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"Acho que o nosso país é de invejosos. Ninguém pode brilhar"

Aos 79 anos, Natalina José prepara-se para voltar a subir aos palcos. No próximo mês de dezembro, estreia a 'Volt'a Portugal em Revista', um espetáculo que promete arrancar muitas gargalhadas ao público. Antes do grande dia da estreia, o Fama ao Minuto esteve à conversa com a artista que se revelou bastante entusiasmada com este novo desafio. 

"Acho que o nosso país é de invejosos. Ninguém pode brilhar"

Natalina José é já um nome consagrado na representação nacional. Dona de uma extensa carreira de mais de 50 anos, conta com 30 revistas no seu currículo, para além de dezenas de produções televisivas que integrou. 

Dada à música desde criança, altura em que cantava os fados da Amália para os colegas da escola - sempre foi Amalista de corpo e alma -, foi nas artes que encontrou a sua realização. Adora a sua profissão e garante que não sai de casa sem estar feliz para ir trabalhar, pois assim nada valeria a pena. 

Diz que Portugal é um "país de invejosos" em que ninguém pode ver outra pessoa a brilhar. Critica alguns artistas da nova geração que se deixam seduzir pelos efeitos secundários da representação, leia-se, a fama. 

Com resposta na 'ponta da língua' garante que sempre se deu bem com os colegas e não criou inimizades. Não pensa no momento em que tudo chegará ao fim, até porque agora só se preocupa em viver o presente, pelo menos, enquanto conseguir 'arrastar a asa'. 

Como estão a correr os ensaios de 'Volt'a Portugal em Revista'?

O ensaio é sempre a parte mais aborrecida. Eu gosto de ensaiar, o problema é a quantidade de coisas que as pessoas não se lembram que temos de decorar. Quando me estreei em teatro havia ponto, agora não, temos de saber tudo mesmo de cor.

Algum truque para conseguir decorar as coisas?

Acho que o cérebro já está 'ginasticado' para decorar. São já 56 anos a decorar. Aprende-se muito nas novelas. O teatro como andamos três meses a ensaiar, se não é hoje é amanhã, agora nas novelas às vezes é de um dia para o outro.

Já em criança tinha essa boa memória?

Tinha, decorava tudo. Na escola, antes da aula do dia a seguir, a professora já dava o resumo do que ia ser dado e eu só com isso safava-me e fazia a minha história. Agora também, embora que dê mais trabalho. Uma coisa que nós estudávamos em oito dias, agora são 15. Demora mais um bocado.

 Sempre fui, sou e continuarei a ser AmalistaEra muito criativa?

Era, já na escola, nos recreios, fazia os meus concertos com os meus colegas de escola. Sentava-se tudo ali no recreio e toca a cantar o fado. Sempre fui, sou e continuarei a ser Amalista.

E gostavam de ouvi-la os seus colegas?

Pois gostavam, era uma festa. Até a professora vinha espreitar que eu bem a via. Sempre fui dada a isso, organizei a marcha lá da terra aos 16 anos, coreografei, fiz letras… Desde miúda sempre fui dada às teatrices.

Tenho tido uma vida de muito trabalho desde os 11 anos Tem saudades desses tempos?

Não sou muito saudosista, penso o que de criança se passou, as coisas boas, as coisas más, tivémos de passar por isto e por aquilo… passou, já não voltamos a fazer e graças a Deus que fizemos. Tenho tido uma vida de muito trabalho desde os 11 anos.

Considera que com a idade as oportunidades diminuíram para si?

As pessoas hoje, os jovens, não imaginam as dificuldades que naquele tempo se passavam. A minha mãe punha-me na fila para o carvão, peixe, batatas. E não era só os que não tinham dinheiro, porque mesmo os que tinham, não tinham a possibilidade de comprar. Ainda atravessei essa fase da Segunda Guerra Mundial – 1939/1945. Sou muito antiga. Não havia brinquedos, por isso, tínhamos de imaginar nós. Lembro-me desse tempo e das regalias que temos hoje.

Há umas pessoas que apareceram, que não são atores para mim, mas é a história das caras lindas, das magrezas, das maminhas grandes Como é que vê a nova geração de atores?

Eu divido em duas partes: há uma geração de bons atores/atrizes. Mas também há umas pessoas que apareceram, que não são atores para mim, mas é a história das caras lindas, das magrezas, das maminhas grandes, eles são os músculos, tatuagens e já são atores. Antes tínhamos de ter uma carteira profissional, que só nos era dada quando atingíamos um certo número de trabalhos. Eu, por exemplo, tive de fazer três revistas e cantar em não sei quantos casinos para me darem a carteira. Antes disso tínhamos uma guia.

Conforme tem aparecido gente com amor ao teatro, outras têm amor de aparecer na televisão. Isso é fantástico. Trabalhinho nãoHá muitos atores que hoje não mereciam essa carteira?

Hoje com as exigências de antigamente havia muitos que não a teriam. Há muitos que sim. Conforme tem aparecido gente com amor ao teatro, outras têm amor de aparecer na televisão. Isso é fantástico. Trabalhinho não. É como os outros, querem um emprego mas não querem trabalhar. Antes era um escadote, agora não, vão logo lá para cima. Mas o trambolhão é maior. E se eu sei disso! Manter o estatuto numa certa altura é ótimo, nem querer ir para lá do estrelato, nem querer ir depois cá para baixo.

A Natalina sempre tentou manter esse equilíbrio?

É um equilíbrio, mas também é um trabalho.

Na nossa profissão não pode haver fretes. Temos de andar sempre bem dispostosO que quer dizer com trabalho?

É nós trabalharmos com amor. Esta área, como em todas, tem de se trabalhar com amor. Não é trabalhar porque se tem de ir trabalhar. Gosto de sair contente de casa para ir trabalhar, porque se assim não for é um grande frete. E na nossa profissão não pode haver fretes. Temos de andar sempre bem dispostos.

Já tive irmãs mortas, eu a trabalhar no teatro e elas na igreja à minha ‘espera’. Temos de estar no teatro a rir, a pular e a saltar Mesmo quando uma pessoa está doente ou pior. Já tive irmãs mortas, eu a trabalhar no teatro, elas na igreja à minha ‘espera’. Temos de estar no teatro a rir, a pular e a saltar. Não podemos ser tocados por isso. É mentalizarmo-nos para isso. Ali tinha de se ir, fazer o trabalho e não tínhamos folga. Trabalhávamos de segunda a domingo. Só nos anos 1970 é que passamos a ter folga no teatro.

É fácil trabalhar com a Natalina?

Os meus colegas é que sabem, mas acho que sim. Dou-me bem com toda a gente, não me lembro nunca de ter um quezília séria.

E como é que se lida com o ego de outros?

Agora há egos muito grandes. Vamos dar à mesma coisa. Os egos é chegarmos ao pé dos mais novos e dizermos: 'talvez se fizesses assim' e viram as costas. Toda a gente sabe tudo. É o tal escadote que não querem subir.

 Ficam convencidos de que realmente já sabem tudo, não precisam dos conselhos de ninguém. Aí não digo nada, façam lá a porcaria que quiserem Acha que a experiência dos mais velhos é desvalorizada?

Eles não dão por isso, porque ficam auto-convencidos de que realmente já sabem tudo, não precisam dos conselhos de ninguém. Aí não digo nada, façam lá a porcaria que quiserem.

Acho que o nosso país é de invejosos. Ninguém pode brilhar  Sente-se valorizada naquilo que faz?

Não. Os governantes não ligam à arte, seja ela qual for. Não temos incentivos, queremos fazer qualquer coisa e é difícil. Não temos subsídios para nada. Não temos férias pagas como tem a Função Pública… porque isto não é uma função pública [diz de maneira irónica]. O que nos vale a nós, a mim, é o povo. Andei agora 11 anos na estrada e é nas terras pequeninas a que vamos trabalhar que esse povo nos acarinha. Aqui em Lisboa a gente passa e é como se passasse uma avioneta.

Acho que o nosso país é de invejosos. Ninguém pode brilhar Acho que o nosso país é de invejosos. Ninguém pode brilhar. É inveja, porque nós temos a nossa popularidade, o nosso povo que nos acarinha, toda a gente pensa que ganhamos milhões, quando não é verdade.

Aos 79 anos não pensa em parar?

Não, tenho uma filosofia: enquanto eu me sentir em condições a trabalhar para dar aquilo que o público espera sempre de mim, cá vou andando.

Portanto, esta fase da sua vida está a vivê-la plenamente, não voltaria atrás?

Não voltava atrás. Fazia a mesma coisa. Lembro-me muito mais das coisas boas do que das coisas más.

Não vou andar a arrastar a asa pelo palco Não tem medo no fim de tudo?

Não penso nisso. Quando chegar a altura, penso. Tem de ser, tem de ser. Também não vou andar a arrastar a asa pelo palco.

Como gostaria de ser recordada?

Imagino como vou ser recordada, conforme as pessoas me abordam na rua: 'ah, é tão engraçada, faz-me rir tanto'. É o que quero.

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