito Santo (GES), em geral de muito difícil recuperação, e filiais, como o BES Angola.
Em 2014, o 'banco mau' BES registou prejuízos de 9,2 mil milhões de euros, sendo que a 'fatia de leão' (8.947 milhões de euros) dizia respeito ao período entre 01 de janeiro e 01 de agosto desse ano, quando o antigo BES ainda existia, e os restantes 249 milhões referentes ao período desde 04 de agosto até 31 de dezembro.
A licença bancária do BES foi revogada pelo Banco Central Europeu (BCE) e esta entidade está agora em liquidação.
Qual o capital social do Novo Banco?
O Novo Banco nasceu capitalizado com 4,9 mil milhões de euros através do Fundo de Resolução bancário. Contudo, como este não tinha dinheiro suficiente para o capitalizar, o Tesouro público emprestou 3,9 mil milhões de euros.
O capital social inicial foi desde logo considerado 'à pele' por alguns analistas do setor financeiro tendo em conta a dimensão e a qualidade de ativos com que ficou.
Com o passar do tempo, a fragilidade do capital tornou-se mais óbvia, até porque alguns ativos eram, afinal, problemáticos.
No final de 2015, o Novo Banco seria novamente recapitalizado em 2.000 milhões de euros, com a decisão do Banco de Portugal de transferir obrigações seniores do BES que inicialmente ficaram no Novo Banco para o 'banco mau' BES.
Assim, no total, o Novo Banco foi capitalizado com 6,9 mil milhões de euros.
Qual o posicionamento de mercado do Novo Banco?
O Novo Banco, atualmente liderado por António Ramalho, é dos maiores grupos bancário a operar em Portugal. Enquanto herdeiro de ativos do BES, mantém um enfoque de banca para o setor empresarial, tendo uma quota de mercado de cerca de 20% nos empréstimos a empresas.
Em setembro de 2016 - últimos dados conhecidos -, o Novo Banco tinha 34 mil milhões de euros em crédito a clientes, menos 3,3 milhões do que no final de 2015. Já os depósitos totalizavam 24,7 mil milhões de euros, menos 2,7 mil milhões face a dezembro do ano anterior.
O Novo Banco passou por um processo de reestruturação nos últimos meses, com mais de 1.000 saídas de trabalhadores (através de rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas e despedimento coletivo), tendo atualmente cerca de 6.000 funcionários. A rede comercial é superior a 500 agências.
Quais os resultados do Novo Banco?
Desde a sua criação e até setembro de 2016, últimos dados disponíveis, o Novo Banco acumulou prejuízos de 1.800 milhões de euros.
Só nos primeiros nove meses de 2016, o banco teve resultados negativos de 359 milhões de euros, mas que representam uma melhoria face aos 418,7 milhões de euros negativos dos primeiros nove meses de 2015.
O terceiro trimestre de 2016 foi a primeira vez que registou lucro desde que nasceu, de 3,7 milhões de euros.
Como decorreu o processo de venda do Novo Banco?
A primeira tentativa de venda do Novo Banco arrancou no final de 2014, mas foi cancelada em setembro de 2015, com o Banco de Portugal a considerar que nenhuma proposta apresentada era interessante.
Eram então três os interessados, os chineses Anbang e Fosun (que, entretanto, se tornou acionista do BCP) e os norte-americanos da Apollo.
Já no início de 2016 arrancou o segundo processo de venda, que agora se encerra.
A venda do Novo Banco foi um dossiê gerido pelo Banco de Portugal, tendo este contratado o ex-secretário de Estado do Governo PSD/CDS-PP Sérgio Monteiro exclusivamente para esse fim (com um ordenado superior a 20 mil euros por mês).
Contudo, este processo ganhou contornos mais políticos, tendo o Ministério das Finanças estado envolvido diretamente devido à manutenção de uma participação estatal de 25% no capital da entidade.
Hoje, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, confirmou a venda do Novo Banco à norte-americana Lone Star, numa curta intervenção, em Lisboa.
A Lone Star vai realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros logo no fecho a operação e 250 milhões de euros até 2020. "Por via da injeção de capital a realizar, a Lone Star passará a deter 75% do capital social do Novo Banco e o Fundo de Resolução manterá 25% do capital", informou o Banco de Portugal, em comunicado.
O que dificultou as negociações?
O peso dos ativos problemáticos no balanço do Novo Banco foi sempre o principal problema. Apesar de ter nascido com o rótulo de 'banco bom' (por oposição ao 'banco mau' BES), o Novo Banco tem acumulado prejuízos decorrentes do legado com que ficou, sobretudo crédito malparado, imobiliários e ativos para venda, e há riscos de as perdas continuarem a materializar-se.
São estes riscos que nunca os potenciais compradores nem o Estado quiseram suportar.
Além disso, o Novo Banco poderá ainda ter de se confrontar com perdas decorrentes de processos judiciais existentes contra si, relacionados sobretudo com a resolução do BES, e cujo valor não é possível calcular com exatidão.
Era para acomodar estes riscos futuros que os interessados pediam garantias do Estado. O ministro das Finanças, Mário Centeno, disse em janeiro, em entrevista à TSF/DN, que não aceitaria ofertas que envolvessem garantias públicas, situação que foi hoje garantida pelo primeiro-ministro.
Quem foram os interessados no Novo Banco?
Havia três finalistas na corrida à compra do Novo Banco: o fundo chinês Minsheng e os fundos norte-americanos Lone Star e Apollo/Centerbridge, que se juntaram.
De acordo com a imprensa, o chinês Minsheng tinha a melhor proposta financeira, mas não apresentou provas de que conseguiria pagar o montante oferecido, devido às restrições de movimentação de divisas na China.
Passou então para a frente das negociações o fundo norte-americano Lone Star, que acabou por ser o escolhido para a fase definitiva de negociações em exclusivo.
Na corrida esteve ainda o consórcio Apollo/Centerbridge, que foi sempre muito discreto no posicionamento sobre este tema.
A determinada altura a imprensa deu conta de que apareceram novos interessados, nomeadamente investidores portugueses, que se queriam aliar às propostas já existentes.
Em que consiste o negócio anunciado ontem?
A norte-americana Lone Star vai realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros logo no fecho a operação e 250 milhões de euros até 2020.
"Por via da injeção de capital a realizar, a Lone Star passará a deter 75% do capital social do Novo Banco e o Fundo de Resolução manterá 25% do capital", explicou o Banco de Portugal em comunicado hoje divulgado.
As condições acordadas, segundo o Banco de Portugal, "incluem ainda a existência de um mecanismo de capitalização contingente, nos termos do qual o Fundo de Resolução, enquanto acionista, se compromete a realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas".
Estas condições estão relacionadas com "o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do Novo Banco" e com "a evolução dos níveis de capitalização do banco", especificou o regulador.
"As eventuais injeções de capital a realizar nos termos deste mecanismo contingente beneficiam de uma almofada de capital resultante da injeção a realizar nos termos da operação e estão sujeitas a um limite máximo absoluto", realçou.
As condições acordadas preveem também "mecanismos de salvaguarda dos interesses do Fundo de Resolução, de alinhamento de incentivos e de fiscalização, não obstante as limitações decorrentes da aplicação das regras de auxílios de Estado", assinalou o Banco de Portugal.
A conclusão da operação de venda encontra-se dependente da obtenção das usuais autorizações regulatórias (incluindo por parte do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia).
Isto, a par da realização de "um exercício de gestão de passivos, sujeito a adesão dos obrigacionistas, que irá abranger as obrigações não subordinadas do Novo Banco e que, através da oferta de novas obrigações, permita gerar pelo menos 500 milhões de euros de fundos próprios elegíveis para o cômputo do rácio CET1" ('common equity tier 1').
A Lone Star comprometeu-se a não retirar dividendos do Novo Banco durante cinco anos, revelou ainda António Costa.
Quem é a Lone Star?
A Lone Star é uma gestora de fundos de 'private equity' norte-americana, que lançou o primeiro fundo em 1995 e que investe em diversos setores de atividade (como o imobiliário e a recuperação de crédito, além da própria banca) em diferentes geografias. Em Portugal, a entidade é a dona de quatro centros comerciais Dolce Vita (Porto, Coimbra, Vila Real e Lisboa) e do empreendimento de Vilamoura, investimentos que rondam os 700 milhões de euros.
O que aconteceria caso o Novo Banco não fosse vendido?
Vários cenários foram postos em cima da mesa, mas todos com implicações - e provavelmente significativas - para as contas públicas.
Um dos cenários que foi muito falado em janeiro, inclusivamente por parte de dirigentes socialistas, como o deputado e porta-voz do PS, João Galamba, foi a nacionalização, enquanto se aguarda por um momento mais favorável para a venda.
A passagem da instituição para a esfera pública era também defendida por partidos de esquerda, como PCP e Bloco de Esquerda.
António Costa admitiu hoje que foi estudada esta hipótese, mas advogou que essa opção, a ser implementada, implicaria encargos para os contribuintes de até 4,7 mil milhões de euros.
Havia ainda a hipótese de se alienar a privados apenas parte do capital social, continuando a outra parte no Fundo de Resolução. Contudo, para qualquer solução que implicasse a continuação do envolvimento do Estado falava-se em custos, uma vez que o Novo Banco precisava de mais capital.
As informações avançadas pela imprensa indicavam que já este ano seriam necessários mais 750 milhões de euros e que o valor devia subir a prazo, encargos que nestes caso teriam de ser assumidos pelos cofres públicos.
Outra solução falada no setor financeiro foi 'retalhar' o Novo Banco pelos bancos do sistema, os participantes do Fundo de Resolução. Neste caso, a questão colocava-se em saber quem ficaria com os ativos problemáticos e custos de eventuais perdas judiciais.
Certo é que qualquer solução - mesmo a de hoje - terá de ser aprovada pelo BCE e pela Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, instituições que acompanharam de perto todo o processo.
Qual o próximo passo?
Portugal terá de enviar à Comissão Europeia um plano final de reestruturação do banco para que o negócio seja formalmente aprovado segundo as regras europeias.
"Os serviços da Comissão irão agora contactar Portugal e o comprador sobre os detalhes do plano final de reestruturação do Novo Banco. Este plano deverá ser apresentado à Comissão para que a venda seja formalmente aprovada ao abrigo das regras comunitárias em matéria de auxílios estatais", afirmou hoje um porta-voz do executivo comunitário.
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