"O desejo de viver esta experiência foi sempre muito forte"

Miriam Freeland e Roberto Bomtempo estão atualmente a viver em Portugal e estiveram à conversa com o Notícias ao Minuto. Uma entrevista feita à distância dos ecrãs, como ditam os ‘novos tempos’ perante a pandemia, mas que em momento algum deixou a simpatia e o sorriso de lado.

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Marina Gonçalves
29/12/2020 09:35 ‧ 29/12/2020 por Marina Gonçalves

Fama

Roberto Bomtempo

Partilhar com os portugueses a cultura brasileira e beber do trabalho que é feito no nosso país. Foi esse um dos principais motivos a levar Miriam Freeland e Roberto Bomtempo a fazerem as malas e a mudarem-se para Lisboa.

Depois de ter decidido embarcar nesta aventura, o casal esteve a gerir da melhor maneira as agendas preenchidas no Brasil para poder dar início a esta nova caminhada. Um desafio que se tornou ainda maior com a chegada da pandemia, atrasando os planos, mas sem cancelá-los.

Desde setembro que estão a viver em Portugal, com a esperança de que dias melhores estão para chegar, por forma a que consigam subir ao palco ao lado de artistas portugueses. Com os atores vieram os dois filhos mais novos, tendo ficado no país natal a filha mais velha.

Mas a conversa com o Notícias ao Minuto não se concentrou apenas nesta grande mudança das suas vidas, e os artistas recordaram ainda alguns trabalhos que fazem parte dos vastos currículos.

Em 2017 estiveram em Portugal de férias e na altura já diziam que queriam viver cá. O que vos fez apaixonar pelo nosso país? E quando é que decidiram fazer a mudança?

Roberto Bomtempo (RB): Já são muitos anos de aproximação com Portugal, de convívio como visitante, mais do que como turistas. Uma relação familiar minha antiga que me traz a Portugal desde 1992. Senti uma paixão muito grande por Portugal, lugar onde sempre me senti muito bem e sempre foi aumentando esse desejo de um dia passar um período maior da vida aqui. Morar aqui e poder conviver diariamente com os portugueses. Essa vontade foi crescendo.

Miriam Freeland (MF): Na verdade, desde 2013 que isso já estava nos nossos planos. Mas com as agendas preenchidas, não conseguíamos vir. Fomos adiando. A nossa decisão de vir para cá foi tomada antes da pandemia, e no ano passado resolvemos que as agendas deviam conduzir-nos a Portugal. Depois, em março, chegou a pandemia e adiou os planos, mas conseguimos vir em setembro. Isto da pandemia muda tudo a nível global, mas não quisemos deixar de viver aquilo que tínhamos determinado, manter o nosso sonho vivo e ter coragem para encará-lo.

Qual a principal razão que vos levou a deixar o Brasil?

RB: Uma era realmente o sonho de morar aqui.

MF: O intercâmbio cultural, trocar experiências com os artistas daqui, observar o que se está a fazer, querer participar e co-participar, esta troca...

RB: Sempre tivemos uma vida muito feliz no Brasil. Apesar das adversidades do nosso país, da desigualdade, temos uma vida em que conseguimos juntar o profissional com a vida familiar, que é uma coisa que prezamos muito, com a vida entre os amigos, os três filhos, temos uma produção muito ativa, não só como atores mas também como produtores... Temos uma vida amorosa no Brasil, intensa. Mas o desejo de viver esta experiência, de dar-nos esta oportunidade e aos nossos filhos - dois deles estão aqui connosco - foi sempre muito forte. É engraçado que queríamos ter vindo no final de 2018, antes deste governo atual [de Bolsonaro] que potenciou o nosso desejo de ficar um pouco longe do país.

Como tem sido esta adaptação?

MF: Estamos a conseguir, obviamente, com uma configuração diferente da que tínhamos projetado, poder explorar mais o país e a sua riqueza com mais frequência e livremente. Mas conseguimos fazer coisas que no Brasil não estávamos a poder fazer, que era ir ao teatro, ao cinema. Mesmo com todas as regras por causa da pandemia, estamos a conseguir fazer isso, coisa que lá ainda não está a ser possível. Até isso está a ser bom de viver. Mas óbvio que é outra cultura, outras regras sociais. Vamos com calma, percebendo com a tranquilidade de observar e o respeito. Prezamos muito isso, de entender, chegar devagar...

RB: Entender o país, a nova cultura, perceber como é que as pessoas vivem, que é bem diferente de quando vens passar aqui 15 dias.

E como é que caracterizam a cultura em Portugal, em termos de trabalho?

RB: Tenho uma admiração pelo que se faz aqui no teatro, no cinema, na música, na televisão... Sentimo-nos colegas de profissão, apesar das diferenças. Percebemos e acompanhamos, não agora, mas há muitos anos, o que se faz aqui. Uma admiração muito grande pela valorização da arte, da cultura.

MF: Percebemos as lutas agora neste momento, percebemos como está a ser duro por causa da falta de leis, da regulamentação da profissão, esta luta que tem vindo a acontecer por conta da pandemia. Sentimos que também fazemos parte. Mas vimos muito abertos para perceber. De todas as vezes que viemos cá, sempre vimos peças.

RB: Mesmo agora com a pandemia, temos ido ao teatro para ver o que está a ser feito. Ficamos felizes por ver que mesmo na pandemia alguns grupos e algumas companhias estão a conseguir manter-se, mesmo com a casa com 30% ou 40% da bilheteira.

MF: Percebemos até que tem uma frequência de público. As pessoas estão a assistir aos espetáculos, alguns estavam cheios (dentro dos limites). Percebemos que as pessoas querem ver, mas é um momento global. Não está a ser fácil este desafio da pandemia.

Os planos passam por ficar agora em Portugal ou voltar ao Brasil?

RB: Viemos com a ideia de ficar uma temporada de dois anos e depois vamos sentar-nos e ver se está tudo bom e, quem sabe, continuar.

MF: Depende também se vamos conseguir trabalhar. Temos reportório de espetáculos, temos desejo de colocá-los em cartazes, de trazer coisas novas, o Roberto tem muitas ideias para este intercâmbio acontecer, estar com atores e realizadores daqui, colegas... Sabemos que a língua tem um mix de diferenças, mas interessamo-nos muito por essa troca, essa vivência.

RB: Obviamente, como somos produtores, viemos trazer o nosso reportório teatral e até projetos que estamos a finalizar de audiovisuais, uma série - e neste momento a pandemia não atrapalhou esse processo dos audiovisuais porque conseguimos estar em qualquer parte do mundo e trabalhar a edição. Mas muita vontade também de trocar, de juntar com colegas profissionais daqui de Portugal para que possamos sentir na prática, no dia-a-dia, o que é que é trabalharmos juntos, estarmos juntos. Esse acho que é o grande prazer, desejo.

Já interpretaram vários papéis em projetos diferentes, e até já fizeram parte do mesmo elenco, como na telenovela 'A Terra Prometida'. É mais fácil quando estão os dois a trabalhar no mesmo projeto ou quando estão em projetos diferentes? Como é o vosso processo criativo?

MF: Fazemos coisas juntas com frequência. Acho que temos uma sintonia, e como fazemos muito teatro juntos... Por acaso acho que ainda não contracenámos em nenhuma novela...

RB: Mas é bom encontrarmo-nos nos bastidores. E contracenar é muito bom. Acho que ajuda muito o facto de termos uma sintonia forte.

MF: Eu sou mais técnica ele é mais espontâneo. As nossas piadas internas, só no olhar eu já sei o que está a rolar... É divertido assim [risos]. 

Mas costumam estudar juntos, por exemplo, ou têm processos diferentes?

RB: Temos processos diferentes. A Miriam é mais certinha, aplicada, e eu já sou mais do improviso, gosto do risco...

MF: Eu sei cada vírgula e ele não. Deixa-me doidinha [risos].

De todas as personagens que já interpretaram, qual foi a mais desafiante?

RB: Na televisão, recentemente, fiz uma série na TV Record que se chamava ‘Conselho Tutelar’ e que acabou por ter três temporadas [de 2014 a 2018] e fazia de conselheiro tutelar veterano (órgão que protege os direitos da criança e do adolescente contra a violência). Este [órgão] é muito ativo num país como o Brasil porque tem muitos destes casos. Foi muito desafiador porque eram histórias de violência baseadas em histórias reais. Foi muito impactante, muito forte fazer esta personagem pela questão da violência contra a criança que é muito difícil de nós lidarmos, saber dos casos… Foi muito forte e o resultado foi muito bom, muita felicidade de poder estar ali de, alguma forma, a contribuir para aumentar a visibilidade dessa questão.

MF: Não só dessa questão como desse papel, porque até nós sociedade conhecemos muito pouco. Divulga-se muito pouco sobre essa função e essa propagação teve um impacto muito grande no público, e as pessoas falavam com ele como se fosse um conselheiro tutelar mesmo. Quando ele estava a estudar, eu não conseguia ver as coisas, ficava muito nervosa.

A mim, como atriz, fiz de Nora em ‘Casa de Bonecas’, que é a personagem principal, e no Brasil, na altura que estreámos, tinha havido um caso muito forte de violência contra as mulheres – lá no Brasil isso também é muito forte, sempre foi. A peça teve muito impacto. A versão que o Daniel fez que trata da violência física contra a mulher, foi intenso, mas foi muito bom.

RB: E este é um dos projetos que estamos a finalizar, estamos a colocar a peça num telefilme agora.

Miriam, das personagens que o Roberto já interpretou, qual é a mais parecida com o Roberto?

MF: Vou ser ousada, mas acho que é o Raul Seixas, um cantor brasileiro muito famoso [um dos pioneiros do rock brasileiro que morreu aos 44 anos, em 1989, autor da música ‘Maluco Beleza’, nome do podcast de Rui Unas]. Sempre que o Roberto faz de Raul é sempre um sucesso, é uma loucura. É uma personagem muito chegado ao público e acho que tem a ver com o Roberto.

E o Roberto, das personagens que a Miriam já interpretou, qual é a mais parecida com a Miriam?

RB: É difícil de dizer. Acho que tem um pouco de cada... Mais recentemente fez uma série que se chamava ‘Detetives do Prédio Azul’, que teve muito sucesso no Brasil, e fez uma personagem com muito brilho, muito alegre, muito vibrante, uma artista, uma pintora. Apesar de ser um projeto infantil, acho que é uma personagem muito parecida com a Miriam.

O Roberto já dirigiu vários projetos, incluindo novelas... É mais fácil estar à frente da câmara ou atrás?

RB: Gosto dos dois lados. Sei que isso desperta muita curiosidade nas pessoas, até numa conversa de café às vezes as pessoas perguntam-me isso. Tenho muito prazer, desde o primeiro momento da minha carreira, comecei a trabalhar como contra-regra numa peça, fui para o palco como ator e passados seis meses estava a dirigir uma peça. Dois anos depois já estava a dar aulas de interpretação. Tanto atuar como dirigir dão-me muito prazer. Às vezes estou a atuar há mais tempo e fico com saudades de dirigir e começo a movimentar o meu barco para dirigir. E o mesmo acontece ao contrário, quando estou há muito tempo a dirigir, trago de novo o barco para a representação. Os dois completam-se muito.

O que mais aprenderam um com o outro?

MF: Eu foi a soltar-me um pouco. Ser um pouco menos controladora, menos certinha. O Roberto coloca-me no lugar do risco, do desconforto, no bom sentido. Até na vinda para cá, ao início fiquei insegura com isso, porque estava tudo bem no Brasil, estava tudo seguro. Ao mesmo tempo é prazeroso, percebo o quanto ganho e ainda bem que o tenho [risos]. Porque se não ia ser tudo sempre tão certinho [risos].

RB: O que mais aprendi com a Miriam é essa disciplina, não que eu não tenha, mas é diferente. E aprendo muito com a Miriam no palco, como atriz. Vê-la a atuar no palco é fantástico. Ela é uma atriz de teatro... De televisão e cinema também, mas de teatro, que é a nossa história, a nossa escola, a nossa base, é fantástica. Às vezes ficava em cena a olhar para ela a vê-la atuar no palco. Apesar de ter 15 anos a mais do que ela, aprendi muito como ator com ela.

Que conselhos dão aos que estão a dar os primeiros passos na representação?

MF: Um é assistir, ver tudo o que conseguir, estar ali na plateia com o olho de espectador mas também técnico. Também esse prazer da profissão de poder ver colegas e aplaudir por filmes, por teatro. E o teatro não é uma coisa fácil, para pegar o público e funcionar, tem todo uma mística... Alimentar-se de cultura e, no meu caso, ter disciplina e trabalhar. É o trabalho que constrói uma carreira. Ter sucesso ou ser bem sucedido no momento, ter aquele ponto alto da fama [até pode ter], mas a vida, a carreira, a solidez, se é isso que queremos construir, é um dia depois do outro, um ano depois do outro, é ter esse olhar de se perceber o que se quer.

RB: Concordo com tudo o que a Miriam disse. Acho que quem está a começar um caminho como realizador tem um olhar diferente, percebe cedo essa necessidade do estudo profundo. Um jovem ator às vezes não percebe, às vezes engana-se mais em quais são os caminhos prioritários. Acho que é estudar a atuação, estudar técnica... Não acredito num ator sem cultura. A cultura, a literatura transforma os atores, como transforma as pessoas como seres humanos. Dá muito material para os jovens atores depois na sua carreira.

Observar os veteranos que estão a ir embora aos poucos. Ainda recentemente, morreu uma queridíssima atriz, Nicette Bruno. Hoje é muito mais fácil ter acesso aos filmes, às séries e às novelas que os veteranos fizeram, observá-los. E, acima de tudo, entender que esta profissão de ator é uma profissão como outra qualquer. Acho que na hora em que percebemos que esta profissão é uma profissão como outra qualquer, entendemos que temos de caminhar, um degrau depois do outro, um dia depois do outro, se pensamos em ter esta profissão para a vida toda. Para se poder sustentar e à sua família. É uma profissão como outra qualquer e tem de durar a vida toda para ter sentido.

E os filhos... algum deles tentou ou já deu a entender que quer seguir as pisadas dos pais?

RB: Não [risos]! A Joana, a mais velha, é advogada. A Maria Helena, que está a morar aqui connosco, está a fazer História na faculdade do Brasil mas a ter aulas online, e está a estudar também aqui em Portugal Turismo Cultural e do Património. O Miguel, o mais novo, quando alguém brinca com ele e diz que vai ser ator, ele diz que não. Diz que quer ser jogador de futebol. O mais novo é quem tem mais possibilidades de trabalhar no nosso meio.

MF: Desde muito cedo que anda connosco, conhece os bastidores, e ajuda nos bastidores. É mais diretor, talvez, gosta de manda [risos].

O que mais gostavam de concretizar em Portugal?

RB: Fazer a nossa arte aqui, trocar a nossa arte com os artistas portugueses, trabalhar juntos e solidificar amizades, é basicamente isso. Sempre achámos pouca a integração de Portugal/Brasil e Brasil/Portugal devia ser maior e estamos aqui para isso, do fundo do coração.

MF: Aqui sempre houve esse interesse, essa busca, mas no Brasil recebemos muito pouco do que vocês fazem aqui... Vocês receberam muito a nossa cultura através da música, das novelas, durante tanto tempo. Que pena nós recebermos tão pouco.

 

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